Em 2002, o sociólogo e empreendedor social Fernando Alves, 54, materializou um sonho, a criação da Rede Cidadã, uma organização social, sem fins lucrativos, voltada para a geração de trabalho e renda, com foco em jovens de baixa renda. De lá para cá, a Rede tornou-se uma ONG consolidada, com números impressionantes: 50 mil pessoas inseridas no mercado de trabalho, 2 689 voluntários, 685 instituições parceiras, 270 profissionais, em 9 estados e 47 cidades. Desde o primeiro aporte financeiro feito pela Fundação Avina em 2004, a organização ampliou sua lista de parceiros-investidores, e hoje conta com uma carteira de pouco mais 2 mil empresas e um faturamento anual de 18 milhões de reais.
COMO ELE CONSEGUE REALIZAR TANTO?
Com uma trajetória profissional que passa pelos setores público e privado, atuando como professor em escolas da rede pública, secretário municipal e gestor de RH, Fernando percebeu que a maior parte dos problemas sociais tinha um fator em comum: a falta de renda. Por isso, apostou na gestação de uma ONG baseada na criação e fortalecimento de redes capazes de aproximar setores diferentes (sociedade civil, organizações sociais, poder público e empresas) para convergir esforços em torno de um propósito comum: promover a capacitação especializada e facilitar a entrada de empreendedores e pessoas de baixa renda no mercado de trabalho.
A Rede Cidadã, então, foi estruturada para atuar em três frentes: empregabilidade, aprendizagem e empreendedorismo. Empregabilidade é o coração de sua atuação, é onde a Rede Cidadã oferece oportunidades de trabalho em diversas áreas para jovens, adultos e sêniores (maiores de 50 anos). Até fevereiro de 2016, foram mais de 29 mil pessoas contratadas e mais de 500 empresas parceiras em vários estados brasileiros.
Já os jovens que precisam se preparar para uma transição do mundo escolar para a o mundo do trabalho, contam com o Programa de Aprendizagem Profissional. Já são 22 727 Jovens Aprendizes, de 16 a 22 anos, contratados. Por último, a frente de Empreendedorismo apoiou
1 667 micro e pequenos negócios, por meio de mentorias em gestão de negócios conduzidas por voluntários sob a supervisão da equipe técnica da ONG.
Fernando fala sobre o que estrutura a Rede Cidadã e que é, na verdade, uma receita para qualquer negócio social ser bem sucedido: “As três premissas fundamentais são: fazer da ação social um serviço convergente com as necessidades do mercado e da sociedade; ter um plano de mobilização de recursos coerente com as dimensões do negócio, incluindo recursos não financeiros; e criar um mix de fontes de recursos que integrem serviços, doações e alinhamento com recursos de políticas públicas”.
NÃO BASTA SER BOM, TEM QUE SER REPLICÁVEL
Com dois anos de existência, a Rede Cidadã já havia testado alguns caminhos de recrutamento e capacitação de pessoas, bem como de parcerias com o empresariado. Nem tudo deu certo. Essa caminhada inicial, com seus erros e acertos, deu o norte para a criação de uma metodologia própria, em 2004, chamada de Rede de Geração de Trabalho e Renda. Fernando fala a respeito:
“Além de investir na formação, tão importante quanto isso é resgatar a vocação e os sonhos dessas pessoas. Vida e trabalho são um só valor e devem andar juntos”
É desta forma que a organização ajuda a solucionar alguns gargalos empresariais – como a redução de turn over, a perda de capitais intelectual e operacional, e também a perda de conexão com clientes. “Empresas precisam de uma equipe motivada e engajada. Elas buscam pessoas autossustentáveis, com foco, eficazes e felizes. A Rede Cidadã forma pessoas assim”, diz Fernando.
Entre os apoiadores da Rede Cidadã estão empresas do porte de uma Natura, Carrefour, Vale, Coca-Cola Femsa, Gol, Centauro, Tam, Starbucks e muitas outras. Em 2011, a metodologia foi reconhecida pelos avaliadores da Fundação Banco do Brasil como uma tecnologia social e, desde então, vem sendo replicada em dezenas de municípios, onde a Rede Cidadã está presente.
Os pilares da metodologia Rede de Geração de Trabalho e Renda (RGTR), são: quebrar o estigma de que “se você é pobre deve aceitar qualquer trabalho”; trabalhar em uma rede formada por entidades diferentes, com papéis complementares entre si; criar um mapa de perfil de competências; desenvolver as competências emocionais; recuperar o valor do trabalho.
Práticas comuns ao universo de Recursos Humanos estão no DNA da metodologia RGTR, tais como mapeamento do perfil dos participantes, elaboração de CV, treinamento para entrevistas, cursos especializados, orientação e elaboração de plano de carreira, acompanhamento pós-contratação e troca de experiências com profissionais do mundo corporativo.
No total, os participantes dos cursos cumprem uma carga horária de 64 horas, que compreendem as etapas como a Sala de Valores (para restaurar o valor do trabalho na vida, estabelecer compromissos entre o participante, a Rede Cidadã e a empresa contratante), Profiler (para identificar o perfil profissional dos candidatos), Banco de Talentos (para agrupar e encaminhar os participantes ao mercado de trabalho, conforme seus perfis e competências) e a Pós-contratação (o acompanhamento do desempenho dos contratados junto aos RHs das empresas).
COMO MOBILIZAR RECURSOS
Apesar de ter um faturamento anual de 18 milhões de reais e de ser 100% financiada pelo setor privado, captar recursos é um desafio permanente para a Rede Cidadã. Sobretudo em momentos de crise econômica, como o que o país atravessa. Fernando conta que o jeito é inovar também aí: “Estamos estudando novas formas de captar recursos, por isso, recentemente, participamos de um programa de mentoria sobre mobilização de recursos, da Fundação Dom Cabral. A lógica é a mesma das empresas quando buscam novos clientes ou querem ampliar seus mercados. Nós, do terceiro setor, ainda temos a vantagem de poder contar com doações e com a destinação de parte do imposto de renda”.
Na opinião dele, para uma organização social conquistar o investimento de empresas e ter uma rede sólida de parceiros, credibilidade é a palavra chave:
“É preciso mostrar resultados: entregar o que foi prometido. A gestão tem de ser profissional, com metas, indicadores e absoluta transparência na prestação de contas. O projeto social tem que ser um serviço ao mercado”
A Rede Cidadã conta com investidores que apoiam o negócio há mais de dez anos, mas todo ano esses contratos precisam ser revalidados. “Não tem mágica, todo ano é preciso superar as metas traçadas, manter a curva de melhoria contínua em direção ao aumento da qualidade, no nosso caso, ao aumento do impacto social, do valor social agregado”, diz Fernando, e prossegue: “Costumo dizer que a gente precisa lutar para existir, lutar para poder fazer o bem, e depois lutar para fazê-lo da forma mais qualificada possível. Talvez, esse seja o mantra.”
EXPANDIR, SEMPRE QUE POSSÍVEL
Com tantos resultados positivos, a metodologia da Rede Cidadã começou a chamar a atenção também das empresas, que viam ali uma inspiração para melhoras as suas próprias ferramentas de gestão de pessoas, treinamento e engajamento de funcionários. A partir desta percepção, a Rede Cidadã criou um projeto incompany chamado Capacity Building. É por meio dele que a organização leva às empresas sua ferramenta de avaliação, um mapa de perfil comportamental, capaz de apoiar o RH no processo seletivo, criando maior assertividade no casamento entre pessoa e função.
Além disso, hoje a Rede oferece dinâmicas vivenciais com o objetivo de desenvolver o autoconhecimento. “A baixa capacidade de gestão emocional tem sido um grande problema atualmente no mundo corporativo. Nós ofereceremos ferramentas para que as empresas possam contar com pessoas mais preparadas emocionalmente”, conta Fernando, cidadão dessa rede.
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