O open health chega como uma alavanca poderosa, uma ferramenta estruturante capaz de reposicionar o ecossistema de saúde de maneira sustentável. E esse modelo cria lugar para uma pauta urgente na saúde: a segmentação, que deve levar ao entendimento das necessidades específicas dos pacientes, à personalização do atendimento e a uma gestão mais eficiente.
Vamos contextualizar: até hoje, o sistema de saúde vem trabalhando com base atuarial, ou seja, análise de risco pautada nas experiências passadas. Entretanto, esse modelo não é sustentável e a pandemia escancarou essa fragilidade. Sendo assim, é preciso redesenhá-lo, entender quem é a população que utiliza o serviço e de quê ela precisa exatamente. Só assim será possível alcançar a equidade. De acordo com Luciane Infanti, sócia-líder da EY-Parthenon:
“O open health é a ferramenta para que se possa chegar a essa segmentação, para que a partir de dados concretos seja possível dimensionar e racionalizar recursos financeiros e humanos, atender as necessidades, tomando decisões consistentes”.
Este é um movimento mundial. O Global Health and Healthcare Strategic Outlook: Shaping the Future of Health and Healthcare fala sobre uma visão para saúde em 2035 apoiada em quatro pilares que têm a equidade como objetivo final. Com acesso e resultados equitativos, transformação do sistema de saúde, tecnologia e inovação e sustentabilidade ambiental.
Distribuindo a população em grupos, considerando suas necessidades específicas, é possível customizar serviços e otimizar os custos assistenciais de cada um deles. Neste cenário, novas estratégias de gestão se apresentam.
Tudo começa com a instrumentalização, com o empoderamento do paciente em relação aos seus dados – ele é o dono da informação e as instituições são os fiéis depositários. Em seguida vem a segmentação, uma via única de sustentabilidade financeira, que prioriza e começa a oferecer atendimento diferenciado de acordo com as demandas reais. É aí que entra uma nova experiência de quem será atendido e uma nova educação da forma como o paciente se relaciona com os elementos do sistema de saúde.
E já dá para começar a sentir uma mudança de comportamento. Se até pouco tempo atrás a maioria das pessoas procurava atendimento apenas em momentos de desconforto e doença, hoje há um melhor entendimento de que é preciso ter atenção à saúde e medidas de prevenção para se manter saudável.
“A questão da educação vem a partir de uma nova experiência do beneficiário, que passa entender que precisa ir ao médico para continuar bem e usar melhor o recurso que é limitado”, explica Luciane.
A partir do momento que é possível segmentar essa população, fica mais fácil entender os riscos, mudar os hábitos e ofertar modelos de saúde específicos.
“Nesses casos, o custo chega a ser 13 vezes menor do que se o atendimento for feito apenas em momentos de desconforto e doença”,
projeta o sócio-líder de Health Sciences and Wellness da EY, Leandro Sanches. Essa mudança de jornada é fundamental para a sustentabilidade do sistema e ainda ajuda a construir um vínculo de confiança com o beneficiário.
De acordo com Luciane, a reprogramação do percurso com o open health deve se dar em três etapas, que precisam ter início ao mesmo tempo: no curto prazo haverá um aumento de acesso; no médio, uma mudança de orientação de recursos de acordo com o entendimento das necessidades; e no longo prazo vem a mudança de experiência.
A expectativa é obter melhores desfechos com o open health, já que no setor da saúde o tempo é crucial, sendo elemento-chave para diagnóstico sob condição de risco, tratamento e recuperação.
Quando chegamos ao pronto-socorro com alguma dor aguda, a equipe – que não conhece o paciente – se prepara para cercá-lo dos mais variados cuidados até se chegar ao diagnóstico. Porém, o cenário muda quando ele entra com seu histórico que já aponta para as possíveis causas da visita ao hospital. Com esses dados em mãos, certamente a equipe precisará dispor de menos recursos e terá chances maiores e mais rápidas de acerto do diagnóstico. Ou seja, a gestão fica muito mais eficiente e otimizada.
Outro ponto importante de transformação se dá em relação ao direcionamento do atendimento. Nosso sistema foi dimensionado para atuar na saúde primária (generalista), especializada e de alta complexidade. Porém, não estamos preparados para tomar decisões que nos encaminhem para o melhor atendimento. O que falta é um apoio para a navegação do paciente.
Por exemplo: um dos casos típicos dos fatores de prevalência de entrada no pronto-socorro tem a ver com infecções urinárias em geral. Mas, pensando bem, qual seria o melhor local para se consultar nesse caso? Um pronto-socorro, que trabalha com as mais diversas condições, ou uma clínica especializada no trato urinário? Nem sempre o local mais complexo é o melhor, mas grande parte da população vai direto ao hospital.
Nessa esteira, entra a discussão da melhor navegação do paciente. Para se ter uma ideia, um país referência nesse sentido é o Reino Unido. Por lá, o atendimento primário, feito por paramédicos e ambulâncias, encaminha o usuário para o local onde há um leito mais adequado naquele momento. O sistema trabalha com um mapa físico, funcional e orçamentário que ajuda a tomar as decisões mais condizentes com o que o paciente precisa.
Ou seja, falando em gestão, a segmentação e o conhecimento do paciente ajudam a reorganizar estruturas de maneira inteligente e movê-lo para onde o recurso está. Estamos falando de uma visão que culmina em eficiência para o sistema.
Por fim, a longo prazo ainda é possível falar na mudança do modelo de remuneração dos profissionais da saúde, uma pauta antiga que avançava timidamente. Isso porque, até hoje só éramos capazes de medir o outcome com base no sucesso dos procedimentos. Porém, com dados dos pacientes e acompanhamento contínuo estaremos maduros para mensurar o resultado sobre o impacto na qualidade de vida do paciente.
“Com esse tipo de gestão, consigo medir resultados, ter melhor percepção de valor e pagar mais para quem agrega mais valor à vida do cidadão”, justifica Luciane.
O tema não é novo, mas a discussão começou a ventilar mesmo em 2020, com a pandemia e o Projeto de Lei autorizando a prática da telemedicina. Em 2021, tivemos um aquecimento importante com a introdução da carteira de imunização no Conecte SUS e 2022 foi um ano de mais força para a agenda por conta da formalização da telessaúde. Tudo isso amparado pela Lei Geral de Proteção de Dados, de 2018, que regula o tratamento de dados pessoais.
“Estamos em um momento importante, com a nomeação de um governo que deve dar continuidade e ampliar o acesso pela saúde digital”, reforça a sócia-líder da EY-Parthenon.
O momento é de construir a operação, e, nesse sentido, a escala tecnológica é a agenda principal para 2023. E Luciane é otimista em relação à jornada do open health no Brasil:
“Eu diria que ela já começou. Quando pensaríamos em ter a carteira de vacinação no celular? A pandemia acelerou todo o processo, criando novas experiências e consigo enxergar que já iniciamos essa caminhada”, diz.
E a tecnologia para suportar essa jornada existe: é possível trazer o aprendizado robusto de outros setores, como o open banking, para o setor da saúde. O fato é que vivemos uma inflexão, uma oportunidade de reorganizar o sistema de saúde que pode culminar na tão necessária equidade.
Será preciso se reorganizar, mergulhar na tecnologia e aprender a lidar com os dados que vão permear todo o ecossistema de saúde. Especialistas da EY explicam como isso já vem sendo realizado lá fora e como deve entrar no Brasil.