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De feirante aos 13 anos a dono de hamburgueria aos 40, Gilson de Almeida transformou seu hobby em profissão

Daniela Paiva - 17 dez 2014 Gilson de Almeida em frente ao pequeno balcão do "Na Garagem"
Gilson de Almeida, 40, em frente ao pequeno balcão do "Na Garagem", que vende cerca de 500 hambúrgueres por semana.
Daniela Paiva - 17 dez 2014
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Se você encontra alento da habitual chatice televisiva na programação em que brilham facas, panelas e disputas de avental, já deve ter notado um drama comum entre concorrentes dos reality shows gastronômicos: apostar na receita segura, que o chef sabe de cor, ou correr o risco e inventar uma fusion. Certa vez, Gilson de Almeida, 40, então publicitário, resolveu que na cozinha, e na vida, preferia se encaixar no time da ousadia. Fez uma paleta de porco com um molho bem brasileiro: de jaca!

Ele participava de um desafio gastronômico patrocinado pela Nestlé. O ano era 2004. Não levou o primeiro prêmio (uma viagem à sede da mais prestigiada das escolas de gastronomia, a Le Cordon Bleu, na França), mas ganhou o fogão que usa até hoje. Mais que isso. Ganhou aquele troço que a gente precisa para dar um passo rumo ao desconhecido: incentivo. E o tal molho de jaca ainda renderia, mais adiante, vaga no restaurante de um dos hotéis mais luxuosos de São Paulo.

O início dessa história, porém, está na pré-adolescência do simpático dono do Na Garagem Hamburgueria Artesanal, um balcão, cozinha, e banquetas em 18 metros quadrados, mais duas pranchetas de madeira do lado de fora de uma garagem. O espaço é um achado – diminuto, mas situado na pontinha uma charmosa rua em Pinheiros, São Paulo, de paralelepípedos, com parquinho à frente e gente se aboletando pela calçada à espera do seu sanduíche.

Filho de uma família simples, de mãe costureira e pai motorista, Gilson começou a trabalhar aos 13 anos para ganhar um dinheirinho. Queria comprar casacos, tênis da moda, coisas que os pais não podiam dar. Conseguiu um bico em uma barraca de legumes de feira como ajudante. Acordava às 4h da manhã, três vezes por semana, e descarregava, limpava e propagandeava tomates. Aos finais de semana, completava a renda com outro trabalhinho, como ajudante de buffet, aí enchendo copo, finalizando canapés…

Aos 15, Gilson foi contratado como office boy da multinacional McCann Erickson, tempos antes da agência se juntar à de Washington Olivetto na W/McCann. Entregava envelopes na rua. Logo foi promovido para entregador de envelopes interno, e isso era, sim, uma espécie de subida de patamar.

A equipe do Na Garagem em frente ao estabelecimento: uma garagem de 18 metros quadrados que virou hamburgueria.

Bruno e equipe em frente ao estabelecimento: uma garagem de 18 metros quadrados que virou hamburgueria (foto Bruna Arcangelo Toledo).

Certo dia, o garoto esperto acabou recrutado para ajudar na finalização de imagens, trabalhando no acabamento dos anúncios. Mergulhado neste mundo, escolheu cursar faculdade de artes plásticas. Enquanto ralava e estudava, fazia a sua escalada na McCann – de finalizador a assistente, de assistente a diretor de arte.

Em 2003, Gilson parou tudo. Quis estudar inglês. Despencou-se para a Nova Zelândia, destino da moda na época, e arranjou um trabalho como lavador de pratos num restaurante. Sem luxo, mas com muito suor e aromas à volta. De novo, completou a renda com outro bico: fazia coxinhas para uma brasileira casada com um canadense que saciava a saudade na iguaria. Ele vendia cerca de 20 coxinhas, a dois dólares cada, por semana.

De volta ao Brasil nove meses depois, a estrada publicitária o levou para a Agência Taterka de Comunicações. Seguiu com as tarefas que lhe eram familiares como diretor de arte por três anos, mas aí a gastronomia já estava em ebulição.

“Cozinhava para mim, para os amigos. Sempre que tinha um churrasco, me chamavam para fazer. Comecei a ter paixão mesmo. Quando vi, o meu hobby virou profissão”

Entre 2006 e 2008, Gilson salpicou estudo nessa paixão ao entrar para a graduação em Gastronomia pela Universidade Anhembi Morumbi. Buscando aprender com quem sabe tudo, estudou com o chef francês Laurent Suaudeau, uma lenda da alta gastronomia no país. Na capital paulista, o mestre montou, nos anos 2000, a Escola da Arte Culinária, onde Gilson engatou um curso basicão para aprender coisas como desossar aves, fazer caldos e molhos, organização, limpeza….

Seus olhos reluzem ao contar em detalhes uma técnica do chef que lhe chamou a atenção – no caso, de cuidado com o que evapora de um caldo para as bordas da panela em um processo tão artístico que exige o uso de pincel. “Eu pirei naquilo”, diz.

Nesse meio tempo é que aconteceu o concurso da Nestlé, no qual enfiou a paleta de porco no molho de jaca. No final da faculdade, participaria de outros concursos. Aí, a Taterka já tinha ficado para trás e Gilson se segurava com um emprego em uma agência de sustentabilidade chamada Setor Dois e Meio. Mas, diplomado na sua paixão, não deu mais. Abandonou a propaganda e foi estagiar em um buffet.

Logo perceberia que o trabalho não estava rendendo caldo. Três meses depois, foi procurar o ex-concorrente no concurso da Nestlé, que tinha virado figurão da gastronomia e era chef do restaurante do Hotel Emiliano, que tem um sem-número de celebridades entre os hóspedes cativos – Rodrigo Santoro, Paris Hilton, Gisele Bündchen.

QUE TAL SER ESTAGIÁRIO AOS 34 ANOS?

E lá foi Gilson, iniciar uma nova carreira como estagiário do restaurante do Emiliano. Cortava as ervas para o tempero, limpava geladeira, preparava o lanche do staff. Ele estava com 34 anos. Como estagiário, seu salário diminuiu sete vezes. Ainda assim, ele estava mais feliz? “Sim, mais feliz. Disso eu não tinha dúvida”, afirma.

Findo o estágio, Gilson foi convidado a entrar para o time. E tome trapalhadas de principiante, como pegar a muçarela de búfala na mão na correria, queimar codornas duas vezes seguidas, inutilizar amêndoas. Falhas técnicas recuperadas em uma caminhada que durou dois anos, até que virou o sabe-tudo do Emiliano.

Pode babar: cheese salada com alface, tomate, molho, cebola roxa, hambúrguer e queijo prato. Ao fundo, batata rústica com alecrim e sal.

Pode babar: cheese salada com alface, tomate, molho, cebola roxa, hambúrguer, bacon e queijo prato. Ao fundo, a batata rústica com alecrim e sal.

O ano era 2010 e, como às vezes acontece na vida, o casamento de Gilson desandou. Ele se separou de Cristina Brand (publicitária, que conheceu na Taterka) e foi afogar as mágoas nas panelas de Nova York. Não tardou para retomar o romance e, com o apoio da mulher reconquistada, ele seguiria com os planos: rumo às melhores cozinhas! Na Big Apple, arrebatou uma vaga no Good Enough to Eat, famoso pelos clássicos da cultura norte-americana. Para quem tem por instinto fugir da receita segura, o que ele queria.

Então, um amigo brasileiro pediu para Gilson entregar um par de Havaianas (sim, as originais, preciosidade fora do Brasil) para o chef-executivo do DB Bistro, restaurante que carrega marca de Daniel Boulud, um dos responsáveis pela gastronomia-ostentação em Nova York. Ele queria entregar os chinelos pessoalmente e aproveitar para pedir aquela típica chance. Ficou três dias circulando na porta, à procura da sumidade, até finalmente esbarrar com o cara. Laurent Kalkotour, o então chef-executivo, lhe deu a chance. Gilson passou um mês indo para lá uma vez por semana, para fazer todo tipo de serviço – e de graça. Sustentava-se com freelas como designer gráfico para o Brasil.

Em janeiro de 2011, finalmente entrou para o staff do DB. Cuidava das entradas (como em seu início no Emiliano). Recebia só elogios e logo surgiu uma vaga na praça de hambúrguer. “Eu não acertava o ponto da carne e eles eram super exigentes. Quase desisti por conta da pressão. Chegava em casa todo dia mal”, relembra.

Pediu as contas. O chef pediu que ele ficasse só mais dois meses. Com data para voltar, Gilson relaxou. E não perdeu mais o ponto. Por fim, ficou quase dois anos. Em 2012, recebeu uma proposta de dar inveja em muito cozinheiro por aí: trabalhar no staff do DB em Singapura. Não topou. Era muito longe, e acabou voltando para São Paulo.

Ao chegar, juntou-se a um amigo para fazer eventos, serviço de buffet. Não era isso. Também começou a trabalhar como produtor culinário, que é o cara que monta o prato visualmente delicioso acima, inclusive, do gosto. Não era isso. O que era, afinal? Abrir um negócio.

O EMPREGO QUE ELE QUERIA ERA ABRIR UM NEGÓCIO

Seria este negócio um buffet? Um restaurante a quilo? As ideias saltavam da panela e iam direto para a lata de lixo por conta dos altos aluguéis. Até que um dia, circulando por Pinheiros, bairro onde morava, Gilson encontrou uma sapataria de 18 metros quadrados situada em uma garagem de um condomínio fechado. Estava prestes a fechar e o aluguel do espaço tinha um preço mais convidativo. (Curiosidade, é bem perto de outro pequeno negócio já retratado aqui, o sebo Desculpe a Poeira, de Ricardo Lombardi.)

Pegou as suas economias e as de Cristina, que mais uma vez deu suporte aos seus sonhos, e com 140 mil reais alugou, reformou o espaço e se preparou para a inauguração, em setembro do ano passado. Avesso à receita segura, como sabemos, Gilson apostaria no que quase o traumatizou: os hambúrgueres. Mas os anos “tomando porrada” na cozinha deixam o couro grosso e dão coragem, além da experiência. Ele desenvolveu um cardápio enxutíssimo, para caber naquele espaço onde dificilmente uma caminhonete estacionaria.

Há dois tipos de hambúrguer: o Cheese Salada, a 19 reais (alface, tomate, molho, cebola roxa, hambúrguer e queijo prato) e o Vegetariano, a 20 reais (com hambúrguer feito de feijão preto, arroz integral, quiabo grelhado, coentro e cebolinha), com bacon (dois reais e cinquenta centavos) e queijo (um real) como opcionais, além do pão integral. A batata rústica com alecrim e sal (crocante por fora e macia por dentro), a sete reais, completa o menu.

A estrela é a carne, no ponto mais que perfeito. Pedi a minha mal passada e eu, que sou chatíssima com isso, quase tive um ato de redenção. “Aprendi a fazer direitinho a escala nos Estados Unidos, do mal passado para o bem passado. Brigo sempre com quem está na grelha. Também é importante temperar a carne na hora, jamais deixá-la pré-temperada”, conta Gilson. E tem outro segredinho da casa, uma falsa maionese à base de cenoura e mandioquinha.

Para comemorar um ano de casa, o Na Garagem organizou o "Play na Rua": uma grande festa, com clima de interior, banda e food-trucks.

Para comemorar um ano de casa, o Na Garagem organizou o “Play na Rua”: uma festa pitoresca, com clima de interior, na rua de paralelepípedos (foto: Bruna Arcangelo Toledo).

O Na Garagem Hamburgueria Artesanal vende de 80 a 100 hambúrgueres por dia, segundo Gilson, o que dá uma média de 500 por semana, já que o estabelecimento fecha aos domingos. A equipe tem seis funcionários, além de Gilson e um segurança. Não há garçom, mas a vasilha cheia de notas e moedas ao lado do caixa é prova da simpatia e do apreço pelo sistema. “Caixinha!”, grita a atendente sempre que alguém despeja uma nota no vidro. Ao que a cozinha devolve um alegre “Obrigado!”.

Acertando o ponto da carne, e da freguesia, Gilson já bateu a meta que esperava atingir apenas no segundo ano do negócio. Sem formação em administração, ele buscou ajuda especializada para não queimar as economias à toa.

“Procurei uma consultoria de finanças porque eu já tinha ouvido falar, mas não sabia detalhadamente o que compunha um plano de negócios. Foram pensados desde os guardanapos, às perdas e à manutenção da geladeira para chegarmos a quantos hambúrgueres eu precisava vender por mês para não botar dinheiro”, diz ele.

Para o aniversário de um ano, Gilson arquitetou uma festa no mês seguinte, no Dia das Crianças, aproveitando o clima de interior da rua e do entorno, onde há também uma escola pública. Assim aconteceu o “Play na Rua”, com colegas de food-trucks, bandas, DJs e atividades para a criançada. Aliás, já um preparativo para ele receber sua primeira filha, prestes a nascer.

Para 2015, as ideias seguem borbulhando na cabeça do mestre hamburgueiro empreendedor. Talvez outro negócio, que não envolva hambúrgueres mas tenha o mesmo formato? Quem sabe uma nova unidade do Na Garagem? É esperar para ver qual dá o ponto certo para Gilson tornar realidade. Receita segura é que não vai ser.

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