Vinicius de Paula Machado, 33, foi professor de ioga por 13 anos. Fez Direito na Universidade Cândido Mendes e Marketing na Univercidade, ambas no Rio, sem concluir nenhuma.
Todo carioca é um orador nato. Mas Vinicius fala extra bem. (E, como se sabe, no Rio é êxtra e não éxtra.) Da mesma forma, todo participante da Nova Economia articula muito bem os conceitos que aplica à prática do empreendimento. Mas em Vinicius essa fluidez jorra de modo um tantinho mais caudaloso do que a média.
Foi como professor de ioga que Vinicius começou a perceber o descasamento entre vida profissional e felicidade. “Eu trabalhava com executivos e enxergava dois grupos de pessoas: quem cuida bem de si mesmo e quem privilegia o bolso em detrimento da saúde física e mental”, diz ele. “Via como as pessoas viviam vidas infelizes, que não desejavam. E como somatizavam isso. Aprendi ali o impacto causado na vida de uma pessoa pelo simples cagaço de fazer o que gosta”.
Vinicius tem um filho, Tomás, de 8 anos – uma responsabilidade que tem o poder de acomodar muita gente. Em Vinicius, a paternidade parece ter tido efeito contrário. “Essa minha busca por construir um mundo novo é por ele também”, diz ele.
A GERAÇÃO HUB RIO
Quando estava pensando em abrir sua própria empresa de ioga, em 2010, Vinicius recebeu um convite para ajudar a montar o Hub Rio – uma franquia do Impact Hub na cidade maravilhosa. O Impact Hub, presente em 54 cidades, e com mais de 7 000 membros nos seis continentes, se define como “uma rede de colaboradores com foco em realizar um impacto positivo no mundo”.
A ideia original do Hub Rio não se realizou – virar um espaço de coworking. Hoje é um grupo no Facebook. Mas as quase 40 pessoas que se juntaram ao redor daquela iniciativa formaram uma rede. Ao longo de 2010 eles se encontravam em Botafogo, no Instituto Pares, a cada 15 dias. “Nós fomos percebendo que não queríamos administrar um escritório virtual, um lugar – nosso foco era a conexão entre as pessoas”, diz Vinicius.
Esse processo de descoberta e de construção de uma rede de talentos e do trabalho colaborativo aconteceu ao longo de dois anos. E mudou para sempre a vida de Vinicius. Em 2012, ele fez o curso de Empreendedorismo Criativo, na Perestroika, com Augusto Gutierrez, co-fundador do Coletivo Espiral, que trabalha com processos de inovação social, aprendizagem em rede, facilitação de processos, gestão da inteligência coletiva e inovação em negócios.
Em seguida, Vinicius participou da primeira turma da Pipa, aceleradora fundada por Dhaval Chadha e Florencia Estrade, com Ursulla Araújo, 33, que trabalha com gestão do conhecimento e processos participativos, e que viria a ser sua sócia em mais de um empreendimento.
Foi nesse momento, no segundo semestre de 2012, que começou a surgir a ideia da GOMA, que Vinicius define como “uma conjunção de redes”. Vinicius cruzou com o pessoal da MateriaBrasil, empresa de consultoria e de fabricação de produtos com materiais sustentáveis, formada pela fusão da Fibra com a Sistema Ambiental, duas empresas com trajetórias de inovação no campo da sustentabilidade. A MateriaBrasil define assim sua missão: “mostrar que é possível acolher novas maneiras de produção e consumo que priorizem a biodiversidade e o equilíbrio de ecossistemas”.
A MateriaBrasil, tocada por Bruno Temer, 33, Manuela Yamata, 25, Pedro Themotheo, 31, Anne Mello, 28, Thiago Maia, 33, Thiago Vedova, 33, e Bernardo Ferracioli, 31, estava naquele momento ampliando seu escopo de atuação da manufatura para consultoria. E levando a oficina do casarão que ocupava, na zona portuária do Rio, para um sítio, no interior fluminense. Com espaço sobrando na sede, a MateriaBrasil incubou outras empresas, como TerraVixta, que produz brindes com materiais sustentáveis; a Zerezes, marca de óculos produzidos a partir de materiais como um “compósito feito da união da serragem com uma resina de base vegetal”; e a Zebu, empresa de “mídias sustentáveis”, que desenvolve planos de comunicação, imprime cartões de visita em casca de bambu e faz mídia outdoor com plantas. A MateriaBrasil acolheu essas empresas sem virar sócia dessas, apenas dividindo o endereço e trabalhando junto, de modo integrado e colaborativo.
“A gente curtiu muito esse modelo, sem a contrapartida de ficar com ações da empresa incubada”, diz Vinicius. “Então partimos para a construção de um condomínio de instituições. Encontramos em abril de 2013 com umas 40 pessoas. E começamos ali a desenhar a GOMA.”
SURGE A GOMA, SINÔNIMO DE COLA, CIMENTO E REJUNTE…
Em 4 outubro de 2013, a GOMA foi oficializada como uma associação, com registro e estatuto. E nasceu com a missão de desenvolver um ecossistema empreendedor ao seu redor. “O nome seria ‘Mosaico’”, diz Vinicius. “Mas descobrimos que esse era também o nome de um sistema de monitoramento da Abin – a Agência Brasileira de Inteligência, ligada à presidência da República. Então ficamos com GOMA, que remete a cimento, cola, rejunte”.
A GOMA se apresenta como “uma associação interdisciplinar de empreendedorismo em rede, com foco em inovação social, economia criativa e design sustentável” e é hoje composta por 25 negócios, reunindo 70 pessoas colaborando entre si no mesmo endereço. O trabalho é participativo já na reforma da sede carioca – que foi recentemente ampliada para três casarões, perfazendo juntos 750 metros quadrados. A GOMA levantou 250 mil reais com os associados para a reforma e todo mundo foi convidado a por a mão na massa – e também no reboco, na pintura e no acabamento.
Se a GOMA não é uma aceleradora, porque não fica com uma parte das empresas que abriga, ela também não é um espaço de coworking – porque não lucra com o aluguel dos espaços. A GOMA, de fato, não tem fins lucrativos. Seu modelo de negócios visa a autossuficiência, num modelo de empreendimento social. A diretoria da GOMA – Ursulla Araújo, da Carioteca, é a presidente, Bernardo Ferracioli, da MateriaBrasil e Marcos Salles, também da Carioteca, são os diretores – não é remunerada. E a GOMA tem apenas dois funcionários administrativos.
Além da MateriaBrasil, fazem parte da GOMA empresas como o Estúdio Guanabara, de arquitetura e urbanismo, de André Daemon, Danilo Filgueiras, Luisa Bogossian e Thiago José Barros, que se define como “um coletivo que busca por meio de processos colaborativos, investigar, projetar e construir metodologias, objetos, edifícios e cidades”.
Ou a Imagine, de Eduardo Strucchi e Pedro Sol, que atua “na construção de soluções criativas que facilitam os processos comunicativos e educativos dos clientes”, por meio de ferramentas multimídia como cinema, design, fotografia, programação web, pesquisa, literatura e projetos culturais.
E a própria Carioteca, de Vinicius, Ursulla e do advogado Marcos Salles, 28. Formada em novembro de 2013, a Carioteca se define como “uma empresa de fomento à expansão do comportamento colaborativo e da inteligência de redes”.
“Queremos empoderar grupos a desenvolverem novos projetos por meio de processos colaborativos. A gente faz facilitação e metodologia da gestão do trabalho participativo, desenvolvimento de liderança circular e de liderança circunstancial”, diz Vinicius. “A Carioteca gere a assimetria de informação em ambientes descentralizados e desierarquizados. Estamos interessados na reforma das relações nos espaços de trabalho – e fora deles também”.
ENTRA E SAI DE STARTUPS CRIATIVAS
Algumas empresas já saíram da GOMA. A Maloca Querida, de Leila Leme, Denise Assumpção e Francine Albernaz, por exemplo, um coletivo de arquitetos que transforma móveis velhos e sobras de reformas em objetos de arte e design, está saindo da associação agora. E sempre há espaço para um novo residente. A GOMA, que ainda está experimentando seu modelo de incubação não-formal, está para fazer uma nova chamada oficial para empresas.
“Achávamos que 70 pessoas eram o número máximo que podíamos comportar, mas estamos revendo essa premissa. Percebemos que, com um esquema presencial rotativo, cabe mais gente”, diz Vinicius.
Todas as competências e talentos são bem-vindos na GOMA. Mas um dos critérios de escolha para novos integrantes é a complementariedade de saberes. “A GOMA é um laboratório de desenvolvimento pessoal e de negócios incrível. Então o diálogo é fundamental, assim como saber sentar em círculo”, diz Vinicius. “A gente faz uma ‘reunião de pulso’ toda sexta. Aí discutimos finanças, comunicação, infraestrutura. É a hora de acharmos um consenso entre 25 empresas parceiras com visões naturalmente distintas. Às vezes mandar tomar no cu faz parte desse processo.”
“A GOMA é um laboratório de desenvolvimento pessoal e de negócios incrível. Então o diálogo é fundamental, assim como saber sentar em círculo. E às vezes mandar tomar no cu faz parte desse processo.”
Hoje cada associado da GOMA paga 645 reais por mês para ter seu negócio ali dentro. O residente tem direito à estrutura, ao “hardware”: escritório, internet, café, banheiro. Mas o mais importante, segundo Vinicius, é o acesso à rede, ao “software”, estar conectado ao ecossistema e interagindo diariamente com aquele somatório de expertises.
“Na Copa, um contrato com a FIFA, para a produção de brindes, que era inicialmente de 50 mil reais, virou um negócio de 500 mil reais – porque a entrega cresceu e o briefing foi ampliado com a participação da Zebu, da TerraVixta e da MateriaBrasil.
Marcos, diretor da GOMA, estima que o faturamento somado dos associados feche 2014 em algum ponto entre 5 e 10 milhões de reais. Ele e Vinicius sonham com o próximo passo, que é sistematizar a experiência da GOMA, como uma espécie de software livre de economia colaborativa e de negócios sociais, capaz de espalhar a experiência do empreendedorismo em rede para o resto do país.
Parece que cimento, cola e rejunte não vão faltar.
Na pandemia, Cadu Bandeira resgatou um talento da infância e passou a fazer pipas e vender por WhatsApp. Levou um pé na bunda, encontrou um novo amor e hoje cria quadros e retratos (sim, com pipas) que já cativaram até Neymar.
Hoje a empresa aposta em uma mescla de metodologias para ajudar seus clientes a encontrar soluções inovadoras. "Nenhum CNPJ vale um AVC”, diz Vinicius de Paula Machado, um dos fundadores.