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“Há uma oportunidade para as empresas farmacêuticas se posicionarem no mercado de healthtechs”

Priscilla Santos - 16 maio 2019
Marco Billi, gerente de corporate venture e novos negócios da Eurofarma (crédito: divulgação/Régis Filho)
Priscilla Santos - 16 maio 2019
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Primeira multinacional farmacêutica de capital 100% brasileiro, a Eurofarma, fundada em 1972, tem operação própria em 20 países e registrou R$ 4,3 bilhões em vendas em 2018. Neto do fundador e filho do atual presidente da companhia, Marco Billi, 29, assumiu em agosto de 2017 como gerente de corporate venture e novos negócios. Uma de suas missões é consolidar internamente a ideia de que a inovação pode e deve ir muito além da busca por novos medicamentos capazes de gerar patentes milionárias.

Duas iniciativas indicam como a empresa pretende trilhar esse caminho. Com inscrições até 31 de maio, a primeira edição do EmergeLabs Eurofarma (versão customizada de um programa de mentoria para cientistas-empreendedores criado dentro da USP) irá selecionar até 16 projetos de estudantes e pesquisadores acadêmicos da América Latina, visando levar seus trabalhos da bancada do laboratório para o mercado.

A outra frente é o Synapsis, uma aceleração em parceria com a Endeavor para negócios em fase de scale-up (as inscrições vão até 21 de junho). O foco não se limita a soluções pensadas diretamente para o setor de saúde, como mostra o perfil de três selecionadas da edição passada que depois fecharam contratos com a Eurofarma: Gupy (recrutamento com uso de Inteligência Artificial), Plataforma Verde (sistema online de gerenciamento de resíduos) e Lean Survey (pesquisa de mercado via aplicativo).

A seguir, Marco conta um pouco sobre os dois programas, comenta o cenário mundial de healthtechs e fala sobre os desafios para inovar em uma indústria tradicional.

 

Você é um dos herdeiros da Eurofarma, mas escolheu trabalhar antes em outras empresas. Por quê?
Trabalhei quatro anos e meio no mercado financeiro. A decisão de começar fora foi natural. Fazia sentido ver como outras empresas trabalham, ganhar bagagem. Nosso mercado é muito fechadinho, todo mundo acaba indo de uma farmacêutica para outra. O lado bom de qualquer pessoa que venha de fora do setor é trazer ideias novas.

A Eurofarma está com inscrições abertas para o programa Synapsis. Na chamada, a empresa diz buscar scale-ups que queiram fazer parte da “transformação do setor da saúde”. Que transformação seria essa?
Há muitas tecnologias surgindo no setor: AI, robótica, telemedicina, big data. O que está por trás da maioria delas é melhorar a experiência do usuário final: o paciente. Tem essa questão do indivíduo ganhando mais poder na tomada de decisão, inclusive sobre a própria saúde. A transformação no setor também passa por formas de tratar doenças com terapia digital.

Em alguns casos pode-se aliar um tratamento tradicional com medicamento a um acompanhamento digital, por app ou plataforma, que gera insights para o médico. São novas formas de relacionamento médico-paciente, que geram mais engajamento e adesão aos tratamentos

Existem casos em que o tratamento tradicional é inclusive suprimido. Nos Estados Unidos há um app que vem com termômetro para a mulher saber quando está no período fértil. É um contraceptivo digital aprovado pelo FDA [de forma inédita, o aplicativo sueco Natural Cycles teve autorização do Food and Drug Administration, órgão do governo americano, como alternativa para prevenir a gravidez]. Então, muitas dessas tecnologias vêm como aliadas, para potencializar e tornar o tratamento tradicional mais eficaz. E algumas outras, sim, para ameaçar um mercado estabilizado, caso do contraceptivo.

Inovação na indústria farmacêutica faz pensar em medicamentos revolucionários. Mas, olhando as soluções buscadas pelo Synapsis, a empresa parece estar atrás de big data, análise preditiva, automatização de processos. É por aí mesmo?
A estratégia da nossa área de Corporate Venture é dividida em três pilares. Um deles objetiva acelerar negócios em fase de scale-up, do qual faz parte o Synapsis. Outro mira a criação de um fundo de venture capital, que deve ser lançado ainda esse ano, para investimento em startups ligadas à saúde. O terceiro visa apoiar a inovação no estágio inicial, por exemplo, projetos de pesquisa científica que ainda estão na bancada, transformando-os em negócios – pilar do qual faz parte o programa EmergeLabs.

Até internamente na companhia existia essa ideia de que inovação é exclusividade da área de Pesquisa e Desenvolvimento [de medicamentos]. De fato esse sempre foi nosso core business, cerca de 6% da receita da empresa vai para desenvolvimento de novas moléculas e terapias.

Mas inovação não é só descobrir um novo produto. [Inovação] faz parte do nosso dia a dia, da forma como trabalho, busco soluções. Entendemos que já existem tecnologias fora da Eurofarma que poderiam nos beneficiar. Desde a área de operações – como ser mais eficiente, ter menos perdas, uma logística melhor – até como chegar em novas formas de relacionamento médico-paciente.

Das empresas participantes do programa em 2018 que fecharam contrato com a Eurofarma, nenhuma é da área de saúde. Que projetos foram desenvolvidos?
Na primeira edição do Synapsis selecionamos 12 startups em diferentes áreas e fizemos projetos piloto com nove delas. Em alguns casos, simplesmente conectamos a tecnologia oferecida pela startup na nossa estrutura. Mas também houve projetos construídos a quatro mãos, como com a Lean Survey, startup de pesquisa de mercado que tem 13 mil entrevistadores no Brasil que fazem entrevistas usando um aplicativo de celular. Quando a trouxemos para o programa, pensamos: como criar um projeto diferente na empresa?

Hoje temos um foco, na área de P&D, na chamada inovação incremental, que não é a descoberta de novas moléculas, mas sim novas combinações desses elementos, muitas vezes pegando moléculas que hoje estão em produtos separados e combinando-as em um mesmo produto

Resolvemos, então, escutar dermatologistas para saber o que estavam prescrevendo combinado, o que viam necessidade inclusive de manipular porque não tinha no mercado.

O objetivo era ouvir os médicos para entender o que teria potencial de desenvolvimento nessa área de inovação incremental. Para isso usamos a tecnologia da Lean Survey. A plataforma foi licenciada para nossos propagandistas [representantes de venda que vão aos consultórios apresentar medicamentos]. Em conjunto, fizemos um questionário e, depois, a startup fez a análise de dados — tudo automatizado.

Com base nesse projeto, a Lean Survey passou a poder oferecer isso [a opção de licenciar o sistema para funcionários da empresa fazerem a pesquisa, em vez de usar somente pesquisadores da Lean Survey] para outras empresas, virou um modelo de negócios para eles.

Como você vê o cenário de healthtechs no Brasil e no mundo?
Vejo como oportunidade de crescer junto com essas empresas, fazer parcerias, co-desenvolvimento de novas tecnologias. Hoje tem muita empresa de healthtech nascendo. E por quê? O sonho do pessoal que está criando seus negócios é ter impacto na vida das pessoas, na sociedade. E o setor de saúde tem um poder de impacto muito alto. Outro motivo é que existe muita ineficiência nesse setor. Há diversos agentes reguladores e players – hospitais, farmácias, laboratórios de diagnóstico, planos de saúde – e, com isso, uma quantidade gigantesca de dados desestruturados que precisam ser organizados.

A empresa de telemedicina Ro oferece consultas com médicos por meio de vídeo e prescrição digital de medicamentos, enviados por uma rede de farmácias própria. Assim, fechou completamente o ciclo de venda. A Eurofarma almeja algo parecido?
A Ro é uma empresa incrível, de fato. Há também a Hims, nos Estados Unidos. Ambas se posicionaram em mercados de nicho. No caso da Hims, saúde do cabelo, pele e disfunção sexual [a Ro, por sua vez, já lançou pacotes para tratamento personalizado de menopausa, disfunção erétil e tabagismo]. Essas empresas fazem marketing com geração de conteúdo sobre esses temas — o usuário que se identifica entra no site deles e tem contato médico via telemedicina. O próprio médico faz a prescrição online, que vai para uma farmácia que manda esse produto para o paciente com embalagem da própria Hims. O medicamento é comprado de uma indústria farmacêutica e, no fundo, o usuário final não sabe quem o produziu. No Brasil, como empresa farmacêutica, não posso vender direto para o usuário final. Mas estou interessado nessas tecnologias, uma parceria com uma empresa dessas faria sentido.

Além das startups de saúde, gigantes de tecnologia estão de olho nesse mercado. A Amazon, por exemplo, planeja tornar a [assistente virtual] Alexa uma concierge de saúde. Isso se reflete na corrida da indústria farmacêutica rumo à digitalização?
Está todo mundo se mexendo para atender melhor o cliente. No caso do varejo, não só o farmacêutico, mas como um todo, foi o setor que mais se digitalizou, com e-commerce, por exemplo. Isso independente da vinda da Amazon para o Brasil. Mas [a chegada da Amazon] é sim uma ameaça. É uma gigante, trabalha muito bem. Embora o Brasil tenha suas particularidades, como um setor de saúde super regulado.

Do meu ponto de vista de farmacêutica, vejo muitas empresas de tecnologia – além da Amazon, a Apple e o Google – entrando na área da saúde. Esse é o setor que a holding do Google mais investe hoje. Tem uma oportunidade na mesa das empresas farmacêuticas e de saúde se posicionarem dentro desse mercado de healthtechs, não ficar só sendo dominadas por gigantes de tecnologia. Vejo as farmacêuticas muito focadas na inovação tradicional [em descoberta de novas moléculas], mas quem não se movimentar vai acabar ficando para trás.

Outro programa da Eurofarma com inscrições abertas é o EmergeLabs. Nesse caso, a empresa busca parcerias para o desenvolvimento de medicamentos?
O foco, aí sim, é em descoberta de novas moléculas, ao menos nessa primeira edição.

Um dos principais objetivos com o EmergeLabs é reduzir o gap entre empresas e universidades no Brasil. A ideia é alavancar esses projetos que já existem e tentar torná-los mais atrativos, inclusive para outras farmacêuticas

Quando se trata de “discovery” [descoberta para novos medicamentos], inclusive, as empresas têm essa cabeça de co-desenvolvimento, com investimento em conjunto. Fora do país se veem companhias como Pfizer, Roche, Novartis fazendo isso, o que achamos saudável.

Como você enxerga o desinvestimento do atual governo brasileiro nas pesquisas acadêmicas?
Acho um erro. A educação é um dos setores em que precisamos evoluir, investir mais, aprimorar o que é feito. Não investir de qualquer jeito, mas com base em processos, em análise de retorno. Tirar o pé de inovação não é o caminho ideal.

Em 2018, você apareceu em uma reportagem da revista Exame sobre herdeiros de grandes empresas ligados ao projeto Agenda Brasil do Futuro para debater temas como burocracia e corrupção. Qual é o seu envolvimento atual com política?
Sigo no Agenda Brasil do Futuro. Dedico um pouco do meu tempo para propor modelos de gestão mais eficientes dentro da política. Um dos projetos mais emblemáticos é a proposta para tentar tornar o processo de cargos comissionados o mais profissional possível. É um trabalho voluntário com uma rede de pessoas bem conectadas. Tínhamos feito um curso juntos e saímos de lá motivados a fazer um pouco mais pelo país. Mas é algo totalmente paralelo, a pretensão não é ir para a política [partidária].

Falando em trabalho voluntário, você teve uma experiência na África. Como foi?
Estava no último ano da faculdade, em 2012, quando fiz um trabalho voluntário de um mês na Tanzânia. Fomos eu e uma prima, trabalhamos em uma escola pública dando aula de matemática, inglês, geografia, do que tivesse demanda. À tarde, trabalhávamos numa casa de reabilitação para usuários de drogas. Fazíamos atividades recreativas, como jogar cartas. Eu também dava aulas de espanhol. O intuito era proporcionar um passatempo para os pacientes.

No geral, grandes empresas tendem a ser conservadoras, para preservar aquilo que já conquistaram. Como abrir caminho para a inovação num ambiente assim?
Propor mudanças em uma estratégia que se provou vencedora é muito difícil. Nos últimos 15 anos temos crescido a uma taxa média de 17% ao ano. Então é complicado falar “agora vamos fazer diferente isso daqui”, porque é o velho ditado: em time que está ganhando não se mexe. Mas as pessoas estão sendo receptivas.

Todo mundo entendeu que cada vez mais surgem novas tecnologias que podem sim ser uma ameaça para o nosso modelo de negócios. E nossa visão é: como podemos trabalhar juntos para ter um cenário melhor?

Como podemos ser vanguardistas nessas mudanças tecnológicas que estão surgindo e ajudar inclusive esse ecossistema a se desenvolver? Não é tarefa fácil, mas o pessoal está cada vez mais disposto a ajudar essas startups aqui dentro.

 

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