Quando a corretora de imóveis Thaís Feitosa recebeu em seu celular uma notificação avisando que o aplicativo Hand Talk estava disponível para Android, rapidamente ela instalou o serviço em seu smartphone e correu para o supermercado. Queria encontrar logo a embaladora e amiga Lenice Gonçalves. Até aquele dia, as duas se comunicavam apenas fazendo coraçãozinho com as mãos. A partir dali, a conversa pôde evoluir muito mais e elas finalmente passaram a ser comunicar fluentemente.
A tal conversa só aconteceu graças a um simpático rapaz magrela, de cabeça e mãos grandes, braços compridos e um rosto muito expressivo. Seu nome é Hugo: um avatar em animação 3D, criado pela startup alagoana, capaz de traduzir em tempo real qualquer conteúdo dito em português para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Lenice agora podia dizer algo para Hugo, que prontamente traduzia tudo para Thaís.
O intérprete virtual também pode ser encontrado em alguns totens de eventos com o software especial da Hand Talk (como o deste shopping em Fortaleza), ou ainda nos mais de 1 000 sites que já aceitaram utilizar o plugin da empresa. Em todos os casos, Hugo faz o mesmo: traduz um conteúdo dito ou escrito em português para a Libras.
No mundo, estima-se que o número de pessoas com deficiência auditiva ultrapasse a casa dos 200 milhões. No Brasil, de acordo com o Censo de 2010, existem quase 10 milhões de pessoas com algum tipo de problema auditivo. Destas, aproximadamente 70% não foram completamente alfabetizadas em português e dependem exclusivamente da Libras para se comunicar. É para elas, e para quem está perto delas, que a Hand Talk foi criada.
TAREFA DO DIA: INVENTAR UM PRODUTO INOVADOR
A história da empresa começa há aproximadamente sete anos, em Maceió (AL), quando Ronaldo Tenório estava na faculdade de publicidade e um professor pediu para que os alunos desenvolvessem um produto inovador. Interessado no mercado de acessibilidade, o estudante percebeu que existiam muitos serviços para cegos, mas poucos para surdos – foi quando desenhou os primeiros rascunhos do negócio.
A ideia, na época, era apenas fazer o trabalho universitário e Ronaldo não voltaria a pensar no assunto nos próximos cinco anos, pois se dedicava a uma agência de publicidade, fundada antes mesmo de se formar. O colega dele, Carlos Wanderlan, também tinha um negócio, uma agência focada em programação. Certo dia, Carlos foi fazer um curso de desenvolvimento de aplicativos em Belo Horizonte e voltou à Maceió com vontade de colocar o conhecimento em prática. Foi quando Ronaldo lembrou-se do projeto de faculdade e resolveu propor um teste para o amigo.
Em quatro dias, Ronaldo e Carlos desenharam um protótipo do que seria o app. Eles não tinham uma animação para colocar as traduções em prática, mas o caminho já estava mapeado na cabeça deles. Percebendo que a ideia poderia finalmente ser viável e se tornar um negócio, os dois criaram uma sociedade e chamaram Thadeu Luz, especialista em animação, para dar vida àquela ideia e tornar-se o terceiro sócio. Nascia a Hand Talk.
Pouco tempo depois, o investidor João Kepler organizou o primeiro Demo Day (uma espécie de apresentação de startups em busca de recursos) em Maceió. A equipe, interessada em testar a receptividade da ideia, se inscreveu no evento apenas com o protótipo. Para a surpresa de todos, saíram de lá com 170 mil reais em investimentos anjos.
Dali para a frente, muita coisa começou a mudar. Já com o aporte, os três empreendedores largaram suas carreiras e passaram a se dedicar integralmente à nova empresa. Continuaram a desenvolver o produto até que, em 2013, foram uma das 10 startups selecionadas para serem aceleradas pela Artemisia, focada em negócios sociais.
“Esse processo foi muito rico para nós. Tivemos muitos mentores, empreendedores e pessoas trabalhando com a gente. Saímos de Alagoas e participamos de vários eventos ao redor do país. Foi um processo esclarecedor em vários pontos de vista, principalmente para entendermos que um negócio social não é uma ONG: ele tem que ser sustentável, ter escala e receita para crescer e aumentar seu impacto”, conta Carlos, que hoje atende como CTO da empresa (Ronaldo é CEO e Thadeu é COO).
Quando estavam quase no final do processo de aceleração, resolveram participar de um outro concurso: o WSA Mobile 2013, promovido pela ONU, que procurava os melhores negócios sociais ao redor do planeta. A Hand Talk foi um dos dois projetos a representarem o Brasil em um evento realizado em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Competiram com empresas do mundo inteiro e terminaram como um dos oito premiados, vencedores da categoria “Inclusão Social”.
O reconhecimento como um dos melhores negócios sociais do planeta pela ONU coincidiu com a época do lançamento oficial do aplicativo de tradução para smartphones. De lá para cá, o serviço já foi baixado mais de 260 mil vezes. Segundo Carlos, o aplicativo tem mais de 40 mil usuários ativos mensalmente.
Ele estima que, somando o plugin tradutor de sites, os softwares de tradução em totens, o aplicativo e outros serviços que a startup presta, o número de pessoas impactadas pela Hand Talk já ultrapasse 1,5 milhão.
DO YOU SPEAK LIBRAS?
Quando paramos para pensar nas 200 milhões de pessoas com problemas auditivos no mundo todo é que percebemos o verdadeiro potencial desse mercado, como Carlos explica:
“Existem mais de 200 línguas para surdos-mudos. A Libras é apenas a brasileira, mas cada país tem a sua”
E ele pensa grande: quer que a Hand Talk seja capaz de atender a cada uma dessas pessoas, transformando Hugo em um tradutor expert em múltiplos idiomas. A maior dificuldade para a globalização da empresa, porém, está em achar funcionários locais que não só ajudem a tocar o negócio naquele país, mas principalmente que consigam fazer traduções fidedignas para os novos idiomas – sejam eles verbais ou em sinais.
Abraçar o mundo é um missão e tanto, mas até as Paraolimpíadas, em 2016, os sócios querem que a Hand Talk já esteja funcionando em três ou quatro países além do Brasil. Para alavancar os projetos de internacionalização, eles deverão procurar mais investimentos em 2015. Mas, no que a empresa se propôs, já está indo bem. Em fevereiro do próximo ano a Hand Talk, que já teve mais de 600 mil reais em investimento, deverá alcançar seu break even.
Uma vez que o aplicativo é gratuito, a maior fonte de monetização da empresa vem dos serviços customizados, como os softwares para totens ou o plugin tradutor de sites, que funciona em um modelo freemium: os donos das páginas podem usar o plugin gratuitamente, mas começam a pagar certas quantias de acordo com o número de leitores que solicitarem o uso do serviço.
A Hand Talk ainda tem um concorrente direto: a ProDeaf, acelerada pela Wayra. No entanto, segundo Carlos, isso não é um problema.
“Sinceramente, nos preocupamos mais com nosso trabalho, em melhorar nosso produto, do que em olhar a concorrência, mesmo porque tem mercado para todo mundo no Brasil. Quem se beneficia com isso é a comunidade surda”
Todas as semanas, Ronaldo, Thadeu e Carlos acessam a área de feedbacks do aplicativo para darem uma olhada não só nas sugestões, mas várias histórias inspiradoras e mensagens de agradecimento que recebem. “Outro dia, uma moça perguntou qual era o smartphone Android mais barato que rodava nosso serviço porque ela queria comprar seis ou sete aparelhos e distribuir para a família, para que pudessem se comunicar com a filha dela”, conta Carlos.
As histórias mais marcantes são selecionadas e colocadas em um quadro no escritório da Hand Talk para que cada um dos 11 funcionários (contando os três sócios) possa estar em contato todos os dias com o impacto que estão causando na vida das pessoas. Um impacto difícil de medir, mas que Carlos pode sentir em sua percepção sobre o trabalho e seus benefícios.
“Hoje, trabalho três vezes mais do que em qualquer coisa que tenha feito na minha carreira, mas não parece. Em termos de salário, todo empreendedor sabe que no início é uma luta. Mas, se eu for somar o benefício de vida aos meus ganhos materiais, posso dizer que nos tornamos milionários”
Jéssica Cardoso sofreu preconceito ao oferecer seu trabalho de intérprete de Libras como autônoma. Ela então decidiu criar uma rede de profissionais negras para tornar eventos e empresas mais acessíveis e lutar contra o racismo estrutural.
Sem rodeios, Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), diz que é preciso que negociadores entreguem um “trem-bala” para ação climática.