Inovação e parcerias com startups: é assim que, aos 92 anos, o Grupo Fleury realiza diagnósticos mais precisos

Marina Audi - 13 dez 2018
Jeane Tsutsui conta como a empresa consegue lançar cerca de 100 novos tipos de exames por ano. conta como, após reestruturar sua gestão, investir em pesquisa e cocriação, a empresa consegue lançar cerca de 100 novos tipos de exames diagnósticos por ano.
Marina Audi - 13 dez 2018
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Grupo Fleury, empresa de medicina diagnóstica de capital aberto (fez IPO em 2009) que atua na área de saúde suplementar no Brasil, realiza 69 milhões de exames por ano. Criado há 92 anos na cidade de São Paulo, a marca se expandiu para sete estados e o Distrito Federal por meio de bandeiras como a+ Medicina Diagnóstica, Clínica Felippe Mattoso e Labs a+. A empresa fechou 2017 com receita bruta de 2,6 bilhões de reais e investiu 295,6 milhões no acumulado do ano passado. Dentro deste valor está apostar em profissionais como Jeane Tsutsui, responsável pela inovação no grupo.

Jeane é diretora executiva de negócios da marca e combina visão executiva com experiência e rigor científico. Graduada em Medicina pela USP Ribeirão Preto, tem pós-doutorado em Cardiologia pela Universidade de Nebraska e MBA em Conhecimento, Inovação e Tecnologia pela FIA, Jeane está no Fleury desde 2001 — e é a única mulher no quadro de oito diretores executivos. Começou como médica especialista em ecocardiografia e foi galgando degraus. Sobre as iniciativas tocadas pelo grupo, ela afirma:

“A saúde tende a ficar cada vez mais cara, por isso trabalhamos com tecnologia e inovação para equilibrar o sistema como um todo”

Em 2007, a executiva foi convidada a estruturar o departamento de P&D da empresa e tornou-se a primeira gerente da área. “Eu só organizei as coisas, porque inovação a gente sempre fez. Quando estruturamos P&D, separamos uma área física com equipamentos e pessoas dedicadas para otimizar processos e poder captar financiamento público por meio da Finep”, conta.

Em 2012, após o MBA, migrou de vez para carreira de gestão e tornou-se diretora executiva de P&D. Em 2018, quando assumiu o atual cargo, recebeu um desafio: consolidar o Fleury como uma plataforma de novos negócios em saúde para cuidado integrado do indivíduo.

NÃO BASTA CRESCER, É PRECISO IMPLEMENTAR E SISTEMATIZAR AS INOVAÇÕES

Como o segundo maior grupo de exames diagnósticos do Brasil, o Fleury almeja o topo. A Dasa, dona das marcas Delboni Auriemo e Alta, é seu concorrente direto. Mas não basta crescer. Além das aquisições, iniciativas de inovação são a base de uma estratégia traçada em 2007, que inclui: a organização do departamento de P&D (33 pessoas); a criação da área de inovação (20 pessoas e mais 2 mil médicos envolvidos), para inovar em serviços, meio digital e fazer inovação aberta; e a de chamadas de pesquisa aplicada e do Prêmio Fleury de Inovação (PIF), que encerrou sua quarta edição este mês.

Além disso, o Fleury viabilizou parcerias com universidades, projetos de desenvolvimento com 20 startups (entre elas as brasileiras CognitivoAI, ProntmedMemed, a finlandesa Combinostics e as israelenses Exalenz , Tytocare , Aidoc e Dario Health), o lançamento de um teste em parceria com IBM Watson Health (área que desenvolve aplicações de AI para saúde) e investimento na plataforma de equity crowdfunding israelense OurCrowd, criada para impulsionar startups em estágio inicial a desenvolverem inteligência artificial, diagnóstico remoto e segurança de dados. Tudo isso foi possível, na visão de Jeane, porque o grupo reestruturou sua gestão: “Percebemos que, com tudo misturado e sendo feito no meio da rotina, não conseguíamos medir quantos projetos de pesquisa existiam, quantos produtos eram lançados, nem se o processo estava otimizado” Ela continua:

“Quando separamos as áreas de P&D e inovação, vimos com mais clareza toda a riqueza que tínhamos”

Essa sistematização possibilitou que, entre 2013 e 2017, fossem implantados 601 novos produtos — entenda-se novos testes, alterações de metodologia e internalização de exames em medicina laboratorial e centro diagnóstico.

Área de P&D, onde trabalham 42 pessoas, fica na sede do Grupo Fleury, no bairro do Jabaquara, em São Paulo.

Entre os exemplos de inovação do que já é realidade nas unidades do grupo, a executiva indica o TOT – Teste de Origem Tumoral, disponível desde novembro de 2017, que usa um algoritmo de inteligência artificial para fazer análise genômica e classificar a provável origem de um tumor (o que facilita o tratamento). Desenvolvido e patenteado em parceria com a Onkos (startup brasileira dedicada ao desenvolvimento de diagnósticos moleculares para Oncologia) e a Universidade Federal do Maranhão, esse produto surgiu de uma chamada de pesquisa feita em 2011 e foi validado no Hospital de Câncer de Barretos, onde havia muitos pacientes com tumores de origem desconhecida.

Há vários outros testes em neurologia e diagnóstico não-invasivo no pipeline de pesquisa. Todos correm em sigilo, mas há um sobre o qual a executiva pode falar. Trata-se do projeto desenvolvido em parceria com outra startup brasileira, a DataH, que pretende usar AI para detectar pneumonia via imagem de Raio X. “Nossa parte de radiologia, imagem e diagnóstico é muito forte. Fizemos a parceria pensando na possibilidade de detecção automática de padrões. Na área de radiologia, há muito desenvolvimento aberto, em que você faz o upload de imagens, o algoritmo reconhece um padrão e aquilo fica disponível. Não temos problema em compartilhar conhecimento, mas ainda não temos definição de como procederemos em todos os casos de cocriação”, diz.

QUANDO O BARATO SAI CARO E VICE-VERSA

Uma dificuldade com a qual o Fleury lida, já há alguns anos, é o questionamento das operadoras de saúde sobre colocar no mercado testes novos e com preços altos. Jeane afirma: “Nós argumentamos que o benefício, sob o ponto de vista econômico, também impacta toda a cadeia de saúde”. Ela ainda diz:

“Dar o tratamento certo para o paciente certo é o nosso objetivo, como diagnóstico. Isso é medicina de precisão”

Um exemplo do que ela fala é o teste Oncofoco que objetiva sequenciar o genoma em casos complexos de pacientes com câncer e que não respondem ao tratamento. O teste está disponível desde o começo de 2018, mas levou dois anos de desenvolvimento e validação. Internamente, foram desenvolvidos na área de P&D: um painel que sequencia o genoma e identifica os pontos de mutação e uma plataforma de bioinformática que seleciona as mutações. Esses resultados são colocados no Watson for Genomics e cruzados com um banco de dados internacional.

Teste genômico desenvolvido no Fleury por meio da AI da IBM.

A AI da IBM organiza as informações e devolve insights sobre quais medicamentos provavelmente respondem às mutações indicadas. “Se fizéssemos isso sem o Watson, levaria muito tempo. Mas se não houvesse os dados de sequenciamento e a plataforma de bioinformática que entrega os dados para a AI, o Watson não faria nada. Isso só foi possível porque antes disso, em 2015, compramos sequenciadores de nova geração e formamos uma equipe de profissionais especialistas”, conta Jeane.

O teste Oncofoco Ampliado, que avalia 366 genes, custa 8.000 reais. O Oncofoco Simples, que avalia 72 genes custa 5.200 reais. É o médico quem determina qual exame será feito, com base no quadro clínico. Existem testes semelhantes no mercado como, por exemplo, o Foundation One, desenvolvido fora do Brasil. Neste caso, o material genético é colhido aqui e mandado para o exterior para sequenciamento e análise.

PARA ONDE APONTA O SETOR DA SAÚDE DIAGNÓSTICA?

O Grupo Fleury atua no setor privado, isso é fato. Mas há dois meses, uma parceria com o Hospital Pérola Byington, especializado em oncologia genital e mamária, levou um teste caro, o Oncotype DX, para avaliar alterações de mutações a pacientes com câncer de mama do sistema público a fim de definir a real necessidade de uso de quimioterapia em mulheres com risco intermediário de recidiva. O produto foi desenvolvido por uma empresa americana, a Genomic Health, com a qual o Fleury tem uma parceria desde 2015.

No total, o exame será testado em 600 mulheres. Até agora, 44 pacientes foram analisadas e houve mudança de conduta em 70% dos casos. Duas pacientes tiveram indicação de fazer quimioterapia e 29 tiveram indicação de fazer hormonioterapia. Reduzir a fila de espera para quimioterapia em um hospital estadual é, certamente, um ótimo indicador de economia de recurso público.

Outro destaque, conta Jeane, é a plataforma Fleury Genômica, um e-commerce de testes genéticos nas diferentes especialidades disponível para todo o Brasil. Por exemplo, uma pessoa do Acre faz o upload do pedido médico. A depender do teste, o Fleury manda um kit para a própria pessoa colher o DNA e enviar de volta. O resultado é processado na central, em São Paulo, e o laudo é emitido, sem que o paciente precise se deslocar. A executiva conta: “Também disponibilizamos no site todo o conhecimento, que é muito novo, sobre os testes genômicos. Quando sai o resultado do exame, nós ligamos para nosso colega de profissão para discutir o resultado. Nossa missão é fazer com que o médico tenha a melhor conduta a partir do resultado”.

Ela complementa: “Claro que existem projetos que são puro estado da arte e aqueles que são boas oportunidades. Mas não fazemos projetos só para baixar custos”. A mais recente iniciativa na área de inovação digital do grupo é a Recepção Digital, ou check-in digital, usado pelos clientes na chegada às unidades. O sistema está em fase inicial de implantação na marca a+ e visa melhorar a experiência do paciente, que não perde mais tempo em fila para abertura de ficha e é atendido mais rapidamente.

A reportagem visitou a área de processamento de exames e também a de pesquisa. A quantidade de máquinas modernas, lâminas e tubos de exame era atordoante! Não foi possível, no entanto, ver a área de impressão 3D. Com essas máquinas, um cirurgião pode solicitar que uma imagem de tomografia seja transformada em um órgão tridimensional para que ele planeje uma operação e otimize o tempo no centro cirúrgico ou ensine uma turma de estudantes. Coisas que tempos atrás pareceriam cenas de filme de ficção científica norte-americano, mas que já são realidade aqui no Brasil e estão tornando a medicina diagnóstica cada vez mais precisa.

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