Você já parou para pensar que a humanidade inteira vive, em 2020, uma chance inédita de reavaliar como gasta seu tempo?
Passado o susto inicial, mais acostumados a aceitar as incertezas e o descontrole, algumas perguntas se tornaram urgentes: com quem queremos estar quando o isolamento social acabar? Fazendo o quê? Onde?
Nunca pensei que ficar trancada em casa poderia me abrir tanto os horizontes. Perceber o que é essencial e, como uma criança, brincar de imaginar o futuro
O que, aliás, tem sido o foco do meu trabalho nos últimos anos como jornalista especializada em inovação. Já explico melhor isto.
Primeiro veio a falta de liberdade de ir e vir, que nos trancou em casa. Depois, o entendimento de que já é possível estar em qualquer lugar para trabalhar.
O home office virou o road-office. Como canta Cartola, “quero assistir ao sol nascer, ver as águas do rio correr, ouvir os pássaros cantar”… Basta uma boa conexão.
E, para mim, esse é o principal. Mas muito além do Wi-fi ou do 4G, eu tenho me perguntado quais são as conexões que realmente importam?
DE JORNALISTA À EMPREENDEDORA, OU COMO SE ACOSTUMAR A RECEBER “NÃOS”
As minhas histórias sempre tiveram o outro como protagonista. Adoro ouvir relatos de quem se destaca na multidão por um feito, um talento ou uma invenção.
Me interesso pela faísca que precede a criação. Seja uma música, um aplicativo ou qualquer solução que surpreenda e possa inspirar ou melhorar a vida das pessoas.
Foi assim que me aproximei dos empreendedores. Foi assim que virei empreendedora e, depois de 15 anos como repórter e apresentadora na TV, criei minha própria agência de conteúdo, a Prosa Press.
Mais liberdade, menos estabilidade. Mais responsabilidade, menos glamour. Mais riscos, menos certezas. Mais autonomia, menos vaidade. Mais parcerias, menos competição. Mais não do que sim
Ter um negócio é aprender a surfar os altos e baixos de cada momento, usando a correnteza a favor (ou contrária) para se antecipar e se adaptar rápido às mudanças.
MINHA TRAJETÓRIA EMPREENDEDORA SEMPRE ESTEVE LIGADA À MATERNIDADE
Abri a minha empresa por causa de um projeto que virou uma coprodução com o programa Fantástico, da Rede Globo.
Foi um reality show sobre empreendedorismo materno. Era um fenômeno mundial que crescia também no Brasil, levando mulheres a abandonarem empregos e até cargos importantes em grandes corporações para empreender e ficar mais perto da família.
Doce ilusão! Os desafios de criar um negócio do zero são enormes. Eu brinco que é como ter mais um filho para criar que exige atenção 24 horas por dia.
MEU NEGÓCIO NÃO TINHA ESCRITÓRIO BEM ANTES DO HOME OFFICE SER MODINHA
Gravando a série, eu aproveitava as dicas dos especialistas do Sebrae e da Endeavor para mim. Afinal, eu era uma jornalista administrando uma empresa. Minhas planilhas eram feitas no Word (até que meu irmão virou meu sócio dois anos depois e organizou tudo…ufa!).
Na época, pedi demissão de um ótimo emprego para apostar na minha empresa, que até então se resumia a um único projeto. Nem escritório tinha!
Eu me lembro que antes de assinar o contrato com a Globo, o coordenador de projetos especiais do Fantástico me ligou dizendo que estava em São Paulo e queria visitar a minha produtora.
Gaguejei e disse: “Hoje? Ahhh (pensa rápido)… Puxa! (e inventei): Estou gravando uma entrevista com uma Chef de cozinha. Você não quer me encontrar no restaurante dela e aí a gente almoça e conversa?” Ele topou!
Eu já era muito amiga da chef Ana Luiza Trajano que tinha um restaurante incrível de comida brasileira nos Jardins, em São Paulo. Liguei para ela e expliquei o que tinha acontecido. Ela disse: “Vem pra cá que vou te ajudar a impressioná-lo”. Dito e feito!
Entre uma garfada e outra, contei toda a verdade. Ele achou moderna a ideia de home office e, satisfeito com o almoço, não me mandou plantar batatas. Muito pelo contrário: criou um modelo de negócio para acomodar as potencialidades (e fragilidades) da situação.
DE REALITY SHOW A LIVRO, VI MEU TRABALHO ABRINDO PORTAS PARA NOVOS PROJETOS
O reality foi no melhor estilo “work hard, play hard”. Entrevistamos mais de 200 mães empreendedoras para escolher as três personagens que participaram da série. Acompanhamos seus negócios por seis meses.
A GloboNews também se interessou pelo material. Pediu uma versão para o Mundo S.A. Ganhamos o Grande Prêmio Sebrae de Jornalismo.
Depois a Mara Luquet, a quem fui apresentada por um amigo nos corredores da Globo, sugeriu que a pesquisa virasse um livro e fez a ponte com a Editora Saraiva. Nasceu o livro Minha mãe é um negócio.
Contando assim, parece que foi fácil, mas até realmente fechar cada etapa, tinha muito suor envolvido. Surgia uma oportunidade, eu já começava a trabalhar nela meio no risco, antes de saber se, de fato, iria para frente. Até que percebiam que eu tinha levado a ideia a sério
E assim, um projeto puxava o outro. Eu convidava amigos para participarem de acordo com o perfil de cada trabalho e acumulava muitas funções (como qualquer empreendedor iniciante que cria, executa e vende seus projetos).
QUANDO A “BOLHA” DA MATERNIDADE ESTOUROU, PRECISEI ME REPOSICIONAR
Só comecei a delegar quando minha filha nasceu e a maternidade virou prioridade. Eu também entrei naquela bolha em que só nos importa saber se a criaturinha mamou, dormiu ou fez cocô.
O período coincidiu com uma crise nos patrocínios e no próprio mercado. Produtoras pipocavam em cada esquina com orçamentos cada vez menores e entregas cada vez maiores.
Foi aí que percebemos a necessidade de nos reposicionarmos. Já éramos “nós” nessa época. Lembra o meu irmão que chegou para organizar as planilhas? Virou meu sócio trazendo a experiência de executivo em multinacionais, criando metas, ampliando o time e o pipeline de projetos simultâneos.
A gente se complementa desde então. Ele é o sócio sério e pragmático e eu a mais sonhadora e apaixonada pelo negócio. Um mix equilibrado, que resulta em credibilidade e parceria.
Quando a minha filha foi para a escola e a bolha da maternidade “estourou”, com o olhar descansado e curioso que (re)aprendi a ter, percebi um mundo cheio de novidades.
Eu costumo dizer que nada é mais inovador do que ser mãe. A gente precisa descobrir como criar um filho para o futuro sem ficar obsoleta
E eu me surpreendi com a infinidade de tecnologias que tinham surgido nos últimos tempos: IA, Rede Neural, 5G, robótica, realidade virtual, aumentada, computação afetiva, quântica… Para quem é leigo em bits e bytes, como eu, é como se fôssemos todos crianças descobrindo brinquedinhos novos.
MERGULHEI EM INOVAÇÃO, MAS A PANDEMIA ATRAPALHOU MEUS PLANOS
Encantados, criamos a pesquisa “Viver 4.0” para refletir sobre o impacto das novas tecnologias na rotina das pessoas e no dia a dia das empresas.
O ponto de partida são as fases da vida e todas as nossas ações que estão sendo transformadas, por exemplo, pelo uso contínuo dos smartphones. O celular parece a extensão do nosso braço, mas deveria ser a extensão do nosso cérebro.
Bom, esse mergulho na inovação abriu portas para criarmos conteúdo para grandes empresas e marcas, além de uma coluna de inovação na TV com o mesmo nome da pesquisa.
O tempo voava entre festivais de tecnologia e inovação que eu participava mediando painéis e entrevistando gente para me manter atualizada, até que de repente, a pandemia chegou!
De cara, a coluna saiu do ar na TV. Migrei para o digital com todos os desafios de linguagem e estratégia que esse universo impõe. Ainda estou tentando descobrir como ampliar o alcance organicamente.
Tenho mais perguntas do que respostas. Mas o assunto não é inovação? Então, inova, filha!
ADAPTEI MEU DOC PARA AS REDES SOCIAIS E SIGO CRIANDO
Foi assim que coloquei no ar o projeto Inovar É um Parto, unindo as duas principais vertentes da minha carreira: empreendedorismo feminino e inovação.
Percebi que as empresas mais longevas fundadas por mulheres são as que abraçam a tecnologia para impulsionar resultados e ampliar mercados.
E, em meio à crise não dá para resistir à transformação digital. É preciso abandonar velhos hábitos e se abrir para as novas ferramentas que facilitam a vida e os negócios
Então, a ideia que tinha sido criada para ser um documentário, foi rapidamente adaptada para as redes sociais e o YouTube. Inovar é um parto — e só dói menos quando você descobre quais são as conexões que importam na vida.
Fiz uma lista de fundadoras de startups, influenciadoras digitais e empreendedoras que usam a tecnologia como aliada do sucesso e comecei uma série de entrevistas com convidadas de dar orgulho: Luiza Helena Trajano, Nathália Arcuri, Bia Granja, Vivi Duarte, Ana Claudia Quintana Arantes, Vera Iaconelli, Monica Salmaso, Adriana Barbosa…
Lembra da importância das conexões? Já são dezenas mulheres compartilhando as soluções que criaram para desviar da crise, aproveitar as oportunidades do momento e nos inspirar para criar o nosso próprio futuro. Pivotar sempre fez parte do vocabulário delas. Do meu também. E do seu?
Patricia Travassos é formada em Publicidade pela ESPM e em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Fez especializações em Estratégias disruptivas na Harvard Business School e Exponential Foresight na Singularity University. É fundadora da Prosa Press, palestrante, mediadora de painéis e colunista de inovação.
Criado no interior gaúcho, Alsones Balestrin fez do seu doutorado na França um trampolim para voos mais altos. Foi secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS e hoje capacita empreendedores por meio da edtech Startup Academy.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.
Lettycia Vidal empreendeu a Gestar para combater a violência obstétrica, mas esbarrou na escassez de investimentos em negócios fundados por mulheres. Ela conta o que aprendeu nessa jornada — e fala sobre sua nova etapa profissional.