• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Inovar sempre traz risco, mas em uma obra de infraestrutura qualquer erro pode ser fatal: eis o desafio da Andrade Gutierrez

Leonardo Neiva - 20 out 2022 Inovar sempre trás riscos
André Medina, gerente de inovação da Andrade Gutierrez.
Leonardo Neiva - 20 out 2022
COMPARTILHAR

Inovar e desenvolver tecnologias é importante dentro de qualquer setor, certo? Hoje, esse parece um consenso universalmente aceito. 

Em alguns segmentos, porém, colocar essa ideia em prática não é tão simples assim.

No caso da Andrade Gutierrez, uma das líderes na área de construção pesada no país — especializada em grandes obras estratégicas e de infraestrutura —, há uma série de entraves. 

Para começar, geralmente só quem trabalha com isso conhece as dores do setor, já que boa parte dessas obras acontece em regiões afastadas, bem distante dos olhos do público. 

Outro problema é que raramente há acesso à internet nessas construções, uma falta que praticamente impossibilita a aplicação de determinadas tecnologias em campo.

“O setor de construção é muito tradicional”, diz André Medina, gerente do ainda jovem setor de inovação da empresa. “Não tem como pensar em deixar cair uma ponte ou um prédio, então a inovação em si é um risco.” 

Após identificar a necessidade de inovar para aumentar a produtividade em queda no setor, a Andrade Gutierrez criou em 2018 o Vetor AG, seu programa de inovação aberta. A companhia realiza ciclos de teste com empresas que apresentem soluções para incrementar a eficiência e aliviar as dificuldades em suas diversas frentes.

Nesta semana (na terça, 18), a companhia foi indicada como uma das empresas que mais praticam a inovação aberta no país, segundo o ranking TOP Open Corps 2022. A seguir, em entrevista ao Draft, André Medina fala sobre o trabalho de mudar a cultura do setor, avesso à inovação, e os desafios pela frente.

 

Como surgiu o programa Vetor AG e de que forma ele se conecta à estratégia de inovação da Andrade Gutierrez?
A Andrade começou a trabalhar com o conceito de excelência operacional em 2010 na construção da Arena Amazônica, quando utilizamos uma metodologia de melhoria contínua.

Pitch day do programa Vetor AG.

Em 2017, a empresa entendeu que tinha que dar um novo passo em busca de uma inovação mais disruptiva. Foi aí que fomos atrás da inovação aberta. 

Tínhamos ganhado algumas obras de linha de transmissão [sistema usado para transmitir energia eletromagnética]. Apesar de termos o know-how, nunca fizemos esse tipo de construção. Então fomos buscar no mercado soluções que pudessem nos atender de forma inovadora. 

Lançamos em 2017 o Digital Day, um evento no Google Campus aqui em São Paulo. Foi a primeira iniciativa de inovação aberta da empresa. Num único pitch day, recebemos 20 soluções. A partir daí vimos a necessidade de criar um programa específico para inovação aberta já em 2018 

O Vetor AG foi o primeiro programa do tipo focado no setor de engenharia e construção no Brasil, buscando soluções para serem aplicadas nas obras da Andrade Gutierrez, que pudessem no futuro virar fornecedores. 

Como funciona o programa e que impacto ele teve?
O que fazemos são ciclos anuais pegando soluções promissoras e testando para, se forem validadas, contratar e expandir para outras obras. A partir daí, a empresa resolveu criar uma área específica de inovação. Foi quando entrei de fato para a Andrade Gutierrez. Antes, eu era consultor da área de inovação. 

Desde então, começamos a nos tornar referência no mercado em termos de inovação. Recebemos várias das principais premiações, como o Prêmio Valor de Inovação no setor de engenharia e construção nos anos 2019, 2021 e 2022. Neste ano, fomos considerados a 18ª empresa mais inovadora do país dentre todos os setores

Fora isso, também ganhamos três edições do prêmio Inovainfra, fora a inclusão no 100 Open Startups, onde estamos sempre bem posicionados. 

E no funcionamento interno da empresa, o que mudou desde então?
Tivemos diversos cases. Em 2018, trouxemos sete startups para fazer uma prova de conceito nas nossas obras e contratamos cinco delas. Em 2019, contratamos seis. Nos mantivemos sempre numa média de sete startups por ano vindas pelo ciclo de inovação. 

Além disso, nos conectamos a startups durante o ano inteiro. Então a qualquer momento uma delas pode falar com a gente através do site. A gente verifica se a solução é viável para as obras e setores da empresa. Tendo interesse, fazemos a conexão

Se elas estão mais prontas, a conexão acontece de forma mais rápida. Tendo um risco maior, fazemos uma aceleração com vários testes de conceito para ver se aquilo realmente funciona.

De forma mais detalhada, como acontece esse ciclo anual? Geralmente qual o tempo de duração e todas as fases do processo?
Eles costumam ter duração de um a seis meses, considerando o período de teste. O ciclo começa com o mapeamento dos desafios da empresa. 

Rodamos todas as obras e áreas da Andrade Gutierrez, tentamos entender os desafios e priorizamos os principais, aqueles que fazem mais sentido levar para o mercado para buscar soluções. 

Transformamos os desafios numa linguagem que todos os setores e públicos entendam para que também cheguem soluções de fora do mundo da construção 

A partir de então, lançamos o programa e atraímos essas soluções, divulgando para todo o mercado. No último ciclo, que acabamos de fechar, tivemos 220 inscrições.

A segunda etapa é o pitch day. Fazemos uma pré-seleção entre todas as inscrições e escolhemos 30 para se apresentarem presencialmente na empresa. Dessas, selecionamos sete para fazer o teste piloto nas nossas obras.

A primeira etapa é a minha área de inovação que analisa, porque é um volume muito alto de inscritos. Depois vamos atrás dos especialistas em cada área para que analisem cada um dos desafios. 

Quando uma solução é selecionada, desenhamos um produto que comece no menor escopo possível para mostrar que a solução resolve o nosso desafio. Depois, vamos ampliando e escalando para outras obras

Diferentemente de outros programas do mercado, que já têm uma duração fixa, fazemos caso a caso. Tem solução que precisa de um ano para se desenvolver. Outras, de um mês. Não precisa esperar o mesmo tempo, sabemos que elas são diferentes.

Existem critérios mais gerais na hora dessa escolha? Que tipo de soluções e empresas costumam ser selecionadas?
Pegamos desde soluções iniciantes, sem um produto validado, até as mais maduras, que já foram validadas em outro mercado, mas têm risco de dar errado no nosso. 

Só não pegamos as que estão ainda no papel. Precisa estar minimamente validada, ter sido testada em laboratório com uma prova de conceito mínima e ter um CNPJ, porque depois vai fazer um contrato de fornecedor com a Andrade. 

Não temos interesse em comprar nenhuma tecnologia ou patente. Nosso objetivo é pagar pelo serviço ou produto da empresa 

Temos soluções específicas para a construção, mas também em áreas de apoio, como jurídico ou compliance.

O ciclo do ano passado teve como foco a engenharia 4.0. Vocês costumam eleger um tema principal todo ano?
Em 2020, quisemos nos posicionar como empresa de engenharia 4.0 como alusão à indústria 4.0, digitalizando a área. 

A engenharia é um dos setores menos industrializados, na frente só da caça e pesca. Ainda é muito analógico – e a gente queria mudar isso 

Nossa ideia era trazer soluções no Vetor AG para potencializar nossos grandes projetos com essa melhoria contínua e a modelagem de informação da construção. 

Nesse ciclo, o tema principal de todos os desafios estava voltado às tecnologias da indústria 4.0, como internet das coisas, inteligência artificial e robotização

Este ano, tivemos RH 4.0, convidando a fazer um setor mais inovador. A cada ano, mapeamos e traçamos os desafios que são prioridades para a empresa. 

Temos também um desafio coringa: se você não integra nenhum deles, mas tem uma solução que pode ser aplicada à Andrade Gutierrez, inscreva-se porque queremos te ouvir. Talvez nem soubéssemos dessa solução, mas ela resolve uma questão importante da empresa. 

Que inovações o programa trouxe para o dia a dia da empresa e dos colaboradores?
Vimos resultados logo no início. No primeiro ciclo, em 2018, tivemos soluções muito interessantes. 

Com a Magnetic Water, um magnetizador de água usado no concreto, tivemos uma economia de 4% nos insumos: cimento, água e aditivos. Usamos na construção da Usina de Belo Monte, com uma economia expressiva. Se tivéssemos essa solução desde o início da obra, teríamos economizado 22 milhões de reais 

Também vieram soluções como lançamento de cabo guia feito por drone. Tradicionalmente, para traçar uma linha de transmissão de uma torre a outra, é preciso desmatar a área entre elas e puxar com um trator, mantendo a vegetação sempre baixa. Com o drone, não precisa. Conseguimos reduzir 80% da supressão vegetal na primeira obra, e hoje usamos para todas. 

Também temos cases de softwares, que parecem menos interessantes, mas para a gente faz muita diferença. 

Em 2018, usamos uma solução da ConstruCode que adaptava projetos impressos para um tablet para fácil leitura. Na construção, pelo contrário, a tendência geral é desenhar os projetos no digital e depois imprimir. Aplicamos a solução digital numa obra e foi muito bem aceita 

Ainda somos muito analógicos, usamos muito papel. Isso também devido às condições, já que são obras de infraestrutura fora dos grandes centros, sem acesso à internet. Muitas vezes construções imensas, então ter conexão é complexo. 

Esse é um dos desafios deste ano: como aproveitar o 5G para potencializar a internet nos nossos canteiros. Isso ainda dificulta aplicar diversas inovações. 

Essa inovação vem impactando a cultura dentro da Andrade Gutierrez?
Mudar o mindset não é de uma hora para outra. Primeiro mostramos que a inovação gera resultado na conta final e agora começamos a trabalhar a cultura na empresa inteira, que quer inovar cada vez mais. Estamos passando por essa virada de chave. 

Algumas das nossas obras querem ser os próximos cases de sucesso, aparecer no boletim e aprender como fazer. Aí nos procuram e damos todo o suporte de tecnologia e busca de soluções em inovação aberta 

Tem também a inovação interna, que é quando o próprio colaborador inova. Acontece direto, só que antes ninguém ficava sabendo. A partir de agora, somos o ponto de contato para espalhar para a empresa inteira, aplicando em todas as obras caso tenha um bom resultado.

Isso vem influenciando o setor da construção de alguma forma?
Fornecedores e clientes veem e ficam com vontade de aplicar em suas empresas. A gente cresce não só no nosso setor, mas afeta toda a cadeia de valor. 

Caminhão não-tripulado em parceria com a Volvo.

O segundo passo é a cultura. O setor de construção é muito tradicional. Não tem como pensar em deixar cair uma ponte ou um prédio, então a inovação em si é um risco. Por isso criamos metodologias para ter o menor risco possível, com um escopo inicial reduzido até garantir que aquilo funcione.

No setor de construção civil predial, tem acontecido de forma mais rápida. No nosso de infraestrutura, ainda é devagar. Somos os pioneiros, mas a OEC, por exemplo, montou uma área específica de inovação. Somos concorrentes, mas também parceiros, porque queremos que o setor evolua. 

Falamos em inovação aberta pensando sempre em startup. Tento quebrar esse mito. É possível inovar com uma grande empresa. 

Tivemos uma parceria com a Volvo para criar um caminhão não tripulado. Era um desafio dos nossos clientes para operações de descondicionamento de barragens. Como são áreas com risco de desabamento, não pode entrar ninguém. Estamos há um ano desenvolvendo esse projeto, construindo o caminhão 4.0 

O setor inteiro acaba se movimentando em prol da inovação e percebe que é possível inovar. A tecnologia não tira emprego, e sim melhora a vida dos trabalhadores. O caminhão não tripulado não elimina o operador, ele só opera à distância, de forma segura. Buscar segurança é nosso objetivo sempre, substituindo o trabalho braçal por máquina.

Hoje quais são os principais desafios para o trabalho do Vetor AG?
Sempre tivemos dificuldade para encontrar soluções no mercado. Na construção predial é mais fácil, você vê os desafios no dia a dia. Em infraestrutura, não. Por isso começamos a falar para as pessoas sobre eles e encontramos cada vez mais soluções mapeadas. 

Outra dificuldade é que nossas obras não são tão escaláveis. Um dia estou construindo uma hidrelétrica e no outro uma ponte. São muito diferentes entre si, então às vezes a solução só é aplicável em um contexto 

Mas, se antes era muito difícil implantar inovação, agora as pessoas sabem que vale a pena testar porque pode trazer um ganho muito grande. Estamos sendo cada vez mais reconhecidos no mercado. Se conseguirmos ter internet disponível, isso deve impulsionar a robotização do setor.

Quais investimentos estão entre os próximos passos da empresa?
Continuamos sendo muito analógicos. Queremos transformar isso em informação estratégica baseada em dados. Ter internet das coisas para prever falhas e fazer manutenção preventiva. 

Essas informações trazem tomadas de decisões cada vez melhores. E também substituir a mão de obra por uma maior produtividade. 

Então o foco é em produtividade para tentarmos nos equiparar ao setor industrial. Estamos cada vez menos produtivos, precisamos acompanhar a indústria 

Não é fácil, é um grande desafio. Mas é esse o nosso objetivo.

COMPARTILHAR

Confira Também: