por Raphael Fassoni
A Estônia tem atraído cada vez mais brasileiros interessados no seu ecossistema de inovação. Atualmente, é o 3º país com maior número de startups per capita. Empresas como TransferWise, Pipedrive, Bolt e Skype foram criadas por aqui.
Pensando nesse potencial e no que os negócios locais têm a ensinar, aproveitei minha experiência vivendo há um ano em Tallinn, capital do país, e empreendi o Estonia Hub para atuar como um construtor de pontes entre o Brasil e a Estônia.
Nosso objetivo é fomentar parcerias e acelerar a desburocratização, a digitalização e a educação por meio de missões de negócios, cuidando da preparação pré-viagem e dando apoio durante e depois da visita.
Já viabilizamos o contato de mais de 500 empreendedores brasileiros com a Estônia, incluindo lideranças dos setores público, privado e terceiro setor. Recentemente, lançamos — de forma pioneira — um modelo de delegação virtual, democratizando o acesso ao ecossistema estoniano.
A seguir, conto como vim parar na Estônia — e o que aprendi nessa jornada.
MESMO SEM SABER FALAR ALEMÃO, BUSQUEI UM INTERCÂMBIO DE ESTUDOS NO PAÍS
Nasci em Marília (SP), em 1990. Aos 16, descobri o curso de Relações Internacionais. Ingressei na UNESP em 2009. Depois, fiz um intercâmbio em Dresden, na Alemanha.
Detalhe: quando decidi ir, eu falava zero de alemão. Assumi o risco de aprender a língua e levantar grana para pagar as aulas.
O começo foi um misto de alegria e nervosismo. No segundo mês, decidi estender minha permanência de um semestre para um ano. Nesse meio tempo, minha mãe teve um câncer diagnosticado. Ainda assim, ela me encorajou a ficar
Eu fiquei. Voltei ao Brasil só em março de 2013. E consegui entrar para o Programa de Novos Talentos da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo.
No programa, você disputa com nove pessoas, por seis meses, para ver quem conquista a maior quantidade de novos associados. O prêmio era um estágio na Alemanha.
Era preciso montar uma lista de prospects do zero, fazer cold calls, passar pelas secretárias, convencer executivos a agendar reuniões, apresentar a Câmara e convencê-los a se associar. Excitante e aterrorizante ao mesmo tempo.
Comecei mal, estava quase em último. Até então, não havia abordado empresas alemãs, estava “guardando” para quando o discurso estivesse afiado.
Esse foi um hack: não ter medo de virar a estratégia de ponta-cabeça. Se a venda estiver muito difícil, provavelmente você está tentando vender para o cliente errado
Depois que peguei o embalo, ninguém me segurou. A campanha terminou com missão cumprida: primeiro lugar!
ENQUANTO TRABALHAVA NA TOTVS, ENCAREI O MAIOR BAQUE DA MINHA VIDA
Assim, embarquei para três meses de estágio na Câmara de Comércio e Indústria em Hannover. Lá, tinha espaço para fazer o que gostava: vender. No caso, vender serviços e projetos a empresas alemãs a fim de entrar no Brasil. Mas o ritmo era menos intenso do que eu gostaria. Era uma instituição pública, com estabilidade no emprego.
Na volta ao Brasil, eis que recebo convite de um colega para uma vaga de vendas na TOTVS. Comecei no fim de janeiro de 2015, já naquela correria de bater meta. Me adaptei e aprendi a lidar com essa pressão. Mandamos bem, entregamos o ano e o time cresceu.
Mas 2016 começou mal. De férias, recebi a notícia do roubo do meu carro (tinha deixado para renovar o seguro na volta…)
E aí, em junho, aos 26, o pior baque da vida: o falecimento da minha mãe.
Tudo entra em perspectiva e adquire novo significado. Decidi ativar a “contagem regressiva” para começar a ir atrás dos meus sonhos. Ficaria um período na empresa e depois viajaria o mundo. Quem sabe morar fora e começar meu negócio
Quando se perde o mais importante, qualquer decisão deixa de parecer assustadora. Tenho usado essa perda em momentos decisivos como uma arma (e não uma fraqueza).
SE UMA IDEIA NÃO PARA DE BORBULHAR DENTRO DE VOCÊ, É HORA DE TESTÁ-LA
Profissionalmente, as coisas iam bem. Na virada para 2017, assumi uma nova equipe, um desafio maior. Depois, fui convidado para ser diretor de uma unidade da empresa.
Mas aquela “contagem regressiva” estava chegando ao fim… Eu sentia borbulhar uma ideia de negócio. Uma consultoria de vendas para startups, com um modelo diferente, sem PPTs, relatórios. Para trabalhar junto com o cliente, na “trincheira”.
Se uma ideia não para de borbulhar, provavelmente é hora de testá-la. Assim nasceu a Co.Sales, em abril de 2018. Minha preocupação era estruturar um modelo de negócio que acomodasse o trabalho remoto, o nomadismo digital
Os primeiros projetos aconteceram. Havia espaço para expandir. “Por que não prestar consultoria para clientes gringos?”
E por que não passar um tempo fora?
Pensei em Califórnia, Londres, Berlim, Estocolmo. E aí lembrei de um pequeno país báltico, no norte da Europa… A Estônia, da qual ouvira falar numa viagem à República Tcheca.
Conversando com meu tio, ele perguntou: “Qual país te oferece maior risco?”. Estônia, eu disse. “Então vá para lá”. E quanto mais eu pesquisava, mais entendia que era o país certo.
AO CHEGAR NA ESTÔNIA, O MAIOR CONTRASTE FOI NO ASPECTO DIGITAL
Era 2018, Copa da Rússia, país que sempre quis conhecer. Decidi: vou, nem que seja sozinho. Fui com um amigo. Em São Petersburgo, na Fanfest, vendo Suécia x Suíça, conheci a minha futura namorada… Que justificaria de vez minha mudança para a Estônia.
Depois da Copa, ainda consegui planejar um período de estudos nos EUA. Harvard, Stanford: mirei alto. Foi bom para ver que o gap é muito mais de ecossistema do que de talento individual. Nós, brasileiros, temos condições de competir em nível global.
De volta ao Brasil, fechei tudo e embarquei para a Estônia.
Nos primeiros dias já foi possível sentir os contrastes. Tallinn, a capital, tem 450 mil habitantes e pode ser cruzada em 10 minutos de carro. A maior diferença, porém, foi no aspecto digital. A Estônia hoje é a mais avançada sociedade digital do planeta
Para entender o país e seu ecossistema de tecnologia, é preciso olhar sua história recente e seu modelo de desenvolvimento econômico, baseado em seis pilares:
Sociedade Civil:
Além das ocupações que sofreu desde 1200, a Estônia foi anexada pela URSS na Segunda Guerra Mundial. Após 50 anos de experiência comunista, readquiriu a independência em 1991 e se encontrou numa situação paradoxal: livre, porém esfacelada, sem recursos e com uma estrutura hiperburocrática.
Um choque de realidade impulsionou a reconstrução do país. Ao se reabrir para o mundo, o governo constatou que a relação do PIB per capita entre Finlândia e Estônia, que era de 1:1 em 1945, saltara para 275:1 em 1991 (lembrando que a Finlândia se manteve independente e com economia de mercado)
Em 2018, o PIB per capita anual da Estônia já chegara a 18 mil euros — um crescimento de 286 vezes em menos de 30 anos!
Vontade política:
A diferença abismal na renda per capita, a sensação de ter “parado no tempo” e o sentimento de identificação nacional e de autodeterminação serviram como força-motriz para a organização da sociedade civil estoniana como base do modelo de desenvolvimento econômico.
Um dos principais movimentos da sociedade civil foi a criação de uma nova — e jovem — classe política (Mart Laar foi eleito premiê em 1992 aos 32 anos), com inclinações liberais e responsável pela nova constituição e pelo redesenho das instituições
Outro fator está relacionado à definição de políticas públicas dentro de um planejamento de médio prazo para as reformas, profundas e necessárias. Independentemente de qual partido estava à frente do governo, sua execução tinha continuidade.
Instituições, leis e políticas públicas:
Quando se fala sobre Estônia e seu governo digital, há um foco demasiado nos aspectos tecnológicos. O importante é entender os elementos — sobretudo analógicos — que viabilizam esta estrutura.
Uma das grandes inovações do país está no aspecto legislativo. Lideranças da Estônia entendem que o arcabouço jurídico criado na década de 1990 para contemplar o uso da internet e serviços eletrônicos foi uma combinação de competência, sorte e falta de opção
Por competência, entenda-se: vocação em ciência e tecnologia e visão estratégica do potencial da internet. Sorte: a oportunidade de definir uma constituição e um aparato público no momento em que a internet surgia. Falta de opção: escassez de recursos para reconstruir a estrutura burocrática tradicional.
Ou seja, em vez de reconstruir essa estrutura (para depois desburocratizá-la e digitalizá-la), a Estônia já renasceu digital e enxuta. Um ditado famoso aqui é: Digitalizar a burocracia é transformar computadores em máquinas de escrever.
Educação:
A Universidade de Tartu, a maior da Estônia, foi fundada em 1632, durante a ocupação sueca. Apesar dos períodos de dominação, verificou-se uma relativa preocupação em investimentos em educação no país.
Hoje, o modelo educacional se baseia no ensino público (básico e superior), igualitário e de excelência. O país figura em 4º no ranking do PISA para ciência, leitura e matemática (sua educação é considerada a melhor do mundo ocidental) e em 1º em alfabetização financeira.
Para o ensino superior, o modelo também gratuito e principalmente com pesquisa aplicada tem acelerado a criação de novas startups. O Skype, por exemplo, foi fundado por alunos de duas universidades estonianas
Há oportunidades para alunos brasileiros interessados em intercâmbio, graduação ou pós-graduação — e para gestores educacionais que queiram conhecer o modelo de ensino básico ou superior da Estônia.
Investimentos e Empreendedorismo:
A estratégia de desenvolvimento regional no período pós-soviético se baseou em parcerias público-privadas, privatizações e atração de investimentos estrangeiros. Foram formados consórcios e iniciativas para, por exemplo, viabilizar acesso à internet em todo o país.
Criou-se um ecossistema favorável ao empreendedorismo, principalmente de tecnologia da informação e comunicação. A abertura de empresas leva em média 3 horas; há incentivos ao crescimento, sobretudo fiscais e de exportação.
Mesmo com 10% de sua população trabalhando em TI, a Estônia abriu suas portas para empreendedores estrangeiros da área de tecnologia. O programa e-Residency permite se tornar um cidadão digital estoniano e gerir uma empresa remotamente. Hoje, são mais de 60 mil e-residents e 10 mil empresas
Outro programa, o Startup Visa, permite que startups estrangeiras se estabeleçam no país para explorar os benefícios do ecossistema local e viabiliza a contratação de profissionais estrangeiros de TI de forma acelerada.
Tecnologia:
O modelo de governo eletrônico do país tem duas soluções fundamentais.
O ID Card é um cartão individual com chip e número único de identificação, usado para todos os acessos a serviços públicos. Obrigatório por lei, é responsável pela autenticação de usuários e serve também como assinatura eletrônica com validade jurídica.
E o X-Road é uma solução open source de troca de informações entre bancos de dados, que permite a comunicação entre setores e repartições.
Combinadas entre si, essas soluções viabilizam a plataforma digital usada pelo governo para implementar e disponibilizar 99% dos serviços públicos da Estônia. A próxima versão da plataforma deverá incorporar inteligência artificial a boa parte dos 2 500 serviços digitais hoje disponíveis
As soluções de tecnologia no setor público aumentaram a exposição internacional da Estônia. E, de forma estratégica, o país “produtizou” essa expertise. Hoje, a Estônia compartilha sua trajetória e suas metodologias com governos interessados em trilhar o caminho da desburocratização, da transformação digital e da construção de uma sociedade da informação.
Raphael Fassoni, 30, é formado em Relações Internacionais pela UNESP e Universidade de Dresden (Alemanha), com especializações em consultoria estratégica em Harvard e liderança em Stanford. Mora em Tallinn (Estônia) e é CEO do Estonia Hub, empresa focada em acelerar a transformação digital e gerar negócios entre Brasil e Estônia.
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