O Mora alugará apartamentos modulares pré-fabricados em São Paulo

Priscilla Santos - 25 dez 2018
Arthur Norgren e Kyle Paul Moran criaram o primeiro edifício modular da empresa em um terreno onde funcionava um estacionamento na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. (foto: Eduardo Lopes).
Priscilla Santos - 25 dez 2018
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Em um terreno de 500 m², onde funcionava um estacionamento, será instalado o primeiro edifício do Mora, empresa que acaba de se lançar no mercado imobiliário de São Paulo. A proposta é fabricar, em processo industrial, apartamentos residenciais modulares de cerca de 20 m², usando aço estrutural reforçado comprado de uma mineradora de nióbio do Brasil, a CBMM, parceira da startup. As unidades serão equipadas com mobiliário e eletrodomésticos básicos: TV, frigobar, cooktop, microondas, armários, cama e sofá, que podem ser abertos e fechados transformando a sala em quarto e vive-versa.

Embora já haja um apartamento pronto no terreno, o prédio ainda não está construído, ou melhor, montado. Está ali apenas o primeiro dos 18 módulos (cada um é um apartamento) que serão colocados lado a lado e empilhados, com ligações por passarelas, escadas e elevadores, formando um edifício de três andares. As unidades tampouco estão à venda. Pertencerão todas à construtora, que vai alugá-las e administrá-las. Não haverá necessidade de fiador ou seguro fiança — a empresa optou por trabalhar na confiança, assumindo eventuais prejuízos.

O contrato será feito por meio de um aplicativo desenvolvido especialmente para o edifício. Quando for entregue, o que deve ocorrer em meados de 2019, concretizará uma história construída a partir das diversas habilidades de seus empreendedores.

DE CONTÊINERES MARÍTIMOS À FABRICAÇÃO DE PRÉDIOS

Arthur Paes Norgren, 34, é engenheiro de produção formado pela USP e trabalhou por uma década em gestão de fundos de investimento, tendo sido sócio fundador de uma companhia da área, a Apoena. Em 2011, ele se lançou nos pré-fabricados, com a fundação da Contain It, empresa de construções modulares e mobiliários para espaços públicos que hoje atua em todo o Brasil, fazendo de estandes para vendas de empreendimentos imobiliários a bares temporários na praia.

Em sua cartela de clientes estão empresas como Itaú, Heineken, Ambev e Visa. “Hoje temos uma fábrica em Vargem Grande Paulista, a 50 quilômetros da capital, mas no começo comprávamos contêineres marítimos que traziam produtos importados da China e, depois, eram deixados aqui, pois para levá-los de volta vazios é o mesmo preço do que transportar cheio”, conta Arthur, que não via sentido em desperdiçar um material em aço resistente à corrosão e ao peso. Ele prossegue:

“Esses contêineres são tão fortes que podem ser empilhados até oito um em cima do outro, cada um com vinte toneladas de carga”

Assim, eles começaram a ser adquiridos e transformados em bares para a Ambev, em ponto de venda de imóveis da Alphaville Urbanismo e em infraestrutura para estádios na Copa e Olimpíadas, por exemplo. Nesse meio tempo, em 2014, a Contain It se embrenhou em um projeto urbanístico que marcou a trajetória de Arthur e abriu espaço para a reflexão sobre os usos da cidade.

O apartamento do Mora já virá mobiliado e com eletrodomésticos como TV, microondas e fogão tipo cooktop (foto: Marcos Caldo).

Junto a um grupo de designers, a empresa trouxe para São Paulo os parklets — extensão das calçadas com bancos no lugar das vagas de carros. “O primeiro foi instalado no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, durante a Design Weekend. Era para ficar lá apenas durante o evento, mas a sociedade civil fez um abaixo assinado e o setor público se dispôs a criar a regulamentação para mantê-lo ali”, diz o empreendedor, que tentou patrocínio para a ação com várias marcas, mas não conseguiu. A Contain It acabou arcando com os custos e desenvolvimento dos mobiliários feitos em madeira para o local.

Trabalhar com o mercado corporativo seguiu sendo um desafio, mesmo com a empresa já bem estabelecida. “Via de regra, são organizações grandes, cada uma funciona de uma maneira e temos que nos moldar a elas para atender. Algo comum são os longos prazos de pagamento. Muitas vezes recebíamos 120 dias após a emissão da nota fiscal, que só era gerada com a construção já pronta.”

Por causa de todos esses trâmites, ele já estava acostumado a levantar capital no mercado de investimentos para viabilizar a construção dos projetos que seriam pagos pelos contratantes bem mais adiante. “O custo de capital de dívida no Brasil é muito alto. Já vínhamos buscando um modo de trabalho um pouco mais sustentável. Pensamos em entrar com mais força em construção civil, que é um mercado gigantesco, fragmentado, com um monte de oportunidades em vários setores”, diz.

Foi aí que ele conversou com o norte-americano Kyle Paul Moran, 38, que atua no desenvolvimento imobiliário para grandes empresas no Brasil, fazendo galpões logísticos para o Walmart, por exemplo. Kyle tornou-se sócio de Arthur e, juntos, eles foram conversar com outros gigantes do mercado, como profissionais do programa de habitação do governo federal Minha Casa, Minha Vida. “Falei com o conselheiro de uma empresa que faz dez mil casas de alvenaria por ano. Ele disse que se tivéssemos um produto bacana pré-fabricado, a demanda seria infinita”, conta. O problema era concorrer com o preço.

Mesmo tomando como referência o custo de casas feitas de estrutura metálica na China, que têm o valor mais baixo, ainda seria mais caro do que construir com alvenaria no Brasil. “Tijolo é barato, mão de obra também, pois quando se fala em construção civil no Brasil, muitas vezes ela é informal”, diz. Mas o modelo das habitações populares tinha um problema que foi revertido em oportunidade: grande parte desses empreendimentos está em um raio de 30 a 50 km dos polos geradores de emprego. “Por um lado, resolvem o problema da habitação, mas é muito desgastante alguém ter que se deslocar por três, até seis horas por dia para trabalhar”, diz Arthur.

Os sócios decidiram, então, pensar em moradia dentro dos grandes centros urbanos e aí veio a ideia do Mora, com o intuito de oferecer habitação acessível em locais com fartura de comércio, serviços e empregos, onde as pessoas precisam se deslocar menos, podem andar mais a pé, de bicicleta, além de vivenciarem a cidade. “O grande conceito é permitir que as pessoas economizem tempo e dinheiro no deslocamento, além de criar um senso de comunidade”, fala o Arthur.

REATIVAÇÃO URBANA, OU COMO APROVEITAR TERRENOS PEQUENOS

Para tornar o projeto viável, a empresa apostou no que chama de reativação urbana, que é o uso de terrenos pequenos, que não são foco de grandes incorporadoras, e estavam subjugados. “A cidade muda, as pessoas mudam. O terreno que compramos era de um operador que há quatro anos tinha mais uns três estacionamentos na região. Com a chegada de aplicativos de transporte, isso minguou. Hoje o cara opera apenas um estacionamento.” Ele prossegue:

“São terrenos bem localizados e que estavam sem rentabilidade para o proprietário. Estamos transformando isso em algo que será usado amplamente”

Os sócios então, foram fazer o que já sabiam de melhor: captar dinheiro no mercado. Para o lançamento desse primeiro prédio, foram 5 milhões de reais vindos de recursos próprios e de mais nove investidores — desde incorporadora de médio porte, fundos de investimento e executivos de mercado imobiliário (brasileiros e também estrangeiros).

O apartamento modular do Mora tem cerca de 20 m² e inclui até uma pequena varanda (foto: Marcos Caldo).

Os investidores não serão donos do prédio, mas sócios da Mora, e receberão retorno quando a empreitada der lucro. “Empreendedor é sempre otimista, se não fosse estaria fazendo outra coisa”, brinca o fundador ao informar o prazo esperado para o projeto começar a se pagar: dois anos. A espera deve valer a pena, já que a expectativa é de um retorno pelo menos 50% maior do que se tem com investimentos imobiliários convencionais e um potencial de valorização dos apartamentos da ordem de 30% a 40%.

MORAR BEM LOCALIZADO SEM TORRAR DINHEIRO

Outra vantagem competitiva é o tempo de construção do prédio, previsto para dez meses entre fabricação e montagem, o que chega a ser metade do período exigido para uma construção convencional. Já para os inquilinos, o benefício financeiro estaria no aluguel abaixo do mercado. Embora o preço ainda não esteja definido, a proposta é que o valor fique de 20% a 30% mais em conta em relação a imóveis similares na mesma região.

Em um levantamento feito pelos sócios em diversos bairros de interesse do negócio — como Jardins, Vila Nova Conceição, Vila Olímpia, Itaim Bibi, Santa Cecília, Consolação e Centro, todos na capital paulistana — a região de Pinheiros/Vila Madalena alcançou uma das mais altas médias de valor do pacote aluguel mais condomínio e IPTU: 4.360 reais. Arthur afirma:

“Uma pessoa gasta em torno de 30% da sua renda com habitação, sendo assim, um casal precisaria ganhar de 10 a 15 mil para morar nesse bairro, um descompasso com a renda das pessoas.”

O foco do Mora são especialmente os jovens, estudantes, solteiros ou casais sem filhos. Considerando o desconto no aluguel e a economia com transporte, por estar em um bairro central e cercado de serviços, Arthur acredita que poderiam ajudar a manter pessoas nessas regiões e, inclusive, trazer novos moradores.

CASAS COMPACTAS, MAS FUNCIONAIS

A inspiração para os apartamentos diminutos e versáteis para locação vêm de uma extensa pesquisa de mercado, que inclui referências internacionais. Em termos de operação, há empreendimentos de aluguel similares na Holanda, por exemplo. Já na construção modular, serviram de inspiração desde hotéis construídos em caixotes empilhados até o conceito das tiny houses (casas minúsculas, em tradução livre) já bastante difundido em países como Estados Unidos e Japão. Passou-se também — já que essa história toda começa com contêineres marítimos — pela arquitetura náutica. “Em um barco, é preciso ser super eficiente, todos os espaços são aproveitados”, diz Arthur.

O projeto do Mora foi desenvolvido por arquitetos da própria empresa. Os módulos estão sendo feitos na fábrica da Contain it e podem ter até cinco unidades empilhadas. A tecnologia permite diversas configurações de edifício, de acordo com o formato do terreno. Esse primeiro prédio, com seis apartamentos por andar, terá três diferentes plantas: duas com cama de casal (variando apenas o tamanho da varanda), e outra com duas camas de solteiro, que podem ser convertidas em cama de casal se necessário. A empresa estuda futuramente fazer unidades maiores, podendo juntar dois módulos, por exemplo. Arthur fala mais a respeito:

“Sabemos que ninguém quer morar em apartamentos de 20 m² a vida inteira. São imóveis para uma fase específica da vida. Depois, a pessoa pode casar, ter filhos e ir para um lugar maior”

Ele continua: “Ou se divorcia e volta para um menor”. O importante, para ele, é haver conexão entre os imóveis disponíveis e as necessidades transitórias das pessoas. Justamente por isso, o empreendedor vê mais sentido no aluguel do que na venda desses imóveis.

A cama pode ser abaixada da parede na hora de dormir e guardada durante o dia abrindo espaço para a sala (foto: Marcos Caldo).

Seus principais concorrentes são as pessoas que compram apartamentos para alugar e ter renda, mas não fazem a administração e, nem sempre, a manutenção desses imóveis. Já os apart hotéis, segundo Arthur, apostam em um modelo com muitos serviços (como faxina, restaurante e academia), o que acaba encarecendo o aluguel. “Preferimos pensar em parcerias com academias e lavanderias.”

Além do primeiro edifício na Vila Madalena, a empresa já adquiriu mais dois terrenos na capital paulista, nos bairros de Pinheiros e Itaim Bibi. O desafio agora é provar para seus dois maiores clientes que tudo dará certo. “Para os investidores, precisamos mostrar que conseguimos entregar o que nos prontificamos a fazer e, assim, captar mais dinheiro e construir os próximos prédios. Do lado dos moradores, o objetivo é mostrar uma experiência superior a empreendimentos convencionais”, diz Arthur.

Por questões estratégicas, ele não revela o endereço exato do primeiro Mora, mas afirma que o módulo já está no local onde serão recebidos possíveis investidores e parceiros do negócio. Quando perguntado se funcionará como estande de exposição do projeto, ele responde: “Melhor que isso, não é um decorado, mas um apartamento de verdade e pronto.” Agora, é calma para lançar e ver como serão as vendas.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Mora
  • O que faz: Apartamentos modulares pré-fabricados
  • Funcionários: 9
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: Fevereiro de 2018
  • Investimento inicial: R$ 5 milhões
  • Faturamento: Ainda não fatura
  • Contato: contato@mora.rocks
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