Gabriela Temer ainda se lembra da primeira vez em que entrou na redação do jornal O Globo, no Rio de Janeiro. “Eu devia ter seis, sete anos, e ‘ameeei’ aquela maluquice toda.” Filha de um arquiteto e de uma antropóloga, ela havia sido levada pelo tio, o jornalista (e ex-deputado) Milton Temer. O ritmo frenético do ambiente cativou a menina, que começou a vislumbrar ali o sonho de uma profissão. Trinta e tantos anos depois, quem conversa com Gabriela pela primeira vez e a ouve disparar frases em sequência veloz, com seu jeito agitado, pode facilmente imaginá-la em frente ao computador, batucando um texto contra o relógio para cumprir os prazos do jornal… Mas essa vida ela aprendeu a deixar para trás.
Gabriela tem 40 anos. Por 11 deles trabalhou em O Globo como repórter. Em algum momento, a rotina começou a cobrar seu preço na forma de enxaquecas terríveis, que o médico associou ao estresse. Ela, porém, não conseguia ver vida fora do jornal, até que veio o grande chacoalhão. “Eu estava grávida da Juju, trabalhando como uma louca, e descobri que o meu pai estava com câncer.” O ano era 2004. O barrigão crescia dia a dia, as pautas não paravam de chegar, e ela se desdobrava para acompanhar de perto as sessões de quimioterapia. Apenas três meses depois do nascimento da filha, Gabriela disse adeus ao pai.
“Quando voltei da licença maternidade, eu comecei a me questionar. Será que esse modo de vida sem o botão de ‘off’, sem o botão de ‘slow’, é o adequado? Será que eu não tenho que dedicar mais tempo àquilo que realmente é prioridade?” A transição é difícil, demanda coragem e planejamento. Gabriela foi amadurecendo a ideia de mudar de vida e, em 2007, pediu demissão do jornal. Acionar o botão de “slow”, como ela diz, incluiu também vender o carro e comprar uma bicicleta. “Tirei oito meses sabáticos para estar com as pessoas que eu amo, fazer apenas um trabalho de freelancer ou outro, e buscar um caminho alternativo.”
Guinada em família
Quando fala de estar perto de quem ama, Gabriela pensa sobretudo em duas pessoas: a filha, Julia, a Juju, que completa 12 anos em fevereiro de 2016, e o marido Ricardo Sombra, ou simplesmente Rico. Formado em Administração, dono de uma pousada na Barra da Tijuca, Rico resolveu se reinventar, criando para si uma carreira a partir de seu amor pelo surfe e pela natureza. Começou a tirar fotografias subaquáticas como hobby e converteu isso em profissão. “O Rico é o lado zen do casal, a gente se complementa”, afirma Gabriela, que admite ser “superelétrica”. Os dois estão casados há 15 anos. “Ele agora está lançando um livro, O Rio Visto do Mar. Vai à praia todos os dias, fotografar. É a religião dele.”
Enquanto isso, Gabriela seguia explorando novas frentes, buscando seus caminhos alternativos. Junto com um colega dos tempos de jornal, Sergio Duran, ela se envolveu em um projeto diferente: coproduzir um documentário em curta-metragem sobre Carlos Zéfiro, o cultuado autor de HQs eróticas publicadas entre as décadas de 1950 e 1970 (lançado em 2012, Zéfiro Explícito levou o prêmio do júri popular do Festival do Rio naquele ano). Nesse meio tempo, Gabriela decidiu também montar seu próprio negócio e criou “aCarambola”, uma agência de gestão de comunicação digital e marketing online voltada para clientes corporativos.
À medida que aCarambola foi frutificando, Gabriela se viu numa encruzilhada. “Eu vou querer acumular ou vou querer qualidade de vida?” Essa era a dúvida. Ela optou por manter a empresa pequena, selecionando e atendendo apenas os clientes de que mais gostava, de modo que pudesse encontrar tempo para um projeto pessoal. “Eu amo viajar. Meu marido ama viajar. Minha filha ama viajar. Como todo mundo me pedia dicas de viagem, eu ficava escrevendo e-mail, e-mail, e-mail… Aí, eu resolvi transformar isso num blog.” Ela já colaborava escrevendo posts para outros blogs de viagem, mas agora teria o seu próprio: o Juju na Trip.
O blog surgiu há cerca de três anos. “Quando comecei, não pensava ainda em transformar em meu business de vida. Acho que deu certo porque eu gostava muito.” Gabriela aproveitou o know how adquirido com aCarambola para bombar o Juju na Trip nas redes sociais. Hoje tem 30 mil seguidores no Instagram, 28 mil no Facebook e aproximadamente 100 mil views por mês no blog. Conforme os números subiam, iam pintando ofertas de permuta e de patrocínio, e a blogueira-viajante percebeu que poderia tirar o seu sustento do projeto. “Essa foi a nossa guinada: conseguimos juntar família, qualidade de vida e trabalho.”
Descobrindo o mundo
Gabriela calcula que, entre agosto e dezembro de 2015, ela, Rico e Juju passaram de 30% a 40% do tempo viajando. Para seguir com essa vida de aventuras, os pais contam com a compreensão da escola e o bom desempenho da filha. Hoje na sétima série, Juju jamais sequer ficou em recuperação. Ela supre as faltas correndo atrás do conteúdo durante as viagens. Não à toa, suas notas em geografia são acima da média. Desde pequenininha, mesmo antes do blog, Juju já era levada a todo canto, de Minas à Espanha, do Camboja ao Ceará. Aos sete anos, nadou com arraias gigantes na Indonésia, numa ilha vizinha a Bali. “Nunca levamos a Juju à Disney. Queríamos apresentar a ela um mundo diferente.”
A mais recente iniciativa do Juju na Trip é a websérie “Antes dos 18”, lançada no Youtube em junho de 2015. “São lugares e trilhas para você ir com os seus filhos e descobrir juntos esse mundo diferente antes que eles cresçam.” Com cerca de 4 minutos, cada vídeo é apresentado pela própria Juju, sempre em uma pegada de explorar o contato com outras culturas e com a natureza. Na primeira temporada, a família foi à Ásia. A segunda se passa em Fernando de Noronha: a viagem foi a convite da administração do arquipélago em conjunto com uma rede hoteleira e o Projeto Tamar, que promove a conservação de tartarugas-marinhas. Também a convite, a família já viajou e gravou em Barbados e na Patagônia.
Ex-fumante, Gabriela avalia o antes e o depois do Juju na Trip. Hoje em dia, ela e Rico bebem pouco, são mais diurnos, dormem cedo para aproveitar o sol. Esse estilo de vida ao ar livre, menos consumista, mais saudável, é absorvido direitinho pela filha, uma lição ensinada não na teoria, mas na prática. “Hoje eu sou a pessoa mais feliz do mundo. Não brigo mais com meu marido, nunca mais tive um dia de enxaqueca… Até os meus cabelos brancos pararam de aparecer!”