Lições do novíssimo mundo: o que a Nova Zelândia pode ensinar ao seu negócio

Rafael Alvez - 5 mar 2015
Fábrica e fazenda da Fonterra em Whareroa, na Nova Zelândia: inovação também ganhou espaço nas indústrias mais tradicionais do país.
Rafael Alvez - 5 mar 2015
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Famosa por suas deslumbrantes paisagens naturais e pelos esportes radicais, a Nova Zelândia é um paraíso não só para quem quer passear, mas também para quem pretende arregaçar as mangas e se arriscar em um negócio. Por aqui o empreendedor tem vida fácil na hora de tirar uma ideia do papel. Para começar, a abertura de uma empresa pode ser feita pela internet em poucas horas, ao custo de cerca de 300 reais (ou 160 dólares neozelandeses). A política tributária é simples e transparente, os serviços públicos são eficientes e a papelada é praticamente nula. A macroeconomia também ajuda, já que inflação média dos últimos 5 anos ficou abaixo de 1,5%, a taxa básica de juros é de 3,5% e o desemprego está abaixo de 5%.

Profundas reformas, que nos últimos 30 anos reduziram subsídios e simplificaram taxações, transformaram a economia do arquipélago do Pacífico Sul numa das mais desreguladas e competitivas do planeta. Abertura econômica e inovação são conceitos levados ao pé da letra e que caminham juntos em toda a cadeia produtiva, e com baixíssimos níveis de corrupção e burocracia.

Tal conjuntura colocou o país em segundo lugar no relatório Doing Business do Banco Mundial, que listou os lugares mais fáceis para se fazer negócios em 2014. Para se ter uma ideia do abismo que separa essa realidade da nossa, o Brasil figura apenas na 123º posição no mesmo ranking. Enquanto no país da Oceania uma empresa é aberta em instantes por meio do site Companies Office, o mesmo procedimento em terras tupiniquins requer cerca de 100 dias, muitas idas ao cartório e o pagamentos de várias taxas que podem chegar a 1 000 reais.

TERRENO FÉRTIL PARA AS .COM

Eficientes políticas públicas criaram uma atmosfera facilitadora de novas ideias, incentivando o surgimento de empresas criativas e o aprofundamento da inovação em companhias tradicionais. Esse dinamismo se faz notar especialmente em áreas como o agronegócio, locomotiva das exportações, e tecnologia da informação, que vem despontando como o segmento mais promissor da economia.

Este pequeno país, que tem a área do estado de São Paulo e 4,5 milhões de habitantes, lidera o mercado internacional de produtos lácteos. Embora produzam somente 3% do leite do mundo, os neozelandeses movimentam 38% da economia global do setor. A empresa mais exitosa neste segmento é a Fonterra, que com um faturamento anual de 44 bilhões de reais, ostenta o posto de maior companhia do país e quarta maior da indústria mundial de laticínios. Em seu pioneiro centro de pesquisas, fundado em 1927, a empresa cultiva sua reputação de inovadora criando inéditas aplicações para as propriedades nutricionais do leite.

De lá saíram revoluções como o Clear Protein que transformou o soro lácteo em bebida funcional para atletas; a mozzarela instantânea, tecnologia que reduziu de meses para horas a produção de mozzarela ralada congelada; o queijo cheddar com redução de gordura sem alteração de sabor ou consistência — algo que já foi tentado sem sucesso por outras marcas; e, mais recentemente, a garrafa que mantém o leite 100% protegido da luminosidade. Todas essas invenções renderam premiações locais e internacionais de inovação.

A agronegócio, porém, deverá partilhar o bolo com outras áreas do setor produtivo nos próximo anos, especialmente aqueles que vendem produtos e serviços virtuais, uma vez que o mercado de tecnologia na Nova Zelândia está em franca expansão. “Nossas 100 maiores empresas de tecnologia faturaram 20% a mais em 2014 em comparação com o ano anterior; 75% das receitas foram externas, apesar da crise global”, afirma Katie Horrex, porta voz do Ministério dos Negócios, Inovação e Emprego. Ainda segundo ela, boa parte do êxito do setor deve-se à paulatina priorização dos investimentos em inovação: “No mesmo período, estas empresas conseguiram elevar em 10% o volume de seus investimentos em pesquisa, um crescimento maior do que qualquer outro segmento”.

Este ambiente tem atraído a atenção de gigantes do Vale do Silício. Foi aqui que o Google lançou o audacioso Projeto Loon, em 2013, quando 30 balões equipados com um sistema de retransmissão do sinal de internet foram postos a voar na Ilha Sul. Feitos de plástico, com 15 metros de diâmetro, eles insuflam no ar e alcançam alturas de até 10 mil metros, provendo conexão a áreas remotas. Já a timeline do Facebook foi testada primeiro com os neozelandeses, em março de 2013, antes de ser incorporada ao serviço da rede social em todos os lugares.

Uma das crias locais mais bem sucedidas no universo da computação é a Xero, fundada em 2006 e que no ano passado foi eleita pela revista Forbes a empresa mais inovadora do mundo. Especializada em softwares para o gerenciamento de pequenas e médias empresas, a Xero estimula seus clientes a fazerem toda sua contabilidade na nuvem de maneira simples e em aparelhos móveis. Rod Drury, o divertido fundador e CEO da Xero, recentemente comentou sobre o ainda incipiente mercado no qual resolveu arriscar-se. “De um potencial mercado de centenas de milhões de pequenos negócios, só um irrisório percentual atualmente usa serviços na nuvem”, escreveu em seu blog há algumas semanas. Em entrevista ao jornal New Zealand Herald, Drury defendeu que a Xero conseguiu seu espaço graças à coragem de criar algo disruptivo: “Nós simplesmente transformamos a indústria da contabilidade. As pessoas agora usam camisetas! Elas estão entusiasmadas por trabalhar com contabilidade”. A frase favorita de Drudy é “não é o grande que engole o pequeno — é o rápido que engole o lento.”

Rod Drury, CEO da Xero, em uma palestra em Auckland. A empresa mais inovadora do mundo é inspiração para qualquer negócio (foto: Web09, Flickr CC).

Rod Drury, CEO da Xero, em uma palestra em Auckland. A empresa mais inovadora do mundo é inspiração para qualquer negócio (foto: Web09, Flickr cc).

Em seus primeiros anos, a empresa focou no desenvolvimento de seu produto e na conquista do mercado local, só depois internacionalizou-se, entrando na Austrália, Europa e Estados Unidos a partir de 2011. Desde então ela tem experimentado um crescimento acelerado; hoje tem 1 000 funcionários, acumula investimentos na casa dos 520 milhões de reais, prevê faturamento de 270 milhões de reais para o ano fiscal de 2014 (que termina em março de 2015) e incorpora cerca de 300 novos clientes por dia à sua base de 400 mil. A chave para tal expansão, de acordo com a crítica especializada, se dá pelo foco no design do produto. O app da Xero de fato mostra-se altamente eficiente na tarefa de simplificar o processo contábil de uma firma, uma das responsabilidades mais sofríveis na rotina do empreendedor. Eles gamificaram, como se diz no jargão da tecnologia, tarefas como controle de estoque, fluxo de caixa e fechamento de balancetes, expedição de faturas, entre outros.

Estes são apenas dois exemplos. O papel dos governos daqui tem sido dar prioridade a medidas com foco na eficiência administrativa, na desburocratização de tudo o que for possível, abrindo seu país ao resto do mundo apesar de sua distância dele. Nada mal para uma nação do novíssimo mundo, ainda mais jovem do que o Brasil, mas que já tem muito a ensinar. É evidente que mudanças profundas tendem a trazer resultados mais rápidos num território diminuto do que numa nação continental. O que se pode notar no caso da Nova Zelândia, entretanto, é a coragem de transformar.

INSPIRAÇÕES PARA O SEU NEGÓCIO

Se imaginarmos que o mundo é um grande mercado e a Nova Zelândia uma nova e pequena empresa, podemos extrair algumas valiosas lições para aumentar as chances de sucesso de qualquer empreendimento que se julgue inovador.

1) Arrisque-se:
As mudanças político-economicas adotadas pelo país foram radicais; foi preciso um pacto de coragem entre os setores da sociedade para mudar o que não estava funcionado. Use seu lado político para promover o melhor para todos, não para apadrinhar parceiros, clientes e amigos. Se tudo estiver dando errado, experimente mudar tudo de uma só vez.

2) Desburocratize:
Uma montanha de papéis em sua mesa pode te impedir de enxergar o que está a sua volta. Tente ao máximo eliminar a burocracia em sua empresa e evite atolar seus funcionários em processos, afinal eles precisam ter visibilidade para saber para onde o barco está rumando e a cabeça arejada para serem criativos. Já basta a burocracia imposta pelo governo, não é mesmo?

3) Pense para fora:
O mundo realmente está ficando cada vez menor. Se um lugar tão remoto como a Nova Zelândia tem feito seu caixa crescer ampliando seu mercado externo, você também pode. A receita para seu sucesso talvez seja olhar além da concorrência e tentar abocanhar clientes longe de seu raio imediato de atuação. Se seu produto ou serviço é realmente inovador, dê-lhe asas para voar.

4) Invista em inovação:
Ter aquela grande sacada para iniciar um negócio pode não ser o suficiente para vencer. Inovar é algo que precisa estar impregnado nas práticas diárias do seu negócio, com constante capacitação e estudo, e com a preocupação de estimular seus funcionários a pensarem diferente. Em sua planilha de custos procure separar uma fração para este tipo de investimento.

5) Planeje seu crescimento:
Se você realmente acredita que seu produto ou serviço é transformador, vá fundo e prepare terreno para abocanhar grandes pedidos. Antes de alçar voos mais altos, porém, foque-se como nenhum competidor em entender quem é o seu cliente mais próximo, para depois arriscar-se com os mais distantes.

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