Como saber o que uma praça, um bairro ou uma cidade devem oferecer às pessoas para que elas queiram morar, trabalhar ou se divertir ali? Essa pergunta aparentemente simples foi uma das inquietações que resultaram na criação da Places for Us (ou somente Plus), agência startup paulistana que está perto de completar um ano. A resposta: ouvir o que cada envolvido com aquele lugar espera encontrar por lá e, em seguida, desenvolver um projeto de arquitetura, urbanismo e cidadania que abarque todas essas necessidades e vontades. A Plus trabalha com “place branding”, uma disciplina ainda pouco usada e conhecida no Brasil, usada para ajudar incorporadoras, construtoras e o poder público a desenvolverem projetos urbanos que levem em conta as necessidades da população.
Há três anos, o arquiteto e designer Caio Esteves, 44, então CEO da agência CEB+D teve seu primeiro encontro com place branding. Aconteceu por meio de um cliente, uma parceria público-privada entre a prefeitura de Limeira (SP) e uma incorporadora, e previa um processo de criação e desenvolvimento inovador para um bairro da cidade. Antes de começar qualquer planta baixa ou desenho de projeto, a população da região participaria de sua elaboração, por meio dezenas de reuniões, palestras e consultas públicas.
A ideia inicial era que Caio e a CEB+D ficassem responsáveis somente pela criação da marca do empreendimento, chamado Bairro da Gente. Mas o interesse por temas de impacto social empurrou o futuro fundador da Plus para outras áreas do projeto, mais voltadas à sua área de formação, o urbanismo. Há alguns anos ele vinha estudando as ideias da pesquisadora canadense Jane Jacobs, para quem só há segurança e conforto nas grandes cidades se elas forem pensadas para pessoas. Uma abordagem bem próxima do que ele já conhecia sobre o place branding.
“Passei meses estudando place branding por minha conta, investigando. Quando surgiu o projeto, foi a oportunidade de mostrar ao cliente, que tinha ideias muito parecidas com as minhas, que aplicar esses conceitos poderia ajudar muito no resultado final”, conta Caio.
A partir daí, a relação cliente-agência mudou e ele tornou-se parceiro dos coordenadores do Bairro da Gente, junto com Iury Lima e Raouda Assaf. Em paralelo, o arquiteto e sua equipe (ainda na CEB+D) criaram a metodologia que viria a se tornar o primeiro produto da Plus, a “marca-lugar”: um relatório com o conjunto de ideias que definirão como deve ser aquela localidade para as pessoas se sentirem felizes ali.
Depois de todo esse processo — que, como dito, inclui uma extensa pesquisa sobre as características e necessidades de um lugar, passando por uma série de debates com a população local —, o material segue para uma equipe de arquitetos e urbanistas, que o coloca em prática. Ao perceber o valor agregado a todo esse fluxo, Caio começava a perceber que tinha a oportunidade de criar uma nova empresa, spin-off de sua agência.
A decisão de criar a nova empresa, no entanto, não foi automática. Ao colocar a mão na massa para que o Bairro da Gente se tornasse realidade, Caio percebeu que o place branding (que tem um método mais rígido, com players diferentes e grande possibilidade de inovação) se distanciava muito do branding tradicional, que tem um método mais solto. Viu, também, que não dava para fazer um departamento voltado para a nova área dentro da CEB+D. Depois de muita conversa com Mariane Broc, 43, sua esposa e sócia, e da elaboração de um plano de negócio que fizesse sentido, o casal, finalmente, criou a Place for Us, em outubro do ano passado.
A VANTAGEM DE SE CRIAR UMA EMPRESA QUANDO VOCÊ JÁ TEM OUTRA
Caio e Mariane decidiram que ela, jornalista mas com boa bagagem em gestão, vendas e relações públicas na CEB+D, seguiria à frente da agência-mãe, além de se tornar gestora comercial e de comunicação da nova. Já ele passou a se dedicar exclusivamente à Plus, no mesmo escritório, na Avenida São Luiz, centro da capital paulista. A equipe fixa é formada pelo casal e mais cinco pessoas (entre eles dois sócios minoritários, Betina Sulzbach e Renan Brandão). Eles são designers, pesquisadores, publicitários e profissionais de vendas. Outros freelancers são incorporados quando necessário, principalmente para as pesquisas de campo e entrevistas.
Caio conta que o investimento inicial da Plus foi bem baixo na comparação com startups de outros segmentos. “Como usamos a mesma estrutura da CEB+D, não tivemos gastos com aluguel de espaço ou compra de equipamentos”, conta. Além de Caio e Mariane, o time da agência-mãe é compartilhado com a Plus, que teve de contratar apenas mais uma pessoa.
Se a estrutura e a equipe não exigiram grandes investimentos, foi necessária uma força extra em outras frentes, especialmente no networking e na consolidação de conhecimento, principalmente por meio de participação em congressos e eventos no exterior.
No ano passado, a Plus participou de congressos na Inglaterra e na Argentina, além de ter ido à Dinamarca apresentar o Bairro da Gente para o arquiteto Jan Gehl – autor do clássico Cidades para Pessoas e um dos responsáveis pelas ideias por trás das cidades mais amigáveis do mundo.
Além das viagens, a compra de uma nova câmera de vídeo para alimentar o canal da Plus no Youtube e o desenvolvimento do site da empresa também pediram uma injeção maior de dinheiro. “Levando-se tudo isso em conta, o investimento inicial ficou em torno de 50 mil reais”, conta Caio.
A startup é o quarto passo na trajetória empreendedora de Caio. Ele teve um escritório de arquitetura com dois colegas de classe no início dos anos 2000 e abriu sua primeira agência de branding, a I-D, em 2006. A empresa acabou fechando três anos depois para dar lugar à CEB+D e também tinha Mariane como sócia. Por ter passado por tudo isso, ele diz ter um “medo prudente” do futuro:
“Claro que empreender dá medo, mas não é nada paralisante. É algo que me joga para a frente e me mantém com os pés no chão”
Esse sentimento minimiza os muitos desafios que a empresa vem enfrentando em seu primeiro ano. O principal, conta Caio, é explicar ao potencial cliente o que a empresa faz.
PLACE O QUÊ?
“Ao longo do tempo, percebi que era mais fácil explicar a Plus pelo que não fazemos: não vou criar a marca de um lugar, uma coisa gráfica. Não faço branding, que já é um lance complicado de se definir, e não faço design”, conta. Ainda assim, é trabalhoso: “Até ter a compreensão e partir para o ‘vamos fazer’ leva-se bastante tempo”.
Outra dificuldade é que o ciclo de um projeto completo de place branding é longo: do primeiro contato com agência até o cliente dizer “sim” pode levar até um ano. Daí, até a conclusão do serviço, são mais nove meses. Por conta desse ciclo longo — e, claro, da necessidade — a Plus criou formatos mais compactos de serviços, para pudessem trazer mais receita, mais rápido, para a empresa. “Foram muitas noites de leituras, discussões com a Mariane e o time para irmos adiante em outras propostas que se encaixassem no que queremos vender”, conta o arquiteto.
Um projeto completo de place branding pode ser contratado por governos, construtoras e incorporadoras. Ele inclui todas as fases, desde a pesquisa até o relatório final, e tem um custo inicial de 200 mil reais.
Das longas reuniões para criar novos produtos, sem perder a essência da prestação do serviço, surgiu a ideia do advocacy (ou carta de intenções). É uma versão reduzida do place branding, voltada para área pública, e que pode ser contratada, por exemplo, por candidatos a prefeito ou governador. Trata-se de uma carta de intenções que o político apresenta à população daquele lugar na fase de candidatura, levando-a a sessões públicas de discussão ou reuniões com líderes e associações de bairro. Esse tipo de projeto leva seis meses para ser concluído, e custa cerca de 50 mil reais (o valor varia de acordo com a complexidade do cliente e das informações que ele já tenha). Mas foi uma saída inteligente para o negócio. O primeiro advocacy da Plus foi vendido para um candidato a prefeito em Caxambu, no sul de Minas Gerais.
O saldo dos projetos neste primeiro ano de operação é positivo: teve o Bairro da Gente (place branding + engajamento do bairro), um serviço para a prefeitura de Limeira (place branding), e o advocacy para o candidato de Caxambu. Caio diz que há outras coisas surgindo para este ano, mas ainda em fase de licitação.
MUITAS IDEIAS, POUCO LUCRO. COMO SEGURAR A ONDA?
Mesmo com esse cenário efervescendo entusiasmo e expectativas, o lucro ainda não apareceu na Plus. Caio conta que tudo o que foi gerado empatou com os custos de manutenção e os investimentos. O fato da Plus ter a CEB+D como empresa-mãe ajudou a equilibrar as contas, pagar os colaboradores e parceiros de forma justa e sem atrasos, além de poder continuar investindo. Como tudo, o caixa de ambas também é compartilhado. Ele comenta que está sempre de olho em investidores, mas confessa que não foi muito atrás de opções neste sentido. “Estamos lá no Fundacity, mas nunca forçamos a mão”, ele diz, e segue:
“Adoraria ser procurado por um acelerador ou investidor-anjo mas, por ora, estou tentando segurar eu mesmo, do nosso jeito de fazer as coisas”
Enquanto o dinheiro não vem, algumas conquistas já chegaram. Uma delas é que a Plus está entre as startups brasileiras a terem a certificação B-Corp, direcionada a empresas com propósito social ou ambiental. Além disso, na falante e entusiasmada figura de Caio, a Plus passou a fazer parte dos principais eventos e boards relacionados à área de place branding. Para uma startup deste tipo, já são bons motivos para comemorações. Ele fala: “Não ganhei nada ainda, mas tudo bem. O caminho está sendo trilhado e para a gente está certo. Segue o barco”.
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