Macarrão feito de arroz e feijão? A Lacin aposta nesta receita para fabricar massas sem glúten

Cristine Gentil - 26 set 2018
Betina Lagemann Chilanti e Bodan Andreoli Chilanti contam como fabricam o alimento, uma alternativa para veganos, celíacos e pessoas que desejam comer melhor.
Cristine Gentil - 26 set 2018
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Sabemos que dupla arroz e feijão é uma das mais tradicionais na mesa dos brasileiros, mas vê-los na composição de outro prato bem conhecido — o macarrão! — é, no mínimo, inusitado. Pois, um casal de gaúchos conseguiu substituir o trigo da massa por esses velhos conhecidos. O resultado, depois de mais de 50 testes é a Lacin, um produto que já ganhou um bocado de clientes fiéis no Rio Grande do Sul. Também é o nome da empresa — que mudou radicalmente a vida do casal Bodan Andreoli Chilanti, 35, e Betina Lagemann Chilanti, 34.

O negócio nasceu de uma teimosia: eles estavam decididos não só a comer melhor, mas a contribuir para que outras pessoas fizessem o mesmo. Substituir o trigo da massa parece simples, mas trocá-lo por arroz, feijão e sorgo de marsala (as matérias-primas das massas da Lacin) significa retirar da receita o glúten (potencialmente alergênico para muitos) por ingredientes funcionalmente mais vantajosos, na forma de proteína vegetal de alto valor biológico, fibras e carboidrato de baixo índice glicêmico. Significa, também, que veganos, celíacos e intolerantes ao glúten estarão bem servidos com uma massa saudável e que pode ser preparada em seis minutos.

Desde julho no mercado, a empresa é o sonho realizado de Bodan e Betina. Ele é publicitário, focado em marketing industrial. No seu ramo de atividade, a graça é tornar bonito, atraente e palatável todo e qualquer produto, inclusive, aqueles que não são tão saudáveis. Foi assim por muitos anos, trabalhando em agências e fazendo consultorias. Já Betina é engenheira de alimentos e desenvolvia embutidos para uma indústria de carnes. Gostava do trabalho, mas não exatamente do alimento que ajudava a produzir. Migrou para consultorias, sobretudo, na área de qualidade, e especializou-se em gestão de produção de alimentos.

A BUSCA POR UMA VIDA MAIS SAUDÁVEL FOI O PONTAPÉ DO NEGÓCIO

No começo do ano passado, o casal começou a se questionar. Entraram na balança a profissão, a indústria, a alimentação da família e das pessoas em geral. Não havia equilíbrio, nem satisfação. Tudo pendia para o desconforto. Bodan conta que percebia que, quanto mais se falava em saúde, cuidado com o corpo e produtos naturais, mais a população brasileira alcançava índices inéditos de obesidade e doenças relacionadas à alimentação. Ele fala:

“Víamos muita coisa errada no que a indústria de alimentos faz e não mostra. O consumidor, por sua vez, ou não quer saber ou não percebe”

Casados há dez anos e com dois filhos, Isabel, 7, e Valentim, 5, os empreendedores sempre buscaram no varejo alimentos mais saudáveis. Quando a primeira filha nasceu, Bodan tornou-se vegetariano. “Já era uma vontade que tinha, por amor aos animais. Quando se convive com uma vaca, como eu convivia, percebe-se que ela é como um cachorro, não tem diferença nenhuma. Quando minha filha nasceu, foi como se virasse uma chave na minha cabeça e decidi mudar”, diz Bodan.

As massas da Lacin são encontradas em três sabores> arroz e feijão branco, arroz e feijão preto e arroz e sorgo marsala. O pacote de 300 gramas custa 13,50 reais.

O restante da família restringe o consumo de carne, mas não são vegetarianos. “Não somos radicais. Sabemos que, socialmente e culturalmente, é muito difícil essa opção. Mas queremos ajudar quem deseja optar por fazer essa transição. Lá fora tem prateleiras inteiras para veganos no mercado. Aqui, ainda é um desafio”, conta Betina.

Começou, então, a crescer no casal o sonho de cuidar das pessoas através da alimentação. De olho na ebulição do mercado mundial do veganismo e na busca por opções de proteína vegetal que pudessem ser incluídas em suas próprias refeições, os dois passaram a usar as horas livres para testar receitas. Sabiam que trabalhar com a cadeia de frios seria mais difícil. Escolheram a massa, seca e com longo prazo de validade — 18 meses.

Compraram uma extrusora caseira (máquina responsável por manter o sabor e a coloração original dos alimentos processados) e experimentaram mais de 50 ingredientes para substituir o trigo. Queriam uma massa livre de glúten, como as pessoas próximas pediam, mas que tivesse a elasticidade perfeita e não deixasse sabores residuais. Depois da fase de testes, conseguiram chegar ao produto ideal: de sabor agradável, de fácil preparo para o consumidor e nutritiva. Bodan fala a respeito da mudança de vida: “Percebemos que algo estava em movimento. Podíamos recusar o chamado e voltar para nossa rotina normal e segura”. E continua:

“Sabíamos que a Lacin iria mudar tudo em nossas vidas: cidade, escola, rotina, sacrifício, aprendizado, mas também entendíamos que não tentar seria como morrer um pouco”

A resposta veio sem hesitação. Mudaram-se de Porto Alegre para Bom Retiro do Sul, onde a família tinha um terreno, que foi cedido para a construção da fábrica. O prédio da empresa também foi viabilizado com o apoio financeiro familiar. No mais, Bodan e Betina sempre foram supercontrolados nas finanças. Com a venda da casa confortável onde moravam, em Porto Alegre, e com as economias que já tinham, eles contam que conseguiram investir 500 mil reais na fábrica modelo.

EM DOIS MESES DE OPERAÇÃO, ELES VENDERAM 200 QUILOS DE MASSA

Até ficar pronta, a fábrica consumiu muitas horas de trabalho, burocracias, preocupações, ansiedade e medo. Nos dois meses de operação, os empreendedores conquistaram 27 pontos de venda e comercializaram 200 quilos de massa. Da linha de produção, saem três sabores no formato fusilli: arroz e feijão branco, arroz e feijão preto e arroz e sorgo marsala. Todas as opções têm 20% de proteínas e 7% de fibras na composição. Os pacotes têm 300 gramas e custam 13,50 reais.

Mão na massa: Betina e a filha Isabel na fábrica da Lacin.

A Lacin alcançou a meta inicial, mas ainda não o ponto de equilíbrio. Segundo Bodan, seriam necessários 30 mil reais mensais para pagar o custo — o equivalente à uma tonelada ou 3 333 caixinhas de massa. Atualmente, eles têm capacidade para produzir quatro toneladas. E, caso a demanda exija, a fábrica pode ser reequipada para chegar ao dobro.

Ainda sem funcionários, os dois querem treinar colaboradores para cuidar de cada etapa com o mesmo zelo com que se dedicaram à implantação do projeto. Por enquanto, sozinhos na empreitada, o que dita o ritmo é a rotina das crianças. “Os horários delas nos guiam, apesar de estarmos 24 horas envolvidos com o negócio. Levamos para a escola e seguimos para a fábrica”, afirma Betina. Reza a cartilha do empreendedor que um negócio exige o olho do dono. E, em muitos casos, sangue, suor e lágrimas. No caso de Bodan e Betina, eles tiveram de se tornar vendedores da própria ideia. Bodan conta que nunca tinham trabalhado diretamente com vendas e precisaram se virar:

“Tivemos que bater de porta em porta para apresentar nosso produto, convencer as pessoas de que ele era bom”

Ele ainda diz: “Viajamos muito pelo Sul. A receptividade foi boa nas lojas, mas o desafio são os grandes varejistas”. Conseguir espaço nos supermercados não é fácil. Segundo o fundador, não se trata apenas de uma questão de negociar preços, mas de chegar às pessoas certas. Recentemente, conseguiram uma boa recepção em um mercado de Santa Cruz do Sul, que topou testar o produto e pediu recompra. No momento, a Lacin faz um trabalho de apresentação da massa a nutricionistas, que podem ser replicadores da qualidade do produto.

DE OLHO NO PÚBLICO INFANTIL — A COMEÇAR PELOS PRÓPRIOS FILHOS

O casal, que também planeja expandir a marca para outros estados, teve outro desafio: entrar nas redes sociais. Eles sequer tinham conta pessoal no Instagram, por exemplo, mas conseguiram, pouco a pouco, ingressar nesse meio. Conquistaram, inclusive, o consumidor infantil, começando por suas próprias crianças, como conta Betina:

“Nossos filhos participaram de todo o processo, testando os sabores. Nosso negócio é familiar e queremos que outras famílias tenham essa mesma experiência”

Para ganhar esse público “bem exigente”, os empreendedores apostaram em um joguinho, o Corujix. Cada embalagem de fusilli de arroz e feijão branco traz uma cartela com 24 adesivos representando frutas, hortaliças, legumes e as três versões de massas Lacin. A família pode estabelecer suas próprias regras para que as crianças colem os adesivos na embalagem. Seis adesivos valem uma carta do jogo, que estimula a imaginação e o raciocínio, além de ajudar as crianças a explorarem os alimentos.

A intenção, segundo eles, é transformar a experiência de comer em algo lúdico e saudável. E, fazendo isso, honrar a escolha feita. “Temos momentos de muito orgulho e, também, muitos de medo. Mas isso gera energia para fazer acontecer. Só temos um jeito de agradecer o que conseguimos até aqui: trabalhando”, diz Bodan. Depois de tantos meses de planejamento, burocracias, como alvarás e laudos técnicos, ver a fábrica pronta e produzindo já é metade do caminho percorrido.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Lacin
  • O que faz: Fabrica e vende massas sem glúten
  • Sócio(s): Bodan Andreoli Chilanti e Betina
  • Funcionários: Apenas os fundadores
  • Sede: Bom Retiro do Sul
  • Início das atividades: julho de 2018
  • Investimento inicial: R$ 500.000
  • Faturamento: 200 quilos de massa vendidos
  • Contato: lacin@lacin.com.br ou (51) 99846.2433
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