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Mais de 70 milhões de brasileiros estão endividados. Ela criou uma fintech que oferece “nanoempréstimos” para apoiar quem está no sufoco

Cristiani Dias - 9 set 2024
Rafaela Cavalcanti, cofundadora e CEO da CloQ (crédito: Luciano Alves).
Cristiani Dias - 9 set 2024
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O Brasil é considerado um dos países mais endividados do mundo. De acordo com o Mapa de Inadimplência e Renegociação de Dívidas do Serasa, o país atingiu 72,5 milhões de brasileiros endividados em 2024. Com taxas de juros consideradas abusivas pelo mercado, é comum que famílias fiquem presas no círculo vicioso de dívidas. 

Depois de uma experiência pessoal que demonstrou o quanto o cenário é desafiador, Rafaela Cavalcanti decidiu investir seu trabalho na criação da CloQ, fintech que auxilia brasileiros a construírem um histórico de crédito positivo por meio de empréstimos de pequenos valores, que não passam de 500 reais.

Formada em administração pela Universidade Federal de Pernambuco, Rafaela tem MBA pela Vrije Universiteit de Amsterdã e participações em programas que fomentam o empreendedorismo de impacto, como Cartier Women’s Initiative e IMF Youth Fellowship. Ela se deu conta da dimensão do problema de acesso a crédito entre os brasileiros quando sua mãe foi visitá-la na Holanda:

“Ela não tinha dinheiro para gastar – eu paguei a passagem dela, foi a primeira vez que ela saiu do Brasil – e ficou com vergonha de me dizer, então pegou dinheiro com um agiota para pagar essas férias… Quando descobri isso, vi que a taxa de juros era 10% para pagar em apenas 15 dias”

A dor de cabeça serviu de estalo para a criação da CloQ. A fintech, segundo Rafaela, desenvolve uma análise de crédito inclusiva, independente de renda ou do score tradicional, simplificando o acesso a quem tem o “nome sujo” por endividamento ou não pode comprovar renda suficiente para um empréstimo.

De acordo com a empreendedora, a CloQ já realizou mais de 10 mil nanoempréstimos e tem, atualmente, cerca de 70 mil pessoas cadastradas na plataforma. Leia a seguir o papo de Rafaela Cavalcanti com o Draft:

 

Como a CloQ funciona?
A ideia principal da CloQ é a análise de crédito – mas não é análise de crédito como SPC, Serasa, é mais uma análise de risco e confiança. Não usamos nenhum dado financeiro do usuário, e sim o comportamento do indivíduo. 

Temos um algoritmo que determina uma base, um padrão de comportamento confiável. E se você entra dentro desse [parâmetro de] comportamento, a gente oferece um nanocrédito

Uma vez que ele consegue pegar crédito com a CloQ, isso obrigatoriamente tem de ser informado ao Banco Central. Nesse informe, as outras empresas, financeiras e bancos, conseguem ver que esse cliente já tomou crédito em algum lugar.

Assim, essas empresas conseguem ver se esse cliente tem potencial – e ele começa a ter uma entrada no mercado financeiro. 

Sobre a estrutura financeira do negócio: como a CloQ garante o fluxo de capital necessário para atender à demanda dos clientes?
A maioria dos nossos clientes tem até dois salários mínimos de renda. E quando você tem [apenas] essa renda, talvez não seja o suficiente para tomar um crédito maior, e o banco não consegue te atender. 

Mas se a gente está oferecendo 150 reais, entramos naquele limite [máximo] de 30% que o governo recomenda de dívidas de acordo com a sua renda. 

A CloQ é uma empresa de software, é uma startup, uma fintech. A gente faz todo o sistema de crédito, solicitação do crédito, criação do contrato online; mas o depósito [na conta do cliente] é feito pela nossa financeira parceira – não temos licença bancária para fazer esses depósitos.

A CloQ se propõe a ser uma alternativa não só à agiotagem, mas aos juros rotativos de cartões, que muitas vezes acabam virando uma cilada para os clientes. Como a empresa garante que seus usuários não caiam em um ciclo de endividamento semelhante?
Tem uma frase, que não é minha, mas escutei algumas vezes: “Se o valor é pequeno, a culpa é do cliente, e se o valor for grande, a culpa é da empresa”

Porque a empresa tem que tomar cuidado de não oferecer crédito maior que a renda daquela pessoa na situação em que ele ou ela está solicitando. Quando é um valor pequeno, a pessoa provavelmente tem mais chances de conseguir pagar. 

Como a gente faz para evitar uma inadimplência, ou um superendividamento? Bão oferecemos crédito em datas comemorativas, como Natal, final do ano, Carnaval, São João. Fechamos completamente durante o período festivo e avisamos os clientes 

Nessa época do ano, existe muita propaganda para comprar, a pessoa fica naquela pressão. Se ela tem dinheiro na mão, ela gasta – e muitas vezes com coisas não planejadas, que são mais fáceis de não pagar, porque você nem lembra como gastou. 

Quais as taxas praticadas pela CloQ, em comparação com o sistema financeiro tradicional?
A gente faz entre 9% e 14%, depende desse risco de crédito, de confiança. Nem comparo com outras empresas que oferecem crédito para negativados, porque às vezes elas até se utilizam da falta de opção do cliente para cobrar taxas mais altas. 

A ideia [da CloQ] é conseguir baixar essas taxas ainda mais, para ficar dentro de um nível bem mais acessível para essa pessoa que está investindo no seu pequeno negócio… Mas isso vai acontecer com o tempo 

Quanto mais a gente crescer e mais dados tiver, melhor o nosso algoritmo vai conseguir funcionar, dando resultados legais. E assim a gente vai ter mais confiança nos nossos usuários, e conseguir menores taxas. 

Você mencionou que a CloQ possui uma análise de crédito especial, independente do SPC e do Serasa. Como essa análise funciona na prática? Quais critérios são utilizados para determinar a elegibilidade de um cliente?
Tem dados do cliente que ele coloca no cadastro; também usamos dados públicos que o governo compartilha no Portal da Transparência, e temos dados de utilização do aplicativo. Então, é uma mistura.

Nesses dados temos mais de mil pontos que podem ser construídos para esse cliente. Um exemplo: o cliente que diz que mora na Avenida Paulista, mas ele abre o aplicativo e está lá do outro lado de São Paulo, em horários estranhos [em que a pessoa supostamente estaria em casa], então isso nos dá um pouco de “ah, talvez aqui alguma coisa não está correta”

A ideia é que a gente tem que encontrar verdades, e quando a gente não encontra essas verdades, vai aumentando o risco de comportamento desse cliente. 

O aplicativo CloQ é a principal interface do usuário. Como vocês garantem que ele seja acessível a pessoas com diferentes níveis de familiaridade com tecnologia? Há suporte para aqueles que possam ter dificuldades?
Em termos de internet, conseguimos fazer com que o aplicativo ficasse bem leve. Então até com 3G ou 4G fraquinho ele abre e funciona legal. 

Essa parte de entendimento é legal porque a gente demorou até um bom tempo para construir a UX do aplicativo, baseada nas perguntas do atendimento ao cliente. 

Estamos sempre atualizando as telas para ter, além de letras bem grandes, poucas palavras e botões bem visíveis. Não temos scroll [barra de rolagem], porque vimos que muita gente não sabia que precisava dar scroll – e ficava procurando o botão que estava no fim da tela

Tem pontos que a gente não tem como alterar, como a assinatura de contrato digital, então utilizamos uma ferramenta do mercado que é mais formal e é utilizada para o e-mail do cliente; construímos um sistema de ajuda para auxiliar o cliente com isso. 

No envio de comprovante de residência, em que sempre tínhamos problemas, substituímos texto por GIF que ilustra a maneira correta de enviar. Isso diminuiu muito a quantidade de erros nesse envio. 

O mercado de crédito digital vem crescendo muito. O que diferencia a CloQ de outras fintechs com proposta semelhante?
A gente não está interessado em quanto mais, melhor. Eu poderia te dizer “meu score de crédito está super massa, está perfeito, e eu vou continuar com os meus juros do jeito que está, porque aí eu vou fazer mais dinheiro”. Mas não, minha ideia – a ideia da CloQ – é baixar os juros se o score do cliente melhorar. 

Vemos a CloQ como intermediária para o cliente ir embora para algo melhor. Não queremos que o cliente fique pagando crédito, pegando outro, e que só tenha a CloQ como opção 

A ideia é que ele vai começar com 150 reais, tenha o limite máximo de 500, e uma vez que ele tenha a oportunidade de pegar mais de 500, vai embora para outra empresa que ofereça 3% de juros. 

A CloQ não quer segurar o cliente, e sim que ele vá embora na verdade, que ele encontre uma coisa melhor ainda. 

Vocês ainda estão na versão beta. Como as pessoas conseguem acessar o serviço? É necessário algum tipo de convite?
Não precisa de convite, mas o cliente fica em uma lista de espera. Não temos essa quantidade de dinheiro para dizer “todo mundo que entrar vai pegar empréstimo, temos milhões de reais no bolso”… 

Então temos uma lista de espera, e vamos liberando capital enquanto entra capital. 

O dinheiro que o pessoal paga de crédito, liberamos para o mercado de novo, e assim a gente vai crescendo de forma orgânica. 

Esse ano vamos dobrar, comparado ao ano passado, mas ainda assim é um crescimento muito aquém do que poderíamos crescer, se começarmos a escalar mesmo

A ideia agora é ter o foco no score de crédito, deixar ele robusto, com capacidade. Fechamos parceria com uma nova financeira, vamos conseguir escalar com isso. 

E aí a ideia é se preparar para levantar uma rodada de capital e assim atender mais clientes, para acabar essa fila de espera.

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