Marcia Brezinski descobriu que estava com um câncer raro em abril de 2020, aos 64 anos. A doença começou na vesícula e se espalhou para o fígado e o pulmão. Ela chegou a fazer quimioterapia, mas não resistiu e faleceu dois meses depois.
Essa história podia terminar por aqui, com um final triste para a família. Como não podia mudar o desfecho, a filha de Marcia, Natália Brezinski, 28, decidiu transformar o luto em algo maior, criando a Lieve, marca de cosméticos com foco em mulheres em tratamento oncológico e seus cuidadores. Ela afirma:
“A Lieve é uma forma de ressignificar a minha dor, para que ela deixe de ser amarga e se transforme em algo doce, digamos assim. É por meio dela que busco oferecer a ajuda que eu não tive na época em que minha mãe ficou doente”
Segundo a empreendedora, os médicos não falaram nada em relação às sensibilidades na pele causadas pelo câncer. “Minha mãe emagreceu muito, foi definhando e a pele ficando muito ressecada”, diz Natália. “Ela não conseguia nem tomar banho, de tão frágil. E os médicos agiam como se nada estivesse acontecendo, só queriam tratar a doença.”
Como os médicos não indicaram nenhuma formulação nem alertaram sobre a nocividade de alguns produtos, Natália, que assumiu o papel de cuidadora da mãe, continuou usando o que já tinha em casa.
“Hoje, fico pensando em como pude passar cremes com ureia nela sem saber que não podia… Foi muita falta de informação”, diz.
Enquanto a mãe sofria com a doença, Natália começava a enxergar lacunas no mercado e nas redes de apoio.
“Senti muita falta de produtos específicos e com qualidade para pacientes oncológicos, já que todos os outros causavam efeitos colaterais ou não eram tão eficazes e seguros quanto deveriam ser”
Toda essa experiência fez com que a jovem repensasse sua trajetória e buscasse mais propósito. Então, menos de um ano após a morte da mãe, em março de 2021, Natália abandonou o trabalho como advogada no setor jurídico da Track&Field para empreender neste nicho com a missão de ajudar outras pessoas que passam pela mesma situação.
E são muitas. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), somente em 2022 o Brasil deve registrar cerca de 625 mil novos casos de câncer (50,3% entre homens e 49,7% em mulheres).
Assim que começou a pesquisar o assunto, Natália contratou uma equipe, com gestor de negócios, estratégia de vendas, cosmetóloga e tricologista.
Porém, durante esse processo de formação da empresa, a cosmetóloga, responsável pelo desenvolvimento das fórmulas, descobriu um câncer de mama. Como ficou muito debilitada, ela precisou se afastar do trabalho.
“Foi uma coincidência infeliz, mas ela mesma pôde testar todas as formulações. E quando começaram a cair os fios dela e dar coceira e ferida no couro cabeludo, achei que o primeiro produto tinha que ser com foco em quem fica careca”, diz Natália.
Foi assim que elas decidiram desenvolver uma espuma de limpeza.
“Eu sabia que começar com esse produto ia ser difícil. Além de ser específico para quem tem câncer, é específico para quem fica careca. Mas ela [a cosmetóloga] testou e teve um resultado magnífico. Não é nosso carro-chefe, mas é o item mais especial que a gente já desenvolveu”
Até levar o produto ao mercado foram meses de pesquisa e um investimento de 500 mil reais da própria fundadora. A empresa foi lançada em novembro de 2021 e a espuma (98 reais, 150 ml), em abril de 2022. Além de limpar e hidratar, o produto ajuda a restaurar o equilíbrio do microbioma cutâneo. “A diferença de um xampu para a espuma é que o primeiro usa espessante e a gente não queria utilizar nenhuma química. A espuma é só água e ar.”
Os três produtos da Lieve: creme para mãos, espuma de limpeza e creme para os pés.
Depois, a Lieve lançou um creme para as mãos (R$ 59,90) e outro para os pés (R$ 64,90). O motivo: “Descobri que, durante o tratamento, muitas mulheres sofrem com uma ‘síndrome’ que faz rachar toda a sola do pé e palma da mão.” Ambos, cada um com sua especificidade para a área de aplicação, reduzem a sensibilidade e a profundidade das microfissuras cutâneas.
Todos os produtos da empresa são veganos, livre de parabenos, sulfatos, petrolatos e álcool, substâncias que agridem a pele. Também não têm fragrância (mas sim óleos essenciais). Além disso, são hipoalergênicos, dermatologicamente testados e com prebióticos.
“A gente investiu em insumos de qualidade, porque essas pessoas precisam de resultado imediato com o que usam. Elas não podem esperar dois ou três meses para ver o efeito.”
Para mergulhar neste universo, Natália realizou, no começo da empresa, um workshop com 20 pacientes mulheres para entender do que elas mais precisavam e o que esperavam de uma marca como a Lieve. Desde a fundação, já foram três rodas de conversa.
Essas rodas online ocorrem com pacientes convidadas e também com mulheres atendidas pelas instituições parceiras da Lieve. São quatro: Cabelegria, Casa Paliativa (projeto da Casa do Cuidar), GAPC (Grupo de Apoio a Pessoas com Câncer) e GRAACC. Além de estar em contato com pessoas dessas organizações, a Lieve ajuda na divulgação delas, com doações financeiras e de produtos para eventos.
“Semana passada, teve um retiro da Casa Paliativa na pousada Vila Infinito, em São Francisco Xavier (SP), só para pessoas em tratamento oncológico, e doamos nossos produtos para as pessoas poderem usar neste momento”, conta.
Natália afirma que o mais importante dessas trocas com as pacientes é entender como amenizar seu sofrimento.
“Quando se fala de câncer, as pessoas se afastam, até mesmo os familiares. Quantas mulheres disseram que os maridos se separaram quando elas ficaram doentes, carecas ou tiveram que retirar as mamas… Os amigos muitas vezes não sabem o que falar”
Por isso, ela quis fazer da Lieve uma comunidade em que se fala de câncer sem tabu. “É uma rede tanto para quem está passando pela doença quanto para quem está sofrendo com o luto e a dor de ter perdido alguém.”
No site da empresa e nas redes sociais, há espaço para as pessoas compartilharem depoimentos; o blog busca ser um canal para ampliar o debate sobre a doença, com informações validadas por especialistas e pacientes.
Um detalhe é que, embora os produtos possam ser usados por homens e mulheres, a comunicação da Lieve é direcionada ao público feminino e tem o objetivo de fazer com que essas pacientes recuperem sua autoestima e proporcionar conforto durante a rotina.
“O que oferecemos com nossos produtos é um tratamento complementar. A gente não vai curar nada, mas queremos ajudar neste processo. Não é porque a pessoa está doente que tem que deixar o bem-estar e a autoestima de lado”
Natália diz que a mãe dela sofreu muito com essa questão. “Ela se olhava no espelho e chorava.” Nos workshops, a empreendedora também ouviu reclamações de mulheres por não poderem mais passar maquiagem ou esmalte, devido às substâncias químicas presentes nesses cosméticos.
Sem perder de vista o propósito da empresa, ou seja, amenizar incômodos de pacientes oncológicos, Natália afirma que os produtos da Lieve podem ser utilizados por qualquer pessoa com pele sensível, esteja ou não enfrentando a doença. “Sempre falo que se é bom para o paciente, é bom para todo mundo.”
OUTROS PRODUTOS JÁ ESTÃO EM DESENVOLVIMENTO, ENTRE ELES UM DE AROMATERAPIA
Segundo a empreendedora, a Lieve já tem mais seis produtos em andamento que devem chegar ao mercado nos próximos dois anos. Entre eles, um aroma antidepressivo que está em fase de testes.
“Foi feito um estudo no Japão recentemente que comprovou que o cheiro durante o tratamento oncológico faz toda a diferença no psicológico do paciente”, diz Natália. “Minha mãe mesmo nunca teve depressão, mas depois que descobriu o câncer começou a ficar deprimida.”
Outros produtos por vir são um tônico capilar de crescimento e um hidratante em spray. No caso último produto, explica Natália, a ideia é facilitar a vida do cuidador, para o que o profissional não precise manipular o corpo do paciente na hora da aplicação.
“Tentamos sempre priorizar e facilitar a rotina dos cuidadores, pois são eles que vão às loja em busca dos produtos e que acabam aplicando no paciente.”
Enquanto os novos itens não chegam ao mercado, o plano para o futuro é colocar o catálogo atual nas farmácias próximas a hospitais e dentro de clínicas oncológicas.
Hoje, os produtos são vendidos no site da Lieve e nos marketplace Mercado Livre e Amazon. Em no máximo três meses, afirma Natália, estarão também nos sites da Rede Drogasil e Droga Raia.
Mesmo dando ainda os primeiros passos, a empreendedora acredita que já conseguiu o retorno esperado para esses poucos meses de operação. Não só financeiro (a previsão de faturamento é de 400 mil reais para o primeiro ano).
“Neste pouco tempo, entendi que empreender é doação. Você tem que se doar ao seu máximo por um prazo indeterminado sem saber quando aquilo vai te dar retorno. Por outro lado, eu tenho tido tanto apoio de pessoas torcendo comigo. Isso tem sido rico e recompensador desde o primeiro dia”
Claro que no começo deu aquele frio na barriga… mas agora que os produtos estão circulando por aí e sendo bem recebidos, Natália percebe que está conseguindo honrar a memória de Marcia como gostaria.
“Meu pai não queria que eu largasse a profissão. Quando falei que ia sair do meu emprego, todo mundo ficou muito em dúvida… Mas depois que viram que eu estava empenhada e feliz, foi orgulho puro. Meu pai chora e fala que minha mãe está muito orgulhosa. É por ela mesmo que faço tudo isso, e para ajudar outras pessoas na mesma situação.”
Em 2023, para cada real de lucro, a MOL Impacto destinou 5 reais a organizações sociais. Roberta Faria fala sobre a cultura de doação no Brasil e como sua empresa engaja consumidores através do varejo para ajudar a construir um mundo melhor.
Pesquisas clínicas podem trazer uma melhora na qualidade de vida ou até a esperança de cura para pessoas com doenças como o câncer. A LifeTime facilita o acesso a esses tratamentos em fase experimental, e de forma gratuita para os pacientes.
Helen Pedroso fala de ação no povoado com maior incidência do xeroderma pigmentoso no mundo. Iniciativa une expertise da marca com a possibilidade de construir uma resposta a uma questão de saúde pública.
