Uma junção de oportunidades e demandas da tecnologia e da sociedade fez nascer a startup MakePi, que começou a funcionar em março do ano passado em Campinas (SP) com foco em hardware — mas vai vender, de fato, nos EUA antes daqui. O projeto surgiu dentro da escola de computação para crianças Happy Code como uma forma de atender a um pedido dos alunos e professores: que tal existir um computador para esse público?
“As escolas têm muitas dificuldades para inserir a tecnologia para os alunos, fundamental e elementar, no Brasil mas até nos Estados Unidos. Não há um produto próprio para as crianças, que seja atrativo e atenda às novas necessidades da escola. Vimos isso na própria Happy Code”, conta César Martins, 27, um dos fundadores das duas companhias.
Formado em engenharia da computação, ele já tinha trabalhado no passado com hardware, mas na indústria de desenvolvimento de produtos eletrônicos. Porém não com microcomputadores. Aí entrou em cena uma mini revolução recente da tecnologia para ajudar, o Raspberry Pi — trata-se do projeto de uma fundação do mesmo nome, que começou em 2011 no Reino Unido, para criar um computador do tamanho de um cartão de crédito e que custasse 35 dólares, justamente para democratizar o ensino de tecnologia no mundo. Atualmente os kits Raspberry Pi têm inspirado uma série de projetos empreendedores e educacionais.
“Eu já era entusiasta dessa tecnologia, mas o grande desafio era tornar isso atrativo para uma criança. O kit tem uma interface complicada, a tela preta, terminal, comandos, então democratiza o acesso mais ainda é muito técnico. Então pensamos como transformar o Raspberry Pi em um tablet”, conta o empreendedor.
COMO A TECNOLOGIA ENCANTA CRIANÇAS? SENDO LÚDICA
A startup recebeu um investimento próprio de 150 mil dólares (cerca de 480 mil reais) para encarar isso. Foram três fases principais de trabalho e aprendizado para concretizar isso.
César recorda que sua equipe passou alguns meses em entrevistas com professores e estudantes. “Aproveitamos a experiência e o feedback dos nossos alunos e professores. Deram dicas importantes para a parte lúdica não ser deixada de lado. Por exemplo, o produto tem na sua parte frontal um encaixe para peças de Lego e isso foi ideia de uma criança. Ela disse que ia ser legal se pudesse mudar a cor dele, com pecinhas de Lego coloridas. Adoramos”, diz.
Isso evoluiu para a forma como o tablet será vendido, e que recebeu o nome de MakePad. O produto tem manual de instruções para o próprio usuário montar e aprender também com isso — placa do processador, bateria, alto falante, tela e placa de vídeo – tudo tem que ser ligado e encaixado e a criança aprende o significado de cada peça.
Todos os componentes foram desenvolvidos na MakePi (que tem quatro funcionários) mas, depois, César foi para a China e passou cerca três meses em busca de fornecedores capazes de entregar os componentes criados. Tudo é customizado por conta dos encaixes do tablet.
“Essa fase é delicada porque temos que aliar a busca de tecnologia, bom preço, responsabilidade social, qualidade e entrega. Tudo na China”
Ele diz que, por conta disso, levou alguns meses — e várias visitas ao país — até encontrar os fornecedores mais adequados.
E a última tarefa da companhia era pensar que softwares poderiam se encaixar numa nova visão de ensino de tecnologia para crianças e jovens. Pelo fato do hardware já ter um caráter todo lúdico o ensino não poderia ser com aulas de programação tradicionais.
A CRIANÇA CONSTRÓI O HARDWARE E USA UM SOFTWARE LIVRE
O sistema operacional é baseado em Linux, que roda no Raspberry Pi, mas ele não foi desenvolvido originalmente para rodar com touch screen — e nem para ser usado por crianças. Por isso, a startup desenvolveu um sistema operacional personalizado, chamado de MakeOS.
O produto em si, o MakePad, pesa 950 gramas, tem tela sensível ao toque de 10,1 polegadas, memória flash de 16 GB e é indicado para uma idade a partir de 5 anos.
E os aplicativos do tablet são baseados no modelo norte americano de ensino STEM (em português, sigla para ciência, tecnologia, engenharia e matemática).
“Há duas ferramentas para aprender programação de um jeito que as crianças gostem, não apenas programar por programar. Em uma delas, as crianças podem criar música com programação, como se fosse um quebra-cabeça, com notas e repetições. Outra é um aplicativo baseado no jogo Minecraft, para aprenderem a programar visualmente”, afirma César.
Os alunos também podem aprender codificação em Python em um módulo mais avançado. No Minecraft, eles começam com uma linguagem visual e, depois, o que eles montaram pode ser visto na linguagem de programação Python. O empreendedor fala de seu objetivo:
“O mais importante, a quem quer que seja, é compreender a tecnologia e utilizá-la para a resolução de problemas, independente de ser um programador ou não”
O projeto de vendas da MakePi vai começar nos Estados Unidos. Segundo César, essa decisão foi tomada basicamente pelo maior tamanho do mercado e porque a cultura de startups de tecnologia que lidam com hardware é bem mais desenvolvida naquele país.
INOVAÇÃO BRASILEIRA, MERCADO NOS EUA
Esse caminho começou na CES 2018, uma das maiores feiras de tecnologia do mundo e que aconteceu entre os dias 9 e 12 de janeiro, em Las Vegas. A MakePi foi uma expositoras. A ideia, em seguida, é fazer uma campanha de financiamento coletivo com divulgação centrada nos EUA. “Será um crowdfunding para financiar o primeiro lote de produção, a ser entregue para quem apoiar. Temos uma meta de produzir de 500 a mil unidades, em torno de 100 mil dólares”, diz o empreendedor.
O MakePad vai custar 269 dólares (ou 864 reais) e César diz que pessoas do Brasil e outros países também poderão fazer a pré-ordem. “Ele também será vendido diretamente no Brasil, mas ainda está no processo para adaptação de normas brasileiras, como no Inmetro”, diz. Obviamente, será disponibilizado para alunos da Happy Code.
O QUE SE APRENDE VENDENDO LÁ FORA
A participação na CES, conta, foi importante não só para fazer contatos e para estudar como é a distribuição no varejo americano. Ele diz que as conversas que teve com consumidores também lhe ensinaram muito. Percebeu, por exemplo, que em última análise são os pais que vão comprar e aprovar também o MakePad. Então é como se ele precisasse vender para dois públicos.
“É uma comunicação diferente, não só para falar da importância educacional”, diz. Ele conta que, na feira, uma mãe conversou com ele no primeiro dia, ele explicou todo o conceito, mas ela disse duvidar que sua filha de sete anos fosse gostar de algo que requer paciência para ser montado algo. “Eu disse para ela que mesmo já estando habituada a um tablet ou smartphone, ela ficaria curiosa por poder ela mesma construir e aprender a programar seu próprio computador. A mãe voltou à feira, no dia seguinte, e disse que a filha queria um Makepad de presente”, conta. É assim, montando pedacinho por pedacinho, que César vai construindo seu negócio.
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