Uma vez escrevi que uma boa epígrafe para mim mesmo seria mais ou menos o seguinte: “Um cara que viveu premido entre a necessidade de garantir a sobrevivência e o desejo de construir uma obra relevante”.
De um lado, trabalhar para comprar comida, pagar o aluguel, vestir os filhos. De outro, o sonho de obter alguma grandeza com o resultado do meu trabalho.
De um lado, a faina diária, o orçamento doméstico, o saldo bancário, a ponta do lápis buscando equilibrar receitas e despesas. De outro, a vaidade de ter alguma estatura profissional com as coisas que faço
Numa mão, a pressão de assegurar o dia de amanhã – como um escravo do dinheiro. Noutra, uma fantasia de reconhecimento e posteridade – como um escravo do olhar alheio.
Numa mão, preocupações mezinhas, muquiranas. Noutra, expectativas condoreiras a meu próprio respeito.
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Penso que nunca conseguirei resolver essa equação. Em nenhuma de suas variáveis.
Nunca estarei 100% seguro em relação à minha capacidade de garantir a mim mesmo e à minha família as condições materiais que desejo. E ainda estou muito distante de produzir uma obra capaz de me suceder no tempo – ou de angariar a admiração que gostaria de ter nos lugares em que atuo.
Tendo adentrado a década dos 50, no entanto, além de não ter solucionado essa dicotomia, descobri outra. Com potencial para esculpir uma segunda epígrafe em minha lápide.
É assim: você passa a vida toda buscando o sossego. E, no entanto, o sossego é possivelmente a pior coisa que pode lhe acontecer
A vida adulta é uma corrida para resolver problemas. Para aprender coisas. Para dar baixa em pendências. Para operar conquistas. Para adquirir badulaques.
Ao longo desse processo de crescimento pessoal, e de desenvolvimento profissional, tudo que você quer é chegar lá. Você sonha preencher essas lacunas em definitivo. Até atingir o ponto de não precisar mais correr tanto. Ou de simplesmente não precisar correr mais atrás de coisa nenhuma.
Ou seja: enquanto estamos na batalha, debaixo de sol a pino, tudo que queremos é sombra e brisa fresca. Enquanto estamos na lida, na batida, tudo que queremos é poder descansar.
No entanto, ao parar, passamos a sentir uma falta brutal de movimento em nossas vidas. A tranquilidade rapidamente vira tédio. No dia seguinte, o sentimento de paz começa a se transformar em melancolia.
Eis o ponto: você passa décadas sonhando com algum tipo de aposentadoria – do INSS à independência financeira. E quando você chega perto dessa condição, começa a perceber que sem trabalho, sem um projeto, sem desafios, sem tensão, sua vida corre o risco de ficar vazia. Desprovida de sentido. Sem a menor graça.
Porque a vida carece de dinamismo. Não existe parar. A corrida só acaba quando você termina. A ausência de embate, de conflito, de um objetivo, é a ausência de vida
A gente costuma associar a longa caminhada da vida adulta com sofrimento. Mas a verdade é que o sossego é a morte. Quem sonha muito com o fim de todas as pressões, com um dia a dia sem nada que lhe puxe e lhe faça crescer, no fundo está sonhando com a inexistência.
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Parece que resolver a vida, a partir de determinado ponto, passa por aprender a equilibrar essa gangorra.
Deixar para trás a ansiedade de ter que resolver um monte de coisas entre às 9h e às 19h, sim. Mas sem cair na depressão que nasce de não ter mais nada para resolver, em dias que parecem todos iguais, e que escorrem lentos e opacos pelo ralo do tempo.
Abdicar do estresse de jogar uma partida dura em que só a vitória interessa, sim. Mas sem abraçar a pasmaceira que nos espera depois do apito final, com as luzes apagadas e o estádio vazio.
Perceber que acordar todo dia sem saber de onde virá a próxima refeição é uma barra. Mas acordar todo dia tendo tudo já resolvido ou bem encaminhado também é desesperador.
Entender que a agenda não pode ficar vazia. Você não pode ir deitar hoje sem ter uma coisa muito bacana programada para fazer amanhã.
Acredite: antes aquele velho medo de sair da cama diante de tanta providência esperando por sua ação do que a inação de não ter nada para fazer – e assim não encontrar motivo algum para sair da cama
Enfim: uma vida não-criativa é uma não-vida. Uma existência não-produtiva é uma falsa existência. Lembre disso na próxima vez em que projetar seu futuro.
Adriano Silva, 51, é jornalista, fundador da The Factory e publisher do Projeto Draft, do Future Health e de Net Zero. É autor de dez livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV, A República dos Editores e Por Conta Própria: do desemprego ao empreendedorismo – os bastidores da jornada que me salvou de morrer profissionalmente aos 40.
Quantos anos de trabalho você ainda tem pela frente? Entenda por que a métrica para se determinar a fatia economicamente ativa da população está defasada – e por que deveríamos inverter já o nosso conceito de longevidade.