por Davi Teófilo e Rodrigo “Kiko” Afonso
Embora sejam cada vez mais comuns notícias sobre empresas unicórnios (que receberam uma avaliação de mercado acima de 1 bilhão de dólares), o ambiente para inovação no Brasil passa por uma fase crítica. De acordo com o Índice Global de Inovação (IGC), o Brasil caiu duas posições em relação ao ano anterior, para o 66º posto, entre 129 países.
Os desafios para aqueles que querem iniciar um empreendimento inovador de alto impacto são inúmeros e aparecem de diferentes formas, seja pelo excesso de burocracia, pela dificuldade de conseguir investimentos e principalmente por um ambiente regulatório altamente complexo.
Hoje, nos parece consenso que é importante melhorar o ambiente institucional da inovação e do empreendedorismo no Brasil, transformando a inovação em uma política de Estado e não de governos
Em levantamento recente, organizado pelo Dínamo, em que mapeamos todos os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e Senado Federal que tratam direta ou indiretamente sobre inovação, nos parece claro que a pauta sobre empreendedorismo e inovação no Brasil é suprapartidária e supra ideológica: em tempos de alta polarização, o fomento a startups é um dos poucos denominadores comuns a praticamente todos os principais partidos representados no Congresso Nacional.
Leis e regulações podem ser tanto mecanismos limitadores como de estímulo à inovação e ao crescimento econômico, dependendo da forma como são elaboradas
Se bem-feitas, podem desempenhar importante papel no desenvolvimento econômico e social. Partindo dessa premissa, acreditamos ser fundamental a criação de um Marco Legal das Startups no Brasil (Projeto de Lei Complementar 146/19), que incentive a inovação e fortaleça o ecossistema o empreendedor.
Pelo seu alto risco, o ecossistema de startups exige uma estrutura regulatória ágil, previsível, estável e que suporte, inclusive por meio de regulações assimétricas, startups em sua fase inicial, principalmente em temas como tributação, contratos, propriedade intelectual, direito societário e falências.
No Brasil, as startups ainda não possuem regulamentações específicas e seguem as mesmas burocracias das empresas tradicionais, como em aspectos societários e tributários. O formato atual não condiz com o dinamismo e a flexibilidade que esses negócios precisam para crescer e trazer valor à sociedade. O Marco Legal das Startups tem como objetivo melhorar esse ambiente e, entre suas principais mudanças, estão: a conceituação do que é startup e a simplificação de modelos societários.
Podemos destacar quatro eixos centrais da proposta de regulamentação:
– Desburocratização do ambiente de negócios da empresa;
– Facilitação e segurança jurídica nos investimentos e recursos financeiros, para aqueles que investem em startups;
– Busca de soluções para processo de licitação de compras públicas, ou seja, uso do poder de compra do Estado para incentivar as empresas;
– Definição da formalidade jurídica quanto às relações trabalhistas.
Por ser um modelo recente e diferente dos modelos empresariais anteriores a conceituação de startup ainda não é muito clara e pode variar para cada pessoa e instituição. Dessa forma, um dos objetivos do Marco Legal é trazer uma uma conceituação institucional, deixando claro os critérios para definir quais empresas se encaixam nele e quais não se encaixam. A partir de então, será possível regular de forma mais precisa os negócios que se enquadrem como startup, definindo deveres e obrigações a cada uma e possibilitando a criação de incentivos direcionados a este grupo específico
Hoje, temos duas principais abordagens para a conceituação, uma mais restritiva e outra mais abrangente. Uma definição abrangente implica em um custo proporcionalmente maior, dificultando a implementação de iniciativas de apoio por conta do impacto em contas públicas nas questões tributárias e fiscais. De outro lado, quanto mais restritivo o conceito, maiores podem ser os mecanismos de apoio, mas o público-alvo beneficiado será menor.
Assim, é essencial que essa definição consiga um meio termo para que mais iniciativas sejam apoiadas, mas que também tenha as suas características definidas para que outras empresas, que não não são startups, não tentem se enquadrar nessa categoria por falta de definições claras, se beneficiando do Marco Legal indevidamente e restringindo a possibilidade de criação de incentivos.
Uma das principais mudanças discutidas na elaboração do Marco Legal são os tipos societários que hoje existem no Brasil. Hoje, a S.A, é o principal tipo societário utilizado para os investimentos de venture capital, devido à maior flexibilidade e proteção que garante a seus acionistas, comparativamente com a sociedade limitada. As possibilidades, como a emissão de valores mobiliários e outros instrumentos importantes de governança corporativa, fazem com que os investidores adotem esse tipo societário para instrumentalizar investimentos.
Entretanto, sociedades em estágio inicial, como as startups, por vezes ainda com pouco faturamento, não tem possibilidade financeira para utilizar o tipo societário da S/A, que cria grandes desafios e deveres, como realização de assembleias gerais, convocações, publicações, arquivamentos, obrigação de ter dois diretores etc. Dessa forma, em estágios iniciais, adotar o modelo de S/A aumenta os custos, tendo em vista que parte do investimento aportado nessas empresas terão que cobrir despesas relacionadas ao funcionamento burocrático da sociedade.
O código civil de 2002 criou uma lacuna entre a sociedade LTDA e S/A, visto que os modelos são dois extremos — a S/A com altos custos de operação e a LTDA com diversos problemas em relação a responsabilidade dos sócios.
Dessa forma, uma das propostas do Marco Legal é a criação de uma S/A simplificada, no qual grande parte dos requisitos exigidos para constituição e funcionamento das sociedades anônimas seriam reduzidos, atendendo-se aos anseios dos pequenos e médios empreendedores que queriam utilizar do regime das companhias, além de facilitar o investimento de alto risco
Um dos principais objetivos do Marco Legal é a captação de investimentos, principalmente retirando a responsabilidade dos investidores sobre o risco do empreendimento, a não ser, obviamente, em casos de fraude.
E para incentivar que as reservas de capital saiam de investimentos mais conservadores e migrem para o venture capital, a mera redução na taxa básica de juros de um país não é suficiente, sendo necessário criar mecanismos institucionais e regulatórios que incentivem essa tomada de riscos, como tributação, limitação de responsabilidade patrimonial e flexibilidade contratual.
Entenda melhor sobre o assunto: no Verbete Draft mais detalhes a respeito do Marco Legal das Startups
O Dínamo vem lutando pelo Marco Legal das Startups desde 2015, trazendo ao governo propostas e levantando a questão junto à sociedade e ao governo. Nestes últimos três anos as propostas se consolidaram junto ao Governo e o mesmo organizou um grupo de trabalho interministerial e com participação de diversos atores da sociedade civil e do setor privado, juntando mais de 120 representantes nas discussões do Marco.
Após meses de debates, o Governo consolidou as propostas e enviou para consulta pública uma prévia das questões tratadas no Marco Legal. Centenas de entidades e indivíduos participaram gerando um enorme volume de contribuições que foram consolidadas e levadas para tramitação dentro do governo em suas mais diferentes instâncias.
Este processo se encontra na reta final e acreditamos que em breve irá para a Câmara e deverá tramitar na Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, onde serão realizadas audiências públicas para debater os temas abordados na proposta e colocados em votação a seguir
O Dínamo estará presente em todas elas para acompanhar e lutar para que as propostas não sejam desfiguradas. Nossa expectativa é ver este processo finalizado ainda no primeiro semestre de 2020.
A pesquisa e a inovação desempenham um papel essencial nas economias contemporâneas. Em diversos países do mundo é notório o papel que o governo e as políticas públicas desempenharam para o fomento do desenvolvimento econômico inteligente, inclusivo e sustentável. Acreditamos que em um contexto que o desenvolvimento é cada vez mais pautado pelas inovações tecnológicas, a criação de um ambiente institucional e regulatório moderno é essencial.
É primordial compreender a importância da regulação nesse processo, principalmente em um país que tem um arcabouço regulatório complexo e, muitas vezes, arcaico, o que alimenta um grande número de processos burocráticos e cria barreiras ao empreendedorismo
Assim, esperamos que em 2020 tenhamos a efetiva promulgação do Marco Legal, que passou por inúmeras discussões, consultas públicas e que pode transformar o ecossistema de startups brasileiro como o conhecemos.
Davi Teófilo e Rodrigo “Kiko” Afonso, respectivamente pesquisador e CEO do Grupo Dínamo, movimento de articulação na área de políticas públicas focado no ecossistema de startups e inovação, com o objetivo de ser uma ponte entre a sociedade civil organizada e o Governo, em suas diferentes instâncias, por meio de articulação política, conteúdo e apoio especializado em discussões sobre o tema.
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