Se houve um setor que sentiu um impacto profundo por conta dos desdobramentos da crise sanitária dos últimos dois anos – incluindo a digitalização superacelerada e a adoção do trabalho remoto, que depois se tornou trabalho híbrido –, este foi a educação.
A gaúcha Mariana Achutti, 38, sentiu isso na pele. Ela é a CEO e cofundadora da Sputnik – escola corporativa que nasceu em 2014 com missão de levar às empresas conteúdos em formatos “fora da caixa”, customizados de acordo com os desafios de cada equipe.
O ano de 2020, que deveria ser o da internacionalização da Sputnik, acabou virando um momento de reconstrução. “Foi extremamente complexo, justamente por termos uma atenção muito grande aos detalhes, por nossa metodologia – que pega um monte de conteúdo, aprendizado, vivência e traduz para uma visão autoral que faça sentido – não ser só um professor falando e um aluno ouvindo”, diz Mariana.
A empreendedora está há 22 anos mergulhada em desenvolver e aprimorar a metodologia chamada Experience Learning, resultado da inquietude da equipe da Perestroika (escola de metodologias criativas idealizada em Porto Alegre por Tiago Mattos e Felipe Anghinoni), da qual Mariana fez parte entre 2010 e 2012 e depois se tornou sócia.
Autodescrevendo-se como uma curadora de experiências, Mariana e a Sputnik já levaram palestras, cursos, experiências e workshops presenciais e online para mais de 34 mil alunos, em cerca de 350 empresas – entre elas estão Ambev, Boticário, Facebook, Globo e Google.
Para manter a proposta original da empresa, o time liderado por Mariana corre atrás de reinventar a disrupção e achar novas maneiras de manter a essência – ensinar pessoas a aprenderem. Com isso, chegaram até a prototipação de uma sala de aula no metaverso.
Na conversa com o Draft, Mariana Achutti contou ainda sobre como a maternidade a instigou a encontrar os novos caminhos para a educação corporativa. Leia a seguir:
Você nasceu em Veranópolis (RS), cresceu em Porto Alegre, já morou no Rio de Janeiro… Onde vive hoje?
Eu nasci no interior do Rio Grande do Sul, porque mesmo que meus pais já morassem em Porto Alegre, voltaram para Veranópolis, onde meu “dindo” era o obstetra da cidade, só para eu nascer com ele.
Cresci em Porto Alegre… foi a cidade onde vivi a infância, a adolescência e início da minha vida adulta, sempre muito conectada com o interior, para onde eu ia sempre. Digo que tive uma vivência muito urbana, mas também tinha minhas raízes e ancestralidades no interior italiano gaúcho.
Saí de Porto Alegre com 28 anos e fui morar no Rio de Janeiro, onde passei sete anos muito importantes da minha vida, por escolha própria. Eu já estava superbem na minha carreira, já tinha entrado na Perestroika, e desde a primeira vez que fui para o Rio, com 15 anos, eu me apaixonei pela cidade, pelo lifestyle
Quando casei, vim para São Paulo – meu marido é gaúcho e mora em São Paulo há 13 anos. Hoje, a minha residência é em São Paulo, mas nesses últimos anos, vivi uma vida bem nômade.
A pandemia viabilizou que a gente pudesse viver em muitos lugares, trabalhar remoto e resolvemos experimentar. Então, vivi em cinco estados ao longo da pandemia – Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo – com um bebê, porque no meio dela, eu pari… Sou mãe de um de um menino de 1 ano.
Sua trajetória profissional tem curvas acentuadas. Começa na faculdade de administração na ESPM, segue pelas agências de publicidade onde atuou, até chegar à Perestroika, onde intraempreendeu e fundou a Sputnik. Olhando para trás, você acha que antecipou características do mundo VUCA? Quem era você naquela época?
Sabe, nunca terminei a faculdade… Fiquei oito anos tentando me formar e nunca consegui.
Acho que foi isso que me deu o estalo de que a educação precisava mudar, justamente, por eu ser uma pessoa que não conseguia se encaixar no formato padrão de uma universidade
Mas eu tinha amigos [na faculdade], fiz um networking incrível… A minha entrada no mercado publicitário com certeza se deu por eu estar estudando e me conectando com as pessoas lá.
Hoje, fala-se que é preciso amar o que se faz, e que se você descobrir o que você ama nunca mais vai trabalhar. Eu sempre disse que fui descobrindo o meu propósito no movimento.
Eu me considero uma comunicadora desde sempre, por mais que tenha feito administração e vivido uma carreira sólida como publicitária. Inclusive, acredito que, hoje, o papel da educação se dá no como a gente comunica as coisas. O comunicador tem o papel de traduzir para uma forma tangível e palatável. Acho que a educação sempre precisou desse lugar.
Então, vejo a minha carreira de uma forma linear. A complexidade veio desse movimento, com o qual fui ganhando musculatura para entender a educação do jeito que entendo hoje.
Como CEO e líder, o que me dá mais tesão dentro da minha empresa é a comunicação. É a coisa com que mais gosto de me envolver. É algo que eu meto bastante a mão, boto bastante o olho — e isso está na minha herança da vida publicitária
E quando vou para uma sala de aula, quando vou pensar metodologia ou conteúdo, essa visão contemporânea é também uma herança da publicidade. Quando a gente está criando marca, identidade e branding, precisamos entender o que está acontecendo em relação à sociedade, ao mundo. Para mim tudo está ligado.
Do mercado de publicidade – nas agências Competence e Escala – você passou ao mercado de educação na Perestroika… que já tinha uma proposta diferente. Aqui de fora, o salto parece grande. Foi isso mesmo?
Foi um salto grande, sim. Em 2012, quando saí da propaganda para ir para a Perestroika, eu tinha ganho prêmio de Atendimento do Ano, em Porto Alegre. Era uma carreira em ascensão.
Eu me lembro de contar para a minha chefe na época sobre a decisão e ela dizer que eu ia fazer a maior burrada da minha vida… Quando falei para a minha mãe que ia trabalhar numa escola de criatividade, ela disse que não sabia nem como ia explicar aquilo para a minha “dinda”!
Hoje, o mundo de educação é muito efervescente, fala-se cada vez mais sobre isso, mas há quinze anos, quando eu vendia o curso de empreendedorismo criativo, precisava explicar o que era empreendedorismo, porque as pessoas não sabiam!
Quando e em que circunstâncias você migrou?
A Perestroika nasceu em 2007, em Porto Alegre, como um curso de criatividade para publicitários. Na época, todo mundo da área de Criação das agências ia fazer. Aí abriram o segundo curso – o de Atendimento – e eu entrei na primeira turma.
Esse foi para mim o grande pulo do gato, porque eu estava há sete anos na faculdade sem conseguir me formar, odiando aquilo, tendo muitos traumas, achando que eu era burra, que tinha problemas cognitivos…
Quando entrei na Perestroika como aluna, me dei conta de que era uma boa aluna, só que talvez o que eu precisasse era de um curso como aquele, no qual eu aprendia de outro jeito
Segui a minha carreira publicitária e ali fiz muitos amigos, inclusive os sócios [da Perestroika] Tiago Mattos e Felipe Anghinoni. A gente já se conhecia de festas, de churrascos de amigos comuns, e aí eles me fizeram o convite para integrar o time.
A Perestroika estava aumentando o seu range de conteúdos para além da publicidade. Então, fui chamada nesse momento, entrei com esse desafio.
E foi, de fato, um grande pulo, porque não só fui para o mercado da educação, mas fui com um papel de gestão, de como fazer essa expansão de um negócio totalmente novo acontecer.
No meu primeiro ano na Perestroika, lançamos desde um curso de agronegócio até um em conjunto com a WGSN sobre tendências, além de uma escola de mães. Foi o momento em que a gente se entendeu enquanto negócio.
Queríamos provar para o mundo que a educação pode ser entretenimento e que não aprendemos na escola o que a gente precisa para a nossa vida profissional e pessoal
Foi quando a gente tangibilizou, inclusive o [conceito de] empreendedorismo, que estava surgindo na época.
Entre 2012 e 2014, houve um hiato em que você atuou com gestão de pessoas no varejo, na Reserva. Como foi essa passagem?
Foi aquele momento que falei antes, quando eu resolvi sair de Porto Alegre. Eu ainda não tinha filhos, estava num estágio de vida interessante. A gente já tinha aberto a Perestroika Rio, ajudei bastante na implementação.
Quando decidi me mudar, disse aos meninos que ia sair da Perestroika e foi um chororô, porque eu era muito feliz e eles também. Mas a Perestroika Rio estava nascendo e seria impossível eu ir para lá com o salário que eu ganhava.
Aí o próprio Jean Rosier – que hoje é meu sócio e na época tocava a unidade do Rio – me apresentou o Rony Meisler, do Grupo Reserva, que estava com o desafio de criar uma escola interna.
Lembro de sentar com o Rony no Alessandro & Frederico Café de Ipanema e dar match na hora. Ele estava com a visão de implementar um processo de educação interno na Reserva e, de fato, era algo muito específico… não havia muitas pessoas que tinham feito isso. Foi incrível: fiquei dois anos. No primeiro ano, muito focada na criação do que hoje é a Escola de Rebeldia [escola de varejo da Reserva] que ainda existe.
A primeira turma lá foi um fracasso total… precisei me dar conta de que tinha virado para o outro lado do balcão, que estava criando não como um fornecedor ou parceiro de educação – como era na Perestroika –, mas como alguém que estava ali no varejo, tentando ensinar design thinking para estoquista de loja… algo complexo, que talvez precisasse de alguns passos atrás
Foi aí que entendi que tinha um trabalho grande a ser feito com a educação em que eu acreditava – principalmente em relação a forma e conteúdo – e dentro das organizações também.
Nesse meio tempo, a Reserva mudou e cresceu muito. Rony pediu que eu assumisse como “gestora de felicidade”, que era olhar para o colaborador de uma forma mais 360º e não só para a educação dele. Foi interessante, fiquei um tempo nisso, a gente fez uma mudança de sede, o que já deixou as pessoas felizes, estruturamos a escola de outra forma… fui me envolvendo em muitos projetos.
Vi que eu tinha potencial para olhar a educação corporativa de um jeito diferente. No momento do boom de expansão da escola, mandei um e-mail falando: “Meninos, estou com uma pulguinha me coçando… de abrirmos uma empresa-irmã da Perestroika voltada, exclusivamente, para educação in company. Acho que tem mercado, a gente tem know-how e o mercado está precisando”
Na época, a Perestroika já atendia empresas, mas não tinha a visão que acredito ser fundamental para educação: a personalização, uma educação que vai olhar para os desafios daquele time e costurar isso nos seus conteúdos — e não simplesmente só levar conteúdo.
Os meninos toparam na hora, e foi assim que nasceu a Sputnik, em dezembro de 2014.
Você já definiu a Sputnik como uma curadora de experiências cuja missão é transformar empresas, inserindo valores da nova economia — propósito, impacto, inovação, diversidade e novas formas de gestão. Qual era a ideia inicial? Existia um foco temático?
A Sputnik nasceu mais com uma visão de haver um mercado de educação dentro das organizações, mas a gente não se estruturou em relação a algum conteúdo específico do tipo “vamos falar de liderança, apresentações etc.”
A gente leva uma metodologia de ensino diferenciada, customizada, personalizada e com curadoria de temas para as empresas.
Hoje, aprender não significa mais ter uma pessoa falando e todo mundo ouvindo num horário pré-determinado. A educação já passou dessa fase. Então, como a gente cria experiências que vão ser relevantes para essas empresas de uma forma muito customizada?
Respondendo a tua pergunta, acho que foi mais com essas intenções do que com algum direcionamento. A gente tinha a intenção de construir uma educação que fizesse sentido e não levar mais um treinamento… que é uma palavra que eu odeio!
É levar um sentido para dentro das empresas já que elas estão investindo nisso. Há oito anos, quando a Sputnik nasceu, os investimentos eram muito menores. Hoje, cresceu muito.
E a gente sempre teve muito cliente, nunca precisamos prospectar. Abrimos a Sputnik em dezembro e, em janeiro, eu já estava viajando toda a América Latina pelo Facebook, para levar conteúdo para Miami, Bogotá, para o México, para a Argentina.
Falando sobre temática, muitas empresas olham para a gente e nos veem falando de comunicação, liderança, tecnologia… mas a gente já deu aula até para camareiras da Globo
Para mim, é mais sobre esse poder da educação, independente do conteúdo específico. Obviamente, trazemos temas contemporâneos e que façam sentido com o nosso propósito; mas, hoje, temos um range muito grande.
Vocês ouvem o cliente, estudam a área para poder customizar o conhecimento que vai ser levado, pensam experiências específicas para aquelas pessoas. Atualmente, há muitas teorias, como lifelong learning (que compreende os processos educativos do método formal, não-formal e informal permeados em todas as oportunidades de exercitar o olhar de aprendiz, inclusive nas relações e nas experiências cotidianas), sala de aula invertida etc. Qual é a metodologia da Sputnik?
A nossa metodologia foi herdada e customizada da Perestroika. Ela se chama experience learning e tem 53 pontos metodológicos que abordam conteúdo, estrutura, forma e emoção.
Eu digo que ela é muito empírica porque, por mais que ela faça um mesh up entre a educação clássica com movimentos contemporâneos, fomos testando, na prática, o que funcionava e o que não funcionava.
A gente diz que quer concorrer com o cinema, com a Netflix, com o Cirque du Soleil, com o barzinho com os amigos… Sempre criamos a nossa experiência de aprendizado para ser algo que as pessoas tivessem vontade de estar ali.
A sala de aula como se mantém até hoje – todo mundo em linha, uniformizado, uma carteira do lado da outra, a sineta tocando – é a réplica de uma fábrica! Ela foi criada na Revolução Industrial para se treinar, da forma mais barata possível, as pessoas para saírem dali como mão de obra. E até hoje a gente vive isso
A metodologia que a gente foi criando queria desconstruir isso que está entranhado nas alunas e alunos, para as pessoas terem vontade de vir para a nossa escola.
Quando falo da metodologia sob os pontos de forma, estrutura, conteúdo e emoção, é sobre a conexão que vamos criar. Como passar um conhecimento de forma estruturada – a gente tem framework e estrutura de curso, tese, framework de aula a aula –, não é “na louca”!
Costumo dizer que estamos vivendo a era da infoxicação. As pessoas empilham referências em conteúdo e não têm um pensamento crítico sobre aquilo que consomem! “Empilhar” é ler todos os artigos e sites, ouvir todos os podcasts, ver todas as séries e não fazer conexões profundas… isso não muda nada! Sempre nos preocupamos em não empilhar conteúdo em sala de aula.
Uma das coisas que eu converso muito, dentro dessa era do lifelong learning – termo que começamos a usar faz uns três anos para designar o processo de ser um eterno aprendiz – é: o que é aprender? Na escola, a gente não aprendeu a aprender, que é a meta-aprendizagem [análise realizada pelo indivíduo sobre o seu processo de aprendizagem].
Aprender é tudo aquilo em que a gente coloca intenção. Para eu aprender é preciso que faça sentido para mim — senão, vai virar mais um monte de referência que eu vou empilhar.
Se você coloca um pensamento crítico, uma intenção, você faz um percurso mais saudável desse aprendizado ao longo da vida — em vez de somente se infoxicar. Porque informação a gente tem. Abrimos o Google e temos resposta para tudo. Mas o que a gente faz com isso?
Refletimos sobre todos esses pontos quando vamos construir uma sala de aula para o nosso cliente. Não é uma sala de aula que vai treinar os funcionários dele. É uma sala de aula que vai fazer aqueles funcionários colocarem intenção naquele aprendizado.
É interessante: a maioria das empresas está muito aberta para essas capacitações, mas ainda buscam KPIs claros e específicos. Por exemplo: “Qual é o meu ROI em cima da educação”? Eu respondo que não farei uma prova para a turma. O engajamento é uma das principais dificuldades da capacitação organizacional. E esta é uma coisa que a gente consegue entregar com a nossa metodologia mais customizada e personalizada.
Tem algum case sobre o qual pode falar?
Eu gosto muito do que a gente fez para a Ambev, em 2019. Fomos responsáveis por toda a Academia de Marketing da Ambev – do estagiário até a diretoria – e o maior desafio nesse projeto era engajar.
Quando eu estava ainda pegando o briefing, construindo a proposta, entrei na Academia de Marketing – nunca vou esquecer – e no meio da aula, tinha gente trabalhando no computador, virado de costas para o professor! Nós fizemos cerca de 12 encontros, com conteúdos extremamente diversos e relevantes para aquele time, em que eles tiveram presença ativa, com intenção
Outro case de que eu gosto muito é o do Boticário. A gente os ajudou a construir uma metodologia – que se tornou escalável dentro da empresa – não só para os cursos em que trabalhamos, mas algo que eles também podem levar para o learn by doing, para a troca, para o aprendizado nas relações entre eles mesmos.
Hoje, trabalhamos muito com iFood, um dos nossos principais clientes. A gente leva para eles esse pensamento contemporâneo da sociedade e quanto isso está impactando as lideranças, a forma de liderar, a forma de pensar o consumidor.
Eu falo desses clientes lindos, maravilhosos, que são o suprassumo, com quem todo mundo quer trabalhar – Facebook, Google, Red Bull, Boticário etc. Mas amo trabalhar com empresas que ainda não despertaram para esse novo mundo. Por exemplo, indústria farmacêutica, bancos… que, por maiores que sejam, ainda têm aquele pensamento um pouco retrógrado.
Em artigos, você fala sobre o posicionamento empresa-escola, que pressupõe que a educação corporativa do futuro olha todos os stakeholders – da equipe ao consumidor final, passando pelos prestadores de serviço –, enquanto, lá atrás, os alicerces da aprendizagem corporativa estavam calcados em garantir baixa rotatividade e alta produtividade entre funcionários. O mercado já deglutiu isso? Em que estágio estamos? Há diferentes níveis de conscientização entre corporações e pequenas e médias empresas?
O universo corporativo como um todo – da startup e pequena empresa à grande empresa; da empresa digital à indústria – despertou para o entendimento de que vivemos uma escassez de talentos.
As pessoas hoje não estão aptas aos desafios organizacionais. Por isso, se investe muito em educação — em proporções diferentes numa startup, numa microempresa e numa empresa grande, claro.
Acho que o conceito de empresa-escola transpassa um pouco isso e vai além, porque é sobre como uma organização entrega de volta para a sociedade algo que é escasso – educação e aprendizado.
Esse despertar da empresa-escola é ainda super recente, vejo poucas empresas fazendo isso – o iFood é uma delas–, mas esse é o futuro das empresas
Pegando o case do iFood, como posso fomentar a educação dos funcionários, entregadores, restaurantes e fornecedores? Como levo esse conhecimento? Isso é algo novo, é uma mudança de mindset estrutural, principalmente no que tange ESG e movimentos de impacto não só ambientais, mas socioambientais. Esse processo de educação de empresa-escola pode entrar nesse lugar.
E respondendo a tua pergunta, acho que as pessoas ainda não têm conhecimento desse movimento, apesar de ser uma tendência estrutural gigante e uma oportunidade maravilhosa que se abre para as organizações.
Você defendeu em um artigo que para popularizar este mindset flexível e horizontalizado do aprendizado, os multiplicadores de conhecimento (figuras que representam essa estratégia e impulsionam o desenvolvimento de profissionais e o crescimento de organizações) são efetivos na disseminação e conscientização do modelo de conhecimento cíclico e autodidata. Muita gente propõe programas estruturados de mentoria. São coisas diferentes?
Vejo como coisas complementares. A mentoria é algo maravilhoso, porque estrutura esse aprendizado autodirigido, que tem tudo a ver com o que a gente estava falando de lifelong learning mais estruturado.
A mentoria corrobora, no um a um, esse aprendizado autodirigido e personalizado. Essa multiplicação de conhecimento, essa polinização – o nome do nosso curso é Pólen – pode ser vista nessa esfera e também numa esfera de democratização do conteúdo
Podemos aprender muito com as pessoas que estão ali dentro da nossa empresa, com a visão autoral dela do mercado, de conhecimento.
Quando penso em mentoria, vejo ainda um processo muito baseado no 1:1, que acho positivo e interessante. Quando penso no multiplicador de conhecimento e num polinizador, vejo como algo maior, no sentido democrático e escalável.
Pensando no contexto atual de pandemia e retomada de atividades, o que mudou nos projetos que vocês passaram a propor a partir de 2020 — sobretudo em relação a digitalização superacelerada, trabalho remoto, trabalho híbrido e fortalecimento do ESG? E qual foi o impacto de tudo isso no que vocês fazem?
Pré-pandemia a gente falava de digitalização, de transformação digital, de uma nova educação mais digital, mais híbrida. Quando a pandemia chegou, vimos que ninguém estava preparado para nada disso.
Em relação a forma, 99% dos meus projetos em 2019 foram presenciais. Hoje, 99% deles são digitais, online. Em relação a conteúdo, mudou muito, principalmente porque as pessoas precisaram criar ferramentas de trabalho.
A gente já vinha falando, há uma década, sobre digitalização, mindset ágil, soft skills como flexibilidade, adaptabilidade – que foram muito importantes para o que vivemos na prática nesses dois anos e até hoje.
Hoje, as organizações estão sedentas por ferramentas para esse novo modelo de trabalho, tanto que o curso que a gente mais vende chama-se “Híbrido”, que mescla conceito e ferramenta de como fazer isso acontecer na prática, tanto para o líder quanto para o liderado
Estamos falando muito de encontros geracionais, porque isso também é diversidade. A gente vê que que a geração X — os baby boomers — tem muito mais dificuldade de entender o trabalho híbrido, enquanto a geração Z está questionando o modelo de trabalho que se vive dentro das organizações, que foram construídas durante a Revolução Industrial e por Boomers.
Então, precisamos que esse encontro não seja um conflito, mas sim uma cocriação. Esse é um tema do qual até pouco tempo atrás a gente não falava — e é uma consequência dessa de digitalização extrema.
Me parece que a experiência presencial, estar em grupo era uma parte muito importante da metodologia de vocês. Durante 2020 não foi possível. A partir do meio de 2021 passou a ser possível, mas muita gente resistia porque ainda havia baixa cobertura vacinal. Que tipo de drama interno você e a sua equipe sofreram para adaptar ou para criar uma nova forma de dar os cursos online ou de forma híbrida. Colocar intenção por meio de tela é mais difícil?
Com certeza. A minha resposta é: todos os desafios do mundo! Se eu dissesse que estamos superadaptados à educação híbrida, que isso já está resolvido dentro da Sputnik e da Perestroika, estaria mentindo. Ninguém está preparado!
Vou te responder essa pergunta dizendo que nós estamos estruturando, organizando e aprendendo passo a passo. Hoje, as aulas são muito melhores do que em 2020. A gente consegue muito mais atenção.
Para mim, o mais relevante para conseguir a intenção – que consequentemente leva à atenção – é ter um conteúdo que faça sentido. Então, a nossa curadoria de pessoas e professores é fundamental
Outra coisa que a gente vem trabalhando muito é como fazer a cauda longa de aprendizado para que o nosso conteúdo não seja somente como uma palestra dada e sem previsão de voltarmos. Estamos criando maneiras de se perpetuar dentro das empresas com esse conhecimento – seja com podcast, e-book, painel ou uma comunidade. Estamos nesse processo de testar algo novo diariamente.
A nossa metodologia é muito consistente, estamos conseguindo colocá-la na sala de aula online, mas acho que a gente precisa ainda transformar algumas coisas. E estamos fazendo isso, inclusive com sala de aula no metaverso. Já começamos a prototipar uma sala institucional.
Ela foi criada no começo de abril e será testada com um cliente, para a gente entender como funciona, o que rola, para que seja parte da nossa metodologia, para a gente ter essa vivência mais imersiva mesmo.
Se a vantagem do aprendizado contínuo é que o aluno corre atrás de competências que fazem sentido para a própria jornada, gostaria de ouvir sua opinião sobre a disseminação de modelos de microcertificações, que são acumuladas pelos jovens profissionais? Acredita que isso pode vir a substituir o ensino formal? Você continua descrente do ensino formal acadêmico?
Em relação a forma eu sou totalmente descrente. Em relação a conteúdo, não. Eu jamais falaria isso, porque sou parceira da academia. Ela tem um papel fundamental em muitas profissões e tem toda parte de pesquisas.
Enfim, a academia é tudo, mas acho que precisa passar por um processo de transformação em relação à forma e um pouco no conteúdo também, dependendo obviamente da área.
Em relação às microcertificações, sou totalmente a favor. É uma tendência revolucionária. Elas são extremamente importantes e interessantes no sentido de que a gente vai se tornar cada vez mais generalista — e a profundidade vai se dar na necessidade certos pontos, que aí sim serão aprofundados com intenção
Em 2018, fizemos um projeto, em parceria com uma escola de programação, para mulheres. Colocamos um time de mulheres incríveis para aprender a programar.
A nossa ideia não era que as pessoas saíssem de lá e se tornassem programadoras. A intenção era que, a partir do momento que temos um pequeno conhecimento sobre aquilo, transforma-se a relação de trabalho com fornecedores, parceiros e até com propósitos de trabalho.
Acho esse um bom exemplo de por que precisamos ser mais generalistas… estamos precisando aprender sobre tanta coisa que a gente não aprendeu. Passamos, em média, um tempo gigante da nossa vida dentro da sala de aula, mas faltou muita coisa.
Então, vamos ter que correr atrás disso — e as microcertificações nos ajudam a abrir essa primeira lente.
No mapeamento deste ano dos principais macroterritórios educacionais para companhias, aparecem temas como encontro geracional, modelo híbrido de trabalho e segurança psicológica. Como se ensina segurança psicológica dentro de uma de uma empresa?
Cara, a gente não ensina. Nunca vou esquecer que participei de uma concorrência uma vez com uma escola superfamosa e as pessoas diziam que iam ensinar inteligência emocional em dois encontros…. Eu pensei: que desserviço entender a educação dessa forma.
Acho que a gente tem um papel – principalmente por conta do tempo dentro de uma empresa – de abrir os olhos e mostrar os caminhos. É muito mais sobre construir com a organização o mapa da trilha que eles vão percorrer para que, no fim dela, a organização seja uma empresa com mais segurança psicológica.
Essa trilha é enorme, passa por muitos pontos e, muitas vezes, é difícil desenhá-la dentro do lugar onde a gente trabalha, porque temos uma miopia muito grande. É óbvio que vamos passar por conteúdo, abordar e levar conceitos que talvez não tenham…, mas mais do que isso, vamos ferramentalizar para que, quando a Sputnik saia dali, eles consigam fazer essa construção.
Então, nunca vou te dizer que vamos ensinar segurança psicológica ou inteligência emocional, porque seria um desserviço. A Sputnik tem um cuidado muito grande com essa curadoria, porque ensinar é algo poderoso, mas perigoso… a depender do que se ensinava
Hoje, vivemos uma inundação: todo mundo virou palestrante, há “milhões” de escolas – o que é algo extremamente positivo –, mas enquanto educador, precisamos ter muita noção do que a gente faz e da potência do nosso trabalho. Quando se trabalha com transformação humana, é preciso ter muita cautela com que se vai levar.
Como você enxerga a sua posição no ecossistema?
Estou vivendo uma transformação interna gigantesca — como mãe, líder, empreendedora e educadora — que me exige muita força.
Hoje, o universo da educação, em especial das edtechs, é um ambiente muito masculino. Acho que eu tenho um lugar de representatividade importante
Por mais privilegiada que eu seja – uma pessoa branca que estudou numa escola particular –, ainda assim, sou uma mulher, mãe, no meio de um monte de homens que lideram a educação.
Ser mãe já transformou o seu olhar sobre a educação?
Demais! Na semana passada participei de um projeto em que entrei como especialista de educação e a minha tendência – enquanto pensar educação, estrutura, metodologia, framework – sempre foi muito direcionar as pessoas, o aluno.
Aí, eu olho o meu filho e o que acredito ser importante para educação e evolução dele é, justamente, o brincar livre, é deixar solto. E levei isso para o projeto. Pensei em trazer o método Montessoriano para esse estudo – deixar as pessoas livres para brincar
Acho que observar como alguém aprende está fazendo com que eu diga que as crianças são as pessoas mais criativas que existem… e a gente vai tolhendo a criatividade delas, porque direciona o tempo inteiro elas a serem algo que, não necessariamente, é o que elas querem.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.
Criado no interior gaúcho, Alsones Balestrin fez do seu doutorado na França um trampolim para voos mais altos. Foi secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS e hoje capacita empreendedores por meio da edtech Startup Academy.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.