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Me deixem ser pai da minha filha

Rodrigo Padron - 23 jan 2015 Rodrigo Padron, um dos milhares de pais brasileiros beneficiados com a Lei da Guarda Compartilhada, sancionada há menos de um mês no Brasil
Rodrigo Padron, um dos milhares de pais brasileiros beneficiados com a Lei da Guarda Compartilhada, sancionada há menos de um mês no Brasil
Rodrigo Padron - 23 jan 2015
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Por Rodrigo Padron

 

Tenho uma filha de quase três anos. Essa nova condição em minha vida me trouxe aprendizados e desafios. Me trouxe ainda mais alegria de viver. Nada muito diferente do contexto de outros homens – a não ser pelo fato de que me divorciei antes de minha filha completado um ano de idade. E isso fez toda diferença. Me deparei com questões éticas, legais e emocionais que desconhecia.

Descobri, por exemplo, que a lei brasileira, até dezembro de 2014, não reconhecia a paternidade. Isso mesmo! Gostaria de defender enfaticamente essa tese. Pai, para mim, é um homem que responde pelo desenvolvimento de um filho em toda sua complexidade, indo muito além da responsabilidade financeira. E era isso que a legislação brasileira não reconhecia nem enxergava.

Cuidar de gente é algo ligado ao instinto, ao dever e ao afeto. Não faz sentido dividir o mundo, usando como critério o gênero, estabelecendo tarefas de homem e de mulher. Não me parece justo que cuidar de uma casa, cumprindo tarefas como lavar, varrer o chão, passar roupa, cozinhar, costurar, entre outras, seja algo exclusivo do sexo feminino. Também não é apenas de homens a prerrogativa de desenvolver uma carreira profissional, ganhar dinheiro e prover.

Em termos de hábitos, de como a sociedade se porta na prática, faz tempo que não é mais assim. Aquela divisão de papeis sociais entre os gêneros é uma lógica ultrapassada, que reproduziu um modelo social que caducou. Não toleramos mais ouvir que “futebol é coisa de menino, balé é coisa de menina”. Somos cada vez mais humanos. Somos cada vez menos definidos pelo nosso sexo.

Quando me divorciei, eu estava amplamente preparado para dividir com minha ex-mulher todas as responsabilidades na criação da nossa filha. Não havia tarefa que eu não pudesse cumprir – considerando, inclusive, que naquele momento a amamentação não era uma realidade para nós.

Rodrigo Padron e Maria Eduardo, com dois anos nessa foto: paternidade finalmente reconhecida pela legislação brasileira

Rodrigo Padron e Maria Eduarda, com dois anos nessa foto: paternidade finalmente reconhecida pela legislação brasileira

Mas nenhum argumento lógico, de cunho emocional, moral, filosófico ou financeiro foi suficiente para desconstruir a unilateralidade do pensamento conservador, arrogante e imperativo da Justiça brasileira, que ainda insiste em dar ao pai o status de “visita”, de provedor, de alguém cuja função é de pagar as contas e entreter o filho quando necessário, limitando-se a tarefas como levá-lo para passear nos fins de semana e segurá-lo por alguns instantes no colo.

E nisso a Justiça não está sozinha. Há alguns hábitos sociais que desrespeitam os direitos de pais separados – e de filhos na companhia de pais separados. Um exemplo: sempre tive uma baita dificuldade para trocar as fraldas da minha filha em espaços como restaurantes, bares, supermercados, postos de gasolina, entre outros. Isso porque os fraldários, que deveriam ser pensados para as crianças, são na sua grande maioria pensados para as mulheres. Isso mesmo! Os fraldários, de modo geral, ficam nos banheiros femininos.

A guarda unilateral se esforça para excluir a figura do pai na rotina dos filhos. Ela elimina a figura do homem, como se isso fosse realmente possível ou aceitável ou desejável. E a guarda unilateral é discriminatória, sobretudo, com a mulher. É uma visão de mundo machista, que reduz tanto o papel do homem como o da mulher no mundo e, em especial, na criação dos filhos.

Mas esse cenário, felizmente, está para mudar. Com a sanção recente da chamada Lei da Guarda Compartilhada (Lei 13 058, de 23 de dezembro de 2014), teremos a possibilidade de experimentar a vanguarda das relações de família, em que homens e mulheres assumem funções com pesos iguais na guarda e na criação dos filhos. O Brasil entra numa espécie de seleta lista de países (poucos ainda, infelizmente), cuja lei que regula as responsabilidades de pais e de mães separados reconhece as novas relações entre homens e mulheres em curso no mundo.

Com a nova lei, a guarda compartilhada passa a ser a opção prioritária, desde que pai e mãe assim a desejem e tenham mínimas condições para isso. O que se deseja com isso é beneficiar a criança, proteger seus afetos dos eventuais desafetos que haja entre os adultos. Se um casal briga ou deixa de se amar, e se divorcia, a criança passa a contar com uma lei que protege seu tempo igualmente, tanto ao lado do pai quanto ao lado da mãe.

A Lei da Guarda Compartilhada confirma uma evolução da sociedade – mas esse não é um movimento acabado e livre de conflitos. Há mulheres que não querem que seus ex-maridos sejam pais. E há ex-maridos que estão confortáveis na falsa situação de serem “ex-pais”.

A mudança na legislação trará impactos importantes para todas as partes envolvidas, sem exceção. Os filhos, por exemplo, terão a oportunidade de ser criados também por seus pais. Terão, portanto, a figura masculina mais presente em suas rotinas. Receberão referenciais e perspectivas de mundo de um homem também. E receberão o amor e poderão contar com a proximidade dos seus pais.

Quanto às mulheres, elas terão, finalmente, a liberdade que aspiram e pela qual têm batalhado desde pelo menos a década de 60. Elas não terão mais o peso de cuidar dos filhos sozinhas. Não será mais uma imposição social, um imperativo categórico da condição feminina – ficar com os filhos e se virar com eles. As mães separadas poderão dividir essa responsabilidade sem culpa com seus ex-maridos, podendo dedicar-se a questões como carreira, estudos, novos relacionamentos amorosos, amizades e assim por diante.

Aos homens, penso que terão de ajustar seus modelos de vida, dedicando mais tempo aos filhos, e incluindo em suas rotinas funções que contribuam para o desenvolvimento deles. Os pais separados terão de aprender a renunciar. E muito! Minha própria experiência me permite citar aqui que a renúncia envolve o trabalho, os amigos, o futebol, leituras, novos namoros, por exemplo. Ou seja: pais terão que ser pais, mesmo quando não vivem mais com a mãe dos seus filhos.

A nova legislação não é o desfecho desse debate, recheado de preconceitos. Mas temos à nossa frente o início de uma grande transformação social, que passa pela mudança de ideias, de valores e de comportamentos. A lei confirma uma evolução da sociedade – mas esse não é um movimento acabado e livre de conflitos. Há mulheres que não querem que seus ex-maridos sejam pais. E há ex-maridos que estão confortáveis na falsa situação de “ex-pais”. E é por isso que a Lei da Guarda Compartilhada ainda deverá encontrar forte resistência em muitos lares e juizados de família em todo o país.

Como sou otimista, acredito que o bom senso e a tendência humana de procurar justiça nos trarão a possibilidade de conhecermos outros formatos de família, mais sustentáveis e mais fundamentados no amor e no respeito – sobretudo às crianças. Trata-se de uma reconfiguração benfazeja das rotinas familiares. Para isso, tudo que precisamos é estar abertos à uma nova ideia – que a partir de agora é lei.

 

Rodrigo Padron é CEO da agência de relações públicas ConceptPR e professor de Gestão da Comunicação Digital no MBA de Comunicação da Aberje.

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