Pouco depois de noivar de seu primeiro marido, na primavera de 1985, a dona de casa Ivanete dos Santos, 49 anos, natural de Lençóis Paulista, recebeu um convite para se mudar de São Paulo, onde vivia na época, para Pouso Alegre, perto da divisa sul de Minas Gerais. O casal havia sido convidado por um conhecido, dono de um sítio de plantação de maçãs, que precisava de alguém para ajudar na manutenção da propriedade em tempo integral. Os noivos aceitaram e, semanas depois de se casarem, partiram em um caminhão com toda a bagagem para a cidade mineira. Ivanete não sabia, mas lá ela enfrentaria uma experiência transformadora, que ampliaria a sua consciência para a importância da doação de sangue e faria dela uma doadora regular pelo resto da vida.
“A propriedade tinha mais de 1,800 macieiras, plantações de morango e de abacaxi”, diz Ivanete. “O sítio não tinha luz elétrica, e a gente fazia lamparinas de querosene com garrafas e tiras de tecido. A água vinha de um poço.” Os dois viveram na rotina da lavoura por um ano até que, em 1986, Ivanete engravidou do primeiro filho. Ela tinha 19 anos. Inexperiente e morando longe da cidade, sem carro para ir e voltar, ela não realizou os procedimentos necessários de pré-natal, o que traria complicações mais tarde.
No terceiro dia do nono mês de gestação, às 11 horas da manhã de um dia quente de agosto, Ivanete colhia espigas de milho na plantação do sítio quando começou a sentir fortes dores abdominais. Ela soube naquele instante que havia chegado a hora de dar à luz. Ivanete decidiu não esperar o marido e caminhou sozinha até uma propriedade vizinha em busca de alguém que pudesse levá-la a um hospital. Ela andou mais de um quilômetro pela estrada de terra até ser encontrada por uma senhora que passava em um trator. Ivanete foi levada, deitada na carroça do veículo, até a casa dessa vizinha, onde recebeu os primeiros cuidados. Passaram-se horas até o marido da dona da casa aparecer e levá-las para o hospital de Pouso Alegre, com uma caminhonete emprestada. Já era noite, e eles chegaram ao centro médico por volta das 21h.
“Me levaram para a área onde ficavam as mulheres em trabalho de parto, e passei ali o resto da noite e o outro dia inteiro”, diz Ivanete. “No terceiro dia, à tarde, quando estava quase escurecendo, me levaram para fazer os procedimentos de pré-parto. Eu passei todo esse tempo com muita dor. A enfermeira me pedia para ajudar, mas eu não tinha mais forças.”
Passava das 22h do terceiro dia quando um médico finalmente entrou em cena para ajudar Ivanete a ter o seu filho. Mas, a essa altura, devido ao longo trabalho de parto, ao fato de ela não ter tomado algumas precauções pré-natais, além de outras complicações, ela sofreu uma grave hemorragia durante o procedimento e desmaiou. Depois disso, ela não se lembra de mais nada. Ivanete acordou em um leito do hospital, com uma bolsa de sangue ligada à veia do braço, e as enfermeiras lhe avisando que era hora de amamentar o filho. A transfusão de sangue havia salvado sua vida.
Wellington dos Santos Nascimento nasceu com 2,68 quilos e sérios problemas de saúde. Ele ainda permaneceu no hospital por quatro meses, tratando uma pneumonia, antes de ser liberado. Durante esse tempo, Ivanete pegava caronas na estrada para ir e voltar da cidade nas visitas ao filho. Depois da alta, em janeiro do ano seguinte, Wellington cresceu saudável e hoje, aos 29 anos, trabalha como técnico de uma operadora de televisão a cabo. “Foram aquelas três bolsas de sangue que me salvaram”, diz Ivanete, que se emociona ao lembrar da história. “Se eu tivesse tentado fazer o parto em casa, provavelmente teria morrido.” Depois desse episódio, ela passou a doar sangue todos os anos, e mantém o hábito até hoje.
Iva, como é chamada pelos amigos, mora atualmente em São Paulo, e deu à luz novamente depois de Wellington, mas nenhum parto foi tão difícil quanto o primeiro. “Graças a Deus”, comemora. Ela tem hoje cinco filhos e sete netos. O casal morou no sítio de Pouso Alegre até 1993, e a família se tornou amiga da vizinha que a encontrou enquanto caminhava pela estrada de terra, a “vó Dita”.
“Me sinto bem ao doar sangue, porque sei que estarei ajudando muita gente. Não dói nada, então nem esquento. Sei o quanto é importante”, diz Iva. “Me sinto agradecida pelas pessoas que doaram aquele sangue e que eu nem conheci.” Ela também é doadora de medula, participa de campanhas de doação de sangue e sempre se dispõe a ajudar se sabe da necessidade de alguém. “Precisou, estou aí.”