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Menos sonho e mais retorno imediato: as lições de um empório gourmet que servem para qualquer negócio

Daniela Paiva - 9 nov 2017 Íris Jönck e Arnaldo Comin revisitam os próprios sonhos e contam o que mudou para o negócio sobreviver (foto: Henrique Manreza).
Íris Jönck e Arnaldo Comin revisitam os próprios sonhos e contam o que mudou para o negócio sobreviver (foto: Henrique Manreza).
Daniela Paiva - 9 nov 2017
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Pergunto para Íris Jönck a sensação ao reler a reportagem sobre os primeiros passos da Rua da Alecrim, publicada aqui no Draft há quase três anos. Ela fala que relembrou o momento em que, junto com o marido Arnaldo Comin, decidiram mudar o script das próprias vidas e escrever um capítulo bem diferente do caminho até ali. Era 2012. Os dois acumulavam carreiras sólidas, cada um em sua seara – ela na publicidade, ele no jornalismo. Naquele ano, juntaram 150 mil reais em economias e se aventuraram na concepção de um filhote inspirado na paixão compartilhada pela comida.

A Rua do Alecrim apareceu no Draft pela primeira vez em 2015 (clique na foto para ler a reportagem).

A Rua do Alecrim apareceu no Draft pela primeira vez em 2015 (clique na foto para ler a reportagem).

Nascia o empório gourmet Rua do Alecrim, com direito a loja virtual, espaço físico em São Paulo, venda para o mercado corporativo e, no topo disso tudo, a missão de disseminar a cultura do azeite.

Quando conversamos naquele início de 2015, ela diz, o casal imaginava colocar em prática “mil e um planos mirabolantes” para a cria. Claro que as coisas não aconteceram exatamente assim. Os mil e um se converteram em estratégias bem necessárias, e urgentes, como mudar de sede (desde o ano passado estão em uma casa na Rua Normandia, também na capital paulista) e a remodelação geral no site – fase que chama de volta às origens, ou seja, de turbinada no e-commerce. Ela fala do que mudou de lá para cá:

“Hoje somos mais práticos. O ideal seria assim, mas o que funciona é o assado, então vamos lá. Temos uma noção muito viva da dor e da delícia de empreender”

Íris prossegue: “É legal ver que conseguimos nos estabelecer e consolidar o modelo e as frentes do trabalho”. Se em 2014 a Rua do Alecrim fechou o ano com um faturamento em 900 mil reais, no seguinte, subiu para 1,2 milhão de reais. Em um cenário de crise política e econômica, por aí ficou em 2016. A meta para 2017 é a mesma: manter o equilíbrio nas contas e sem grandes surpresas.

Íris segue na reflexão sobre os tempos de empreendedora: “Adquiri uma casca grossa, de persistência e resiliência. Me sinto mais fortalecida para tomar esse caldo que levo o tempo todo. Encontrei formas de continuar de pé, lutando”.

Para Arnaldo, 46, a realidade teve gosto um pouco diferente. Ele comenta: “Você se conscientiza de uma série de coisas do negócio que são difíceis e precisam ser feitas, e não adianta. Não é romântico”. E tome aprendizado na cabeça! Este ano, Arnaldo viajou pela Espanha e trouxe na bagagem duas certificações de cursos de azeite. O orgulho mais recente é ter gerado so-zi-nho um rebento da Rua do Alecrim, o especializado e autoexplicativo Farinhas Italianas. “Não sou Deus, mas fiz um site em sete dias”, diverte-se.

Brincadeiras à parte, mais importante é o resultado, que inclusive chegou logo. “Faz parte do amadurecimento esse movimento mais consciente de pensar em um negócio que já comece rodando e vendendo”, afirma Arnaldo. “A adesão do Farinhas Italianas é sensacional. Sem lançamento ou promoção, conseguimos 2 000 seguidores em duas semanas e uma base de 100 clientes.”

SUPER-HERÓI TAMBÉM PEDE AJUDA

Parece clichê dizer que jornalista tem sede de conhecimento, mas é bem por aí. Não foi diferente com a persona de repórter ou editor de Arnaldo, que atuou em jornais como Valor Econômico e Folha de S.Paulo. Sua carreira mudou mas, veja só, é a velha sede por conhecimento que o acompanha nos dias mais difíceis da jornada como empreendedor. “Me encoraja muito sentir que sou capaz de aprender qualquer merda”, diz. Por outro lado, ele também conta que este aprendizado passa pela hora de buscar suporte:

“Parei de acreditar que podia saber tudo. Aprendi o que faço melhor e aprendi a pedir ajuda quando não sei. Sem isso, o negócio não vai para frente”

Um dos exemplos disso foi a decisão de terceirizarem o processo de seleção da equipe. “Tomamos muito na cabeça”, conta Arnaldo. De cinco funcionários em 2015, a Rua do Alecrim hoje foi para sete. O futuro é chegar a nove.

Íris Jönck e Arnaldo Comin revisitam os próprios sonhos e contam o que mudou para o negócio sobreviver (foto: Henrique Manreza).

A Rua do Alecrim mudou de endereço para, enfim,
ter estacionamento: e isso fez diferença (foto: Paulo Beraldo).

Uma mudança significativa aconteceu em 2016, quando a Rua do Alecrim saiu da Vila Mariana para ocupar um ponto de esquina na Rua Normandia, em Moema. O motivo puro e simples: o ponto comercial precisava de estacionamento.

Segundo eles, o novo espaço fez bem para as vendas e para os workshops e eventos, que integram a programação intensa tanto para promoção do azeite como para instigar os sensos gourmets. Eles já ofereceream cursos de pizza, maccarunni (tipo de massa italiana), já fizeram festival na rua e inúmeras degustações do óleo mágico das olivas.

Aliás, o tesão de Arnaldo pelos azeites está igualzinho ao de três anos atrás. Ele se empolga ao mostrar o azeite siciliano medalha de ouro Frantoi Cutrera, um luxo que custa 64 reais (250 ml) e que, segundo o expert certificado, vale cada centavo. Os sócios, a propósito, contam que planejam trabalhar como importadora exclusiva de títulos selecionados para o mercado B2B em 2018.

NEM TUDO DÁ CERTO, E MENOS É MAIS

Algumas possibilidades dão certo. No caminho, porém, outras que pareciam evoluções naturais do negócio simplesmente naufragaram. Arnaldo e Íris contam que embarcaram em uma tentativa de comercializar produtos para restaurantes. Deu errado. Segue o jogo. O foco, portanto, é concentrar as vendas e relacionamento com empórios nacionais e o mercado de varejo, para os quais oferecem um catálogo super enxuto, quatro ou cinco rótulos. “É uma mistura de oportunidade com necessidade”, diz Arnaldo. “Não posso depender de um fornecedor que uma hora traz o produto, noutra não”, complementa Íris.

Outra mudança desde nosso tête-à-tête em 2015 está nas prateleiras. A lojinha tinha uma vastidão de geleias, polentas, massas e temperos. “Geleia é um inferno, quando você vê tem 40 tipos e é um inferno gerenciar o estoque. Representava 1% das vendas”, conta Arnaldo. Em média, um fabricante de cada segmento sobreviveu, exceto nos temperos, em que restaram dois títulos – a marca própria Rua do Alecrim e outra empresa.

Dá para ver nos sócios a dorzinha no coração quando o tema é chocolate, que também pararam de vender porque não dava certo. A vontade, porém, ficou. O problema é que agora ela tem sabor brazuca, o que vira uma encrenca, diz Arnaldo:

“Trabalhar com produto nacional é um ato heroico. É muito difícil comprar, localizar, fazer pedidos de volume baixo e os caras entregarem”

Ele conta que é mais fácil comprar chocolate belga do que do Pará, mas diz que tem grande interesse no produto: “O chocolate do Brasil está entrando em uma fase excelente”.

Sobre o mercado em geral, Arnaldo diz que é pequeno, com cerca de quatro competidores. “Muita gente fechou”, diz. O clima é mais colaborativo, principalmente em tempos de mudança de hábitos de consumo e aperto no cinto: “Trocamos figurinha. Compramos, revendemos. Rola uma parceria”.

Os azeites, do Brasil e do mundo, seguem sendo o carro-chefe do empório. Outros produtos saíram, mudaram...

Os azeites, do Brasil e do mundo, seguem como o carro-chefe da Rua do Alecrim. Os outros produtos, que não davam retorno, saíram de cena e agora têm uma oferta mínima e mais eficiente para o business.

Legal, vamos falar de certezas ingênuas do passado? “Que em dois anos o negócio estaria no zero a zero, ou que em cinco você teria alcançado grande parte do salário que tinha”, diz Íris.

“Dá vontade de rir da nossa cara”

Diz aí, Arnaldo: “Tínhamos a ilusão de que estaríamos vendendo o suficiente para estarmos fazendo mais estratégia de relacionamento. Não estava errado, mas esse volume, ah, não funciona assim não”. Em se tratando de medos, contam que bateu aquela questão típica sobre como conjugar trabalho e casamento, mas o efeito, dizem os dois, foi o de reforçar união. Arnaldo fala, então, de seus medos atuais: “Medo de falir, de quebrar espetacularmente, todo mundo tem. O meu é ter uma dívida que não conseguir pagar nunca. Mas hoje tenho menos. Acho que o maior medo mesmo é ficar estagnado e não conseguir dar o próximo passo”.

Frustrações? Ah, sim. A lista é grande. A linha de temperos e azeite, que avançou, mais engatinhou. Os entraves vão desde o vidro da garrafa, por conta da dificuldade da indústria de atender pequenas quantidades, passando pela falta de oferta de aromatização de qualidade até o preço absurdo do azeite nacional.

Quer mais? Patinaram administrando um site hiper problemático durante a reformulação. O pesadelo durou três meses — e resultou em uma queda vertiginosa nas vendas. Foi um sofrimento só, mas já virou história. Uma das ideias para 2018 é procurar um sócio para expandir e aperfeiçoar algumas áreas do negócio. Outra é sair um pouco do operacional e atuar mais na estratégia oferecendo consultoria, curadoria, prestação de serviço. Nas palavras de Arnaldo, “ser mais software e menos hardware”. Algo assim, bem azeitado.

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