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Mesmo com potencial enorme, o ecossistema de biotecnologia ainda engatinha no Brasil. A Vesper Ventures quer mudar essa realidade

Luiza Vieira - 4 out 2023
Os sócios da Vesper Ventures (da esq. para a dir.): Pedro Moura (sentado); Rafael Bottos, cofundador da Vesper e CEO da Aptah Bio; Julio Moura, presidente do conselho da Vesper; Gabriel Bottos, cofundador e CEO da Vesper; e Jonas Sister (Vesper Ventures/divulgação).
Luiza Vieira - 4 out 2023
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O mercado mundial de biotecnologia está efervescente. De acordo com dados divulgados pela McKinsey, as empresas do setor levantaram quase 35 bilhões de dólares em 2021 — cifra duas vezes maior do que a registrada em 2020 (16 bilhões de dólares). O número de startups investidas por fundos de venture capital também cresceu, passando de 2,2 mil em 2016 para 3,1 mil em 2021. 

No Brasil, porém, a evolução foi bem mais tímida. Nos últimos cinco anos, as biotechs captaram pouco mais de 32,5 milhões de dólares (conforme relatório da Distrito). O cenário não condiz com o potencial que o país tem, visto que está entre os top 15 no mundo com maior número de pesquisas científicas produzidas. 

“Apesar de sermos um país continental, termos a maior floresta tropical do mundo, uma biodiversidade riquíssima, sermos uma das maiores potências agrícolas, com 70% das publicações científicas sendo feitas em áreas correlatas à biotecnologia, o Brasil ainda está fora da rota de inovação de muitos fundos internacionais”

E é justamente para mudar essa realidade que o dono da afirmação acima, Gabriel Bottos, seu irmão gêmeo, Rafael Bottos, e outros três sócios fundaram a Vesper Ventures em 2018.

Mistura de venture builder com fundo de investimento, a Vesper tem hoje sete startups em seu portfólio – todas com foco em biotecnologia, pautadas na pesquisa científica e alto potencial disruptivo. 

UM SUSTO EM FAMÍLIA INSPIROU OS DOIS IRMÃOS A ALAVANCAR A APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO NO MUNDO REAL

Gabriel e Rafael, a dupla de irmãos catarinenses, já apareceram aqui no Draft em 2015, quando contamos a história de outro empreendimento em conjunto: a Welle Laser, que atua no mercado de máquinas industriais que usam laser para fazer marcações em peças de metal e plástico.

Enquanto cursavam engenharia pela Universidade Federal de Santa Catarina, os dois tiveram uma passagem pelo Instituto Fraunhofer, na Alemanha. A experiência, diz Gabriel, impulsionou a curiosidade de ambos pela tecnologia. 

Uma vez formados, deram início à sua trajetória de empreendedores, à frente da Welle Laser e também da Exact Sales. Mais tarde, em 2018, fundaram a Vesper Ventures com recursos próprios, mas ainda sem um foco em biotechs. Essa guinada se deu um ano depois, por conta de uma doença na família. 

Gabriel Bottos, CEO da Vesper (crédito: Vesper Ventures/divulgação).

A filha de uma das irmãs – também gêmeas – de Gabriel e Rafael foi diagnosticada com um neuroblastoma, tipo de câncer comum entre bebês e crianças, em estágio avançado. (Felizmente, a menina está bem.)

A situação foi um choque para os irmãos e para o então sócio Pedro Moura, levando-os a abandonar o portfólio de negócios para focar em “soluções que realmente importam”. Daí a ideia em investir em biotecnologia.

Gabriel conta que, ao estudarem o ecossistema brasileiro, eles se depararam com um primeiro desafio: havia pouquíssimas startups desenvolvendo soluções e tecnologias para resolver problemas globais, como doenças sem cura ou questões ambientais.

“Nós percebemos que a grande oportunidade estava, na verdade, em empresas que ainda não tinham nascido. Então começamos a procurar os cientistas”

Foram quase dois anos analisando banco de dados e jornais científicos, recrutando pesquisadores nas redes sociais e conversando com outros cientistas a procura de projetos promissores. Para ajudá-los nessa tarefa, eles montaram um conselho científico robusto, composto por seis cientistas das mais diversas áreas. 

A VESPER INVESTE EM PROJETOS DISRUPTIVOS QUE MIRAM PROBLEMAS AINDA SEM SOLUÇÃO

Dos 3 mil projetos que passaram por essa seleção, apenas sete biotechs foram selecionadas. 

Organizadas em três verticais (agronegócio, bioenergia e saúde humana), essas startups compõem hoje o portfólio da Vesper: Aptah, Cellertz bio, Futr bio, InEdita Bio, Reddot, Symbiomics e Vyro Biotherapeutics.

“Na nossa visão, esses projetos representam o que o Brasil tem de melhor em ciência a nível mundial”, diz Gabriel. 

Ele explica os critérios que a Vesper busca: ter um time científico de excelência; desenvolver inovações disruptivas globais e patenteadas, endereçadas a problemas hoje sem solução; criar plataformas tecnológicas; e potencial de atingir um valuation de 1 bilhão de dólares em (até) sete anos.

As tecnologias desenvolvidas por essas startups não são “mais do mesmo”, reforça o CEO da Vesper Ventures. A Aptah, por exemplo, está trabalhando com novas terapias de RNA voltadas para doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, distrofias e cânceres. Gabriel afirma:

“Imagina que ao invés de matar uma célula cancerígena e gerar diversos efeitos colaterais no organismo, como acontece hoje, você poderá inserir uma molécula dentro do núcleo daquela célula e corrigi-la de dentro para fora,  fazendo com que ela morra naturalmente sem causar efeitos adversos. Este talvez seja o futuro do tratamento da doença

A pesquisa da Aptah se encontra hoje em fase pré-clínica, que consiste em realizar testes de laboratório (artificiais e em indivíduos não humanos) para garantir a segurança e eficácia do produto.

SPIN-OFF DE UMA PESQUISA ACADÊMICA, A SYMBIOMICS USA EDIÇÃO GENÉTICA PARA INCREMENTAR A PRODUTIVIDADE AGRÍCOLA

Fundada em 2021, a Symbiomics é outro destaque no portfólio da Vesper. A startup desenvolve produtos biológicos utilizando edição genética para aumentar a produtividade agrícola de grandes culturas como soja e milho, com menor impacto ambiental.

Rafael de Souza, CEO e cofundador da Symbiomics (crédito: Symbiomics/divulgação).

Assim como as outras companhias do portfólio da Vesper, a biotech é uma spin-off de uma pesquisa acadêmica. Rafael de Souza e Jader Armanhi começaram a estudar o tema em 2012, durante o PhD na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em uma época em que tudo era mato. 

Além disso, os dois fizeram parte do Centro de Pesquisa de Genômica para Mudanças Climáticas — iniciativa entre a faculdade e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Até que eles decidiram mudar a rota. CEO da Symbiomics, Rafael afirma:

“As coisas eram muito devagar, ao passo que a gente olhava para fora do Brasil e o mercado de biotecnologia era efervescente, a todo momento se falava em uma nova startup na área de microbioma para produtividade agrícola. Nossa vontade era traduzir todo o nosso conhecimento em um produto comercial, concreto, que realmente tivesse impacto na sociedade”

Por isso, Rafael e Jader começaram a procurar por parceiros dentro e fora do Brasil que tivessem interesse em investir em biotecnologia. Coincidentemente, Gabriel e seus sócios também estavam buscando por projetos com alto grau tecnológico. Foi o match perfeito.

A primeira rodada de investimento foi feita pela Vesper. “Esse recurso inicial foi fundamental para estruturarmos o negócio, o time, pensar em nosso modelo de comercialização e licenciamento, iniciar os primeiros desenvolvimentos de produtos do nosso pipeline e, posteriormente, atrair outros investidores”, diz Rafael.

Entre pré-seed e seed, a Symbiomics já captou cerca de 11 milhões de reais, agregando investidores como Baraúna, Ecoa Capital e a MOV. Com o montante, a Symbiomics conseguiu construir um laboratório próprio, inaugurado em junho, dentro do polo de biotechs que a Vesper montou em Florianópolis. 

“Isso foi fundamental, porque agora conseguimos executar as atividades e obter insights com mais velocidade”, diz Rafael. 

COM BACTÉRIAS QUE AJUDAM AS PLANTAS A FIXAR NITROGÊNIO, A STARTUP PRETENDE SUBSTITUIR O USO DE FERTILIZANTES

A América do Sul é campeã no uso de pesticidas químicos, e quase metade (49%) dos agrotóxicos vendidos no Brasil são altamente danosos para o meio ambiente e a saúde humana, de acordo com dados divulgados em matéria publicada no g1

A expectativa dos fundadores da Symbiomics é desenvolver tecnologias que enderecem justamente esses desafios. Atualmente, a startup possui seis produtos em seu pipeline que poderão ser utilizados para diversas aplicações como nutrição vegetal, biocontrole, sequestro de carbono e bioestimulante.

Jader Armanhi, cofundador da Symbiomics (crédito: Symbiomics/divulgação).

Um deles está relacionado a microrganismos que fornecem nutrientes para a planta, por meio de um processo de fixação biológica de nitrogênio — elemento essencial para o crescimento vegetal. A bactéria capta o nitrogênio no ar, transforma-o em amônia, e dá para a planta. Rafael, o CEO da Symbiomics, afirma: 

“Ao invés de usar fertilizantes químicos, como a amônia em pó, que emite um monte de CO2, contamina o ambiente e o solo, você coloca uma bactéria que vai fornecer nutrientes para a planta sem impactar o meio ambiente de forma negativa. Esse microrganismo vai conseguir substituir parcialmente, ou até completamente, algumas gerações de fertilizantes”

Em abril deste ano, a Symbiomics fechou um licenciamento global com a Stoller, multinacional especializada em fisiologia vegetal e nutrição, para o desenvolvimento de microrganismos de nova geração. Eles ainda não podem declarar qual é o produto, mas a expectativa é que chegue ao mercado entre 2025 e 2026.

Além disso, a startup planeja finalizar a casa de vegetação que está sendo construída próxima ao laboratório. Com isso, eles poderão testar os microrganismos em pequena escala e já levar para o mercado.

POR QUE O MINDSET DAS ACELERADORAS E INCUBADORAS DE EMPRESAS DE SOFTWARE NÃO SE APLICA ÀS BIOTECHS

Na visão do CEO da Vesper Ventures, o que torna possível a criação de startups disruptivas como a Symbiomics é entender que o cientista não pode ser tratado igual aos profissionais de uma empresa de software. 

O modelo de inovação e investimento também precisa ser adaptado às particularidades da pesquisa: “A maioria das aceleradoras e incubadoras brasileiras foram formatadas no mindset de empresas de SaaS [software as a service], que é um modelo completamente diferente do de biotecnologia”, diz Gabriel. 

Esse formato, explica o CEO da Vesper, não funciona para as biotechs:

“Praticamente não existe entrada comercial nas biotechs, porque muitas vezes você está desenvolvendo uma molécula para curar o câncer que vai levar cerca de seis anos para ser concluída e outros tantos para ser provada… [mas] se isso acontece, o negócio pode valer bilhões de dólares”

Mais do que um fundo de investimento, o CEO afirma que, na essência, a Vesper é uma venture builder, uma cocriadora com cientistas de startups de biotecnologia. 

Ou seja, além de entrar com o recurso, eles oferecem todo apoio técnico necessário, em troca de um percentual.

O OBJETIVO É POSICIONAR O BRASIL NA VITRINE GLOBAL DO MERCADO DE BIOTECNOLOGIA

As biotechs da Vesper Ventures que desenvolvem soluções voltadas à saúde humana estão no estágio final da etapa pré-clínica. 

Para Gabriel, os próximos dois anos serão cruciais:

“Este é um passo importante porque caso os resultados em seres humanos sejam positivos, não só o valor dessas startups dispara, como nós vamos poder mostrar para o ecossistema que é possível criar empresas de nível global aqui no Brasil. Isso será um marco”

Além disso, a empresa planeja criar um novo fundo, de 150 milhões a 250 milhões de reais, que já está em processo de captação – e, assim, dobrar o número de startups em seu portfólio.

A missão de impulsionar o ecossistema nacional de biotecnologia ainda está no começo, mas o portfólio atual já basta para encher de orgulho o CEO da Vesper:

“Esses projetos são tão disruptivos que vale a pena investir mesmo que deem errado”, diz Gabriel. “E se tiverem sucesso, a gente vai não só criar um excelente negócio, mas deixar um legado para a sociedade.”

DRAFT CARD

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  • Projeto: Vesper Ventures
  • O que faz: Fundo de venture building focado em empresas de biotecnologia
  • Sócio(s): Rafael Bottos, Gabriel Bottos, Jonas Sister, Julio Moura, Pedro Moura
  • Funcionários: 8
  • Sede: Florianópolis
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: R$ 2,5 milhões
  • Contato: [email protected]
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