Como um vendedor de aviões pivotou sua vida para idealizar um coletivo de empresas especialistas em mídia e transformação digital?
Esse poderia ser um resumo da trajetória de Cesar Paz, o sócio-mentor-investidor do Ecosys, um ecossistema gaúcho de startups de comunicação e tecnologia.
“Os novos modelos de comunicação não têm como abrir mão de mídia e de conteúdo, certo? Só que tu pode olhar a mídia a partir de uma perspectiva do que é recorrência e prática dentro dos modelos de mídia digital hoje — ou pode olhar para frente, que é o que a gente faz”
O guarda-chuva Ecosys cobre hoje meia dúzia de operações independentes, abrangendo temas como mídia programática, UX, ciência de dados…
“Conceitualmente, o que a gente tenta organizar é uma visão [para] que tu tenha especialistas em disciplinas estruturantes dos novos modelos de comunicação”, diz Cesar.
ENCANTADO PELA INTERNET, ELE LARGOU A CARREIRA NA AVIAÇÃO
Formado (em 1986) em engenharia mecânica pela PUC-RS, Cesar emendou a faculdade como emprego como engenheiro mecânico da Varig, onde trabalhou por dois anos.
Daí, trocou Porto Alegre por São José dos Campos — foram mais seis anos como gerente de vendas da Embraer. Ou “vendedor de avião”, como se descreve.
Até que, encantado com o potencial da internet, ele pivotou sua vida, jogou para o alto uma carreira segura no mercado da aviação e co-empreendeu a AG2, uma das primeiras agências nativas digitais de propaganda do país, com sede em São Paulo.
“Faço parte daquela onda de empreendedores dos anos 1990 que descobriram a internet e o poder desse paradigma novo da indústria tecnológica… A gente achava que com a internet íamos resolver os problemas do mundo, porque ela é distribuída, democrática, inclusiva…”
O otimismo, claro, se revelou exagerado, como demonstra a nossa dependência atual das big techs: Google, Facebook, Amazon etc. Mas a guinada pessoal de Cesar se provaria um acerto.
COMO EMPREENDER NA CONTRACULTURA DA INDÚSTRIA DA PROPAGANDA?
Tradicionalmente, a indústria da propaganda se sustenta no Brasil com a venda de mídia e a famigerada bonificação de volume, o modelo clássico de remuneração das agências pelos veículos.
“E isso cria uma relação que ora é injusta (porque quanto mais o cliente gasta, mais a agência recebe), ora é incestuosa, porque são receitas que a agência tem e que o cliente — o anunciante — desconhece”, diz Cesar.
A AG2, ao contrário, se posicionou como uma empresa de serviço, que produzia e comercializava estratégias e era remunerada por essa oferta de valor.
“As agências tradicionais demoraram a entender o digital como parte de novos modelos de comunicação. A AG2 vinha na contracultura do que a propaganda estava acostumada a fazer — tanto do ponto de vista do que a gente dominava e vendia aos anunciantes quanto do modelo de negócio”
O nome (“Agência Dois”) já sugeria a disposição de lançar um olhar alternativo para um mercado engessado e baseado em modelos de comissionamento.
A DISRUPÇÃO FOI ENGOLIDA NA AQUISIÇÃO POR UM CONGLOMERADO
A AG2 prosperou, sobreviveu ao estouro da “bolha da internet” (em 2001) e foi fisgando clientes grandes como Bradesco e Natura.
Assim, entrou no radar dos grandes grupos de comunicação, que segundo Cesar vinham numa onda de aquisição das pequenas e ágeis agências digitais.
Em 2010 — “naquela virada de década, com o Brasil crescendo, ‘rampando’…” –, a AG2 foi comprada pela gigante francesa Publicis.
Ao embarcar no conglomerado, havia aquela ideia de levar transformação disruptiva ao mercado de propaganda. Mas as coisas nem sempre saem como planejado.
“Com a aquisição, a AG2 passou a ser uma de ‘milhares’ de agências que a Publicis tem. E aí foi ficando claro que não é só você que vai transformar o grupo — o grupo também vai transformar você…”
Em 2014, uma fusão com as agências Digitas, Razorfish e Dialog deu origem à AG2 Nurun. Outra fusão (com a SapientNitro, em 2017) gerou a Sapient AG2, encarnação atual da empresa.
No dia do anúncio deste negócio, Cesar deixou sua posição no Conselho e se desligou de vez do grupo.
DE VOLTA A PORTO ALEGRE, ELE SE DEDICOU A MONTAR O ECOSSISTEMA
O empreendedor brinca que desde a venda da AG2 para Publicis ele vinha cumprindo seu período no “semiaberto” — a permanência no grupo por compromisso contratual.
Cesar continuou como CEO até 2015, quando se afastou do dia a dia da operação. Voltou a viver em Porto Alegre (depois de duas décadas) e engatou um mestrado em design estratégico na Unisinos.
Engatou, também, uma série de investimentos-anjo (cada um variando entre 200 mil e 350 mil reais) em empresas fundadas por terceiros ou por ele mesmo e que viriam a compor o que é hoje o Ecosys.
O primeiro investimento foi na Alright. Fundada em 2016 por Fabiano Goldoni e Domingos Secco, é uma empresa de mídia programática, a compra e venda automatizada de espaços publicitários em veículos digitais.
Na sequência, Cesar fundou a DEx01, um estúdio de design de experiência.
“A DEx01 é uma empresa que trabalha hoje, por exemplo, para o Bradesco. Um pouquinho de experiência num home banking, no mobile — um botão no lugar certo ou errado –, pode significar milhões…”
A Zeeng, com foco em ciência de dados, também foi fundada por Cesar. “A Zeeng faz um mapeamento de ambiente competitivo, cria um score para marcas, define qual marca está melhor posicionada em cada setor…”
A Eyxo é a empresa de conteúdo audiovisual do Ecosys; entre os clientes Unilever, Boticário e 99. Filha de Cesar, Greta Paz pilota o negócio, que eles cofundaram em 2018 (com Andrei Nowa, Luis Fernando Martins e PC Dias).
No fim de 2020, a Eyxo incorporou a operação da Mosh, “especializada no mundo dos instagrammers e youtubers”, segundo Cesar.
“Toda essa atuação com influencers, creators etc., que originalmente era uma atividade da Mosh, passou a complementar o trabalho e a atividade-fim da Eyxo, que é estratégia de conteúdo”
Duas “caçulas” completam o ecossistema: a Do It, especialista em planejamento de estratégia de marcas para transformação digital; e a On2, com foco em desenvolvimento de software.
UMA ANTIHOLDING ONDE A INDEPENDÊNCIA FOMENTA O FLUXO CRIATIVO
O Ecosys, explica Cesar, não é uma marca comercial em si. “É uma marca que conecta essas unidades. Ele se alinha com a visão de modelos sistêmicos na construção de soluções dentro de um mundo que caminha para a complexidade.”
A ideia nunca foi montar uma holding (como o próprio Publicis), em que as empresas do grupo são de alguma forma forçadas a seguir protocolos, modelos de gestão, numa lógica hierarquizante, centralizada. A proposta aqui é outra.
“Os modelos sistêmicos são aqueles onde a gente tem o melhor ambiente possível para o fluxo criativo — e parte disso se deve fundamentalmente à liberdade e independência de cada uma dessas unidades”
Ao todo, o Ecosys conta com cerca de 150 colaboradores. Enquanto na Do.it são um “pouquinho mais de dez” pessoas, na Eyxo (a maior delas) são 50 e poucos funcionários.
Cada empresa tem a sua própria cultura organizacional, com pontos coincidentes — sobretudo na visão da inovação imbuída na oferta de valor.
“Não existe uma ‘cultura Ecosys’ que impere sobre as [demais] culturas. O Ecosys trabalha muito mais numa camada quase de plataforma habilitadora de todas essas empresas — é o resultado da mistura dessas culturas.”
A COLABORAÇÃO É FREQUENTE ENTRE AS EMPRESAS DO ECOSSISTEMA
Dentro desse modelo, as empresas colaboram entre si para atender os clientes de forma mais completa.
Um case é o da 99. De celebração de aniversário de São Paulo a lançamento de um novo serviço, o unicórnio de transporte mobiliza a Eyxo em suas campanhas.
“A Eyxo lidera a relação com a marca, cria, desenvolve e produz conteúdos — e conecta as empresas de mídia e de tecnologia de mídia do Ecosys [ao cliente]”, diz Cesar. “Todo o trabalho de ativação desse conteúdo é feito pela Do.it e pela Alright.”
O protagonismo muda conforme o cliente e o projeto. Batizada de “Escolhas”, uma campanha institucional da cooperativa de crédito Unicred (lançada em 2020) teve liderança da Do.it, que acionou outras pontas do ecossistema.
“A Do.it trabalha muito com estratégia e posicionamento de marca… Para essa campanha, ela chamou a DEx01, que fez boa parte de design gráfico; a Eyxo para a produção de conteúdo; e também a Alright para fazer todo o trabalho de inteligência e mídia programática”
Em outro projeto, uma plataforma transacional para o Grupo Zaffari, a DEx respondeu pela interface gráfica, enquanto a On2 cuidou do back-end. A dobradinha se repetiu na construção do site da Kinto, empresa de mobilidade da Toyota.
“As duas se conectam, a On2 desenvolve toda a base de tecnologia, e a DEx faz toda a camada de experiência.”
A NOVA SEDE DEVE FUNCIONAR MENOS PARA TRABALHO E MAIS PARA CONEXÃO
Entre 2019 e 2020, a Alright se tornou a primeira empresa do grupo a receber aportes significativos (capitaneado pela gestora KPTL), totalizando cerca de 5 milhões de reais.
Apesar disso, Cesar faz questão de refutar o modelo “startupeiro” clássico, de pegar grana e gastar já pensando no round seguinte de investimento, porque precisa crescer a jato.
“A gente olha a exponencialidade com muita cautela. Não podemos ficar refém dessa visão em todos os negócios.”
Em 2020, as operações do Ecosys somadas faturaram 30 milhões de reais.
“Para empresas novas, emergentes, é um número interessante, com rentabilidade em todas as operações. Se estivessem isolados e sozinhos, talvez também fossem bons negócios — mas não seriam negócios tão bons”
A previsão é faturar acima de 40 milhões de reais e fechar o ano de casa nova. Em breve, o Ecosys vai ganhar uma sede no Parque tecnológico da Unisinos.
Isso não significa acabar de vez com o home office, realidade que com a pandemia veio para ficar.
“Será mais uma dimensão física, com múltiplas funções: onboarding, treinamento, produção de conteúdos, recepção de clientes, organização de dinâmicas… É na presença física que tu constrói as conexões, o campo do afeto. Será um local para trocas mais legais.”
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