Um jogo de longo prazo: é assim que Renato Valente, 38, vê a carreira pela frente, agora totalmente inserido no mercado de venture capital.
Desde abril de 2020, ele é sócio da Iporanga Ventures, que contabiliza mais de 500 milhões de reais sob gestão em mais de 40 startups — incluindo a Loggi, unicórnio de logística.
“Os sócios [da Iporanga] têm um perfil parecido: pessoas mão na massa, que entendem a dificuldade do empreendedor e já estiveram ali [naquele lugar]”, diz Renato. “Eu brinco que posso não saber o que dá certo, mas sei de muita coisa que dá errado!”
Nascido em Brasília e criado em São Paulo, Renato começou a vida profissional em 2003, como estagiário da IBM, enquanto cursava administração na FAAP. Ficou quase uma década na empresa e saiu em 2012 para se dedicar 100% à sua startup, a Ocapi, que reunia plataformas para otimizar campanhas publicitárias.
Com a Ocapi, Renato fez o ciclo completo como empreendedor: levantou a empresa do zero (com dois sócios, Darwin Ribeiro e Uilton Dutra), foi acelerado, investido e vendeu o negócio (em 2015, para a Reamp, empresa de marketing programático).
Após a venda, ele deu outra guinada, assumindo o papel de intraempreendedor à frente da Wayra, o hub de inovação aberta da Telefónica. Na entrevista a seguir, Renato relembra os principais passos dessa trajetória e fala sobre a atuação e os mercados na mira da Iporanga Ventures.
Conte um pouco sobre a Ocapi, o seu case pessoal de empreendedorismo. Como foi pivotar um streaming de futebol para uma plataforma de mídia programática? Inicialmente, a gente queria fazer um YouTube de futebol… Uma forma fácil de um redator de um portal de esportes buscar os vídeos dos lances [do jogo] e já marcá-los no texto, enquanto estivesse escrevendo. Achamos que os grandes portais iam pagar por isso.
Fizemos um MVP, saímos para vender. E percebemos que, primeiro: não tínhamos o direito autoral. Esquecemos esse “detalhe”: como poderíamos pegar o conteúdo da emissora de TV e vender para alguém?
Segundo: ouvimos dos publishers que aquilo não fazia sentido. Não era o conteúdo que deveríamos fazer, mas sim uma tecnologia que “entendesse” o contexto para mostrar o conteúdo relevante para o usuário.
Por exemplo, se o cara estivesse lendo sobre futebol, a gente colocaria publicidade de uma bola para vender. Importava entender o comportamento de navegação do usuário. Logo, descobrimos que retargeting [segmentação de anúncios] dava resultado. Fomos uns dos primeiros a fazer retargeting na América Latina
Daí começamos a ver que a publicidade para e-commerces era muito rudimentar. O e-commerce precisa de performance, não pode estar na capa dos portais e pagar o “preço cheio” do banner. Ele precisa estar onde o usuário que tem intenção de compra está.
Então, a Ocapi foi isso. Tínhamos dois produtos: um para fazer o retargeting e ajudar a mídia de performance e outro para fazer o banner automático, que endereçava o problema do DCO (Dynamic Creative Optimization).
Depois de vender a Ocapi, você esteve à frente da Wayra, hub de inovação aberta da Telefónica. Qual é a diferença entre empreender uma startup e ser intraempreendedor em uma corporação?
Quando a empresa é sua e você empreende eticamente, tem de fazer acontecer sem muita barreira. Em uma corporação, há limites, responsabilidades, compliance, políticas sobre as quais você não pode passar por cima. Você tem de ser um pouco mais conservador.
Por outro lado, quando me chamaram para a Telefónica, um pouco do meu papel era o de “esticar a corda”, puxar os limites da corporação. Porque senão você fica muito fechado e não inova. Eu costumava dizer que se não estivesse incomodando as pessoas lá, não estava fazendo o meu trabalho
Parte do trabalho de quem está num cargo desses é usar a máquina, os ativos da corporação em favor dos empreendedores. E fazendo isso, você alavanca esses ativos. Então, é muito bastidor, é ficar provocando, abrindo aportas… Criando a menor fricção possível para o empreendedor.
Quais foram as principais conquistas à frente da Wayra?
Na Telefónica, eu olhava tudo de startups, tudo de acesso ao mercado para empresas fazerem negócio. Então, tinha a Wayra, que era investimento em empresas iniciais, e tinha também um pool de capital para investir em fundos de tecnologia.
Uma conquista legal foi aprovar o aporte na Redpoint eventures, anunciado no começo de 2019. Foi uma briga de quatro anos.
Na área de investimento em startups, tivemos algumas saídas de empresas. No começo de 2020, por exemplo, a Teravoz foi vendida para a Twilio. Foi a maior saída [de uma startup] da história da Wayra no mundo! Praticamente todo o capital que eu investira, desde que tinha entrado na Telefónica, voltou em uma saída só. Então, foi como dizer: “Estão vendo? Dá certo!”
Teve outras saídas entre 2019 e 2020. O último acordo que assinei foi a saída da Gupy, empresa de recrutamento.
Em abril de 2020, você trocou a Wayra pela Iporanga Ventures. O que motivou essa mudança?
Eu achava que cinco anos na função era um ciclo interessante. O ano de 2019 foi bom, havia uma sensação de missão cumprida. O número de negócios entre startups e a Telefónica vinha crescendo. A Trocafone, uma das maiores do portfólio, finalmente conseguia um grande contrato da Vivo. A venda da Teravoz geraria efeitos positivos.
Eu tinha conhecido o Guilherme Assis, fundador da Iporanga Ventures, em 2017, numa viagem a Israel. Em 2018, o Leo Teixeira – amigo e investidor-anjo, já tínhamos investido juntos pela Wayra – entrou para ser sócio da Iporanga.
No segundo semestre de 2019, quando eles estavam para lançar o fundo Iporanga Early Stage II, o Leo veio falar comigo. Disse que precisariam de ajuda – e eu era a primeira pessoa em quem ele havia pensado.
Aceitei conversar porque gosto desse mundo, tinha entre as minhas vontades ir para um fundo de venture capital. Não sabia se era o momento, porque fundos de VC são quase um ‘end game’. Um fundo dura 10 anos e sempre há o objetivo de fazer mais de um fundo. Então, é uma carreira de 10, 20, 30 anos…
Quando fui conversar com advisors, todos acharam que era legal, mas advertiram: eu teria de me dar muito bem com meus sócios, porque não é um jogo de curto prazo.
Essa foi a história. Eu já os conhecia, a gente se dava bem, já tínhamos feito investimentos juntos… A Iporanga tem um super track record e também investe no comecinho da jornada, então é um jogo que eu sei jogar.
Trocar o ”chapéu” de acelerador pelo de investidor teve algo a ver com seu momento de vida pessoal? Por ter se tornado pai, por exemplo?
A Wayra surgiu como aceleradora, mas mudou e tornou-se um pequeno fundo, que tinha tickets maiores. Quando saí de lá já investíamos 1 milhão de reais. Eu gostei muito desse mundo de investidor. Me sinto bem realizado de ajudar empreendedores a desatar os nós. Isso vai desde [intervir em] briga societária até ajudar mesmo na gestão.
Fui aprendendo a ter essa cabeça de investidor. Acho que era um caminho natural. É um risco maior [de carreira]. Pensando como pai da Nina [que tem 2 anos e meio], eu teria menos risco estando em uma grande corporação, que te dá certo conforto, mas onde você pode fazer menos coisas
E é isso que eu gosto de fazer: ajudar a mobilizar cada vez mais pools de capital para que ótimos empreendedores construam grandes negócios que ajudem a economia. Essa é minha missão de vida. E dividir um pouco da [minha] história para que eles não cometam os mesmos erros.
Na Iporanga, além de avaliar as empresas nas quais investir, você tem a função de captar recursos para o fundo Iporanga Early Stage II (que já captou mais de 150 milhões de reais e segue aberto em 2021). Isso foi uma novidade?
Há várias diferenças em relação à Telefónica. Lá eu tinha um grande investidor, o Grupo Telefónica, então o pool de capital para investir estava garantido todos os anos. Eu não precisava me preocupar. A Iporanga é uma gestora de capital que tem um fundo de venture capital que precisa captar dinheiro com investidores – Family Offices, institucionais e high network – para investir em empresas de tecnologia.
O fundo Iporanga Early Stage II é o quinto fundo de venture capital da gestora. Houve o primeiro, o Iporanga Early Stage I [fundo que já rendeu 17 vezes o capital investido]; depois vieram três SPVs (Special Purpose Vehicles), veículos específicos para um único ativo, por exemplo, para fazer o follow on da Loggi. E antes, houve outros fundos quantitativos [aqueles que partem de análises algorítmicas dos históricos do mercado e dos padrões comportamentais dos ativos para a tomada de decisão].
Meus sócios têm todo um conhecimento de atração de capital que eu não tinha. É superatrativo, porque é um desafio [para mim] vender isso.
É uma promessa de retorno alta, por conta do risco, uma vez que investiremos em empresas bem iniciais. Esse cenário atual de juros baixos é ótimo para o investidor brasileiro entrar nesse tipo de ativo
Lá fora, os grandes endowments e grandes fundos alocam cada vez mais em venture capital, porque entre os ativos alternativos – private equity, real estate e venture capital – é o que dá mais retorno.
A Iporanga trabalha com teses de investimento ou em verticais?
A nossa tese é mais focada no estágio [de desenvolvimento da empresa]: investimos em Pre-seed, Seed até o comecinho da vida. Não temos um setor específico. Tem setores de que gostamos mais.
Já fizemos 16 investimentos nesse fundo II; desses, cinco são fintechs ou relacionadas a serviços financeiros. Os mercados são muito grandes e quase tudo, em algum momento, toca nisso. Tem muita oportunidade porque a regulação está mudando, o Banco Central está fazendo várias mudanças com o Pix e Open Banking…
Educação é uma área de que a gente gosta bastante. Temos o histórico da Quero Educação [edtech com expectativa de ser o primeiro unicórnio da região do Vale do Paraíba] e muita informação que veio com eles.
Ano passado, fizemos um investimento na Classpert, que é tipo um “TripAdvisor dos cursos online”. Eles estão criando uma plataforma para comparar os cursos, os custos, e indicar o que é bom para você. Há uma onda de startups B2B [de educação], e estamos olhando isso também
Gosto bastante de ciber-segurança, apesar de no Brasil ainda não termos tantas startups. Com todo mundo online e cada vez mais gente [trabalhando] em casa… Isso é um celeiro para ataques de hackers. Fizemos um investimento na Legiti, empresa de antifraude para e-commerce, voltada para gig economy, que é onde o serviço é prestado muito rápido.
Por exemplo, se acontece uma fraude na Rappi não dá tempo de você bloquear, porque a hora em que você descobre, o produto já foi entregue. No e-commerce é um mais fácil, porque a entrega será daqui um tempo — então há tempo de verificação.
Em 2020, a pandemia virou o mundo de cabeça para baixo. A Iporanga Ventures teve de mudar o rumo dos investimentos ou precisou rever cases?
O que deixamos de olhar é quem toca muito o mundo físico, como eventos ou qualquer atividade que implique em aglomeração de pessoas. Se colocássemos dinheiro naquele momento, não conseguiríamos testar ou validar totalmente a solução. Demos alguns “nãos” no último ano por conta disso.
Agora, tudo se acelerou com a pandemia. Tudo que é digital e que você pode resolver da sua casa se acelerou.
Saúde tem uma oportunidade gigantesca, todos começaram a olhar um pouco mais para isso. É impressionante, há estatísticas surreais que mostram que as pessoas não cuidam da saúde – e não querem pagar pela saúde. Estão surgindo muitas empresas, tem uma mudança grande de comportamento que pode ser legal
E há toda a parte de logística também. Ainda há rios de ineficiência para serem resolvidos. Tudo se acelerou, mas não é nada muito novo.
Tem o bitcoin estourando – me arrependi de ter vendido os meus um tempo atrás [risos] –, tem blockchain e outras tecnologias para vir, que ainda são promessas. Lembra um pouco a fase do começo da internet… Meio experimental, a poeira ainda tem que baixar.
A linha de corte mais importante de avaliação de vocês, neste momento, é saber se os MVPs poderão ser validados?
Sim, mas a gente não deixa de investir em segmentos que foram muito afetados, contanto que o empreendedor consiga validar.
Dou dois exemplos: a primeira empresa que demos start antes da pandemia foi a Voll, de mobilidade corporativa, que resolve a vida do gestor de viagem e do gestor de mobilidade. Com os aplicativos tipo Uber e 99, a prestação de contas, [a comparação de preços entre] as tarifas dinâmicas, tudo virou uma bagunça. Eles organizam isso em um só aplicativo. Então, baixa o custo porque tem a comparação de preços – e inibe fraudes também.
Aí, começou a pandemia e todo mundo ficou em casa! Por outro lado, eles [os empreendedores da Voll] são resilientes e se provaram, quando as empresas de serviços essenciais começaram a colocar os funcionários em Uber e táxis.
A outra [startup] foi a Floki, a última empresa que anunciamos. Eles prestam serviço para restaurantes. Um especialista me disse que 30% dos restaurantes de São Paulo fecharam e mais uns 10 a 15% ainda irão para o vinagre. E o que a Floki faz? Ajuda a comprar melhor. Eles reduzem em até 30% o custo de insumos que, em geral, representa de 30 a 40% do custo do negócio. Eles conseguem se provar, mesmo em um mercado que está sofrendo
A Floki está indo superbem. Tem KPIs muito bacanas para os restaurantes, afinal todo mundo quer melhorar a margem.
Então, é isso: provando que dá para fazer, a gente olha. Só no último semestre, fizemos seis aportes, um por mês.
A perspectiva branca e europeia molda desde cedo nossa visão de mundo. Recém-lançada no Web Summit, a edtech Biografia Preta quer chacoalhar esse paradigma aplicando uma “IA afro referenciada” ao ensino de História (e demais disciplinas).
Alê Tcholla começou a trabalhar aos 16, no departamento financeiro da TV Globo, mas sabia que seu sonho era outro. Foi desbravando novos caminhos até fundar a blood, agência que cria experiências de marca em eventos presenciais e online.
Bruna Ferreira trilhava uma carreira no setor financeiro, mas decidiu seguir sua inquietação e se juntou a uma amiga para administrar um salão de beleza. Numa nova guinada, ela se descobriu como consultora e hoje ajuda empresas a crescer.