“Minha vida era uma mentira. As coisas só começaram a mudar quando aceitei minha verdade. Eis o que aprendi”

Ricardo Cury - 17 jan 2019
Ricardo Cury faz um relato profundo de como sua vida "normal" nada tinha de verdadeiro. Ele narra a descoberta de sua verdade, de sua sexualidade e, também, de sua missão no mundo.
Ricardo Cury - 17 jan 2019
COMPARTILHE

 

por Ricardo Cury

Eu sou Ricardo Cury Carneiro de Morais. Nasci em São Paulo em uma família muito unida e privilegiada. Morei em Bragança Paulista dos sete aos 18 anos, e depois voltei para São Paulo para estudar Relações Internacionais na FAAP, porque sempre quis fazer uma diferença no mundo mas ainda não sabia muito bem como. Achava que seria diplomata.

Até os 21 anos eu vivia uma vida “normal”. Até que comecei a perceber que mentia para mim mesmo. Eu tentava me encaixar de todas as formas para ser aceito e reconhecido pela família, pelos amigos e pela sociedade. A mentira começou a ser revelada quando percebi que não importava mais tudo que fazia ou o que tinha, eu continuava insatisfeito e sofrendo.

A primeira mentira que descobri foi que eu me esforçava demais para me relacionar com mulheres e nunca dava certo, porque simplesmente eu não me sentia atraído — e eu não aceitava isso

Não aceitava a possibilidade de ser homossexual e de me relacionar com homens, apesar de esta ter sido a minha verdadeira vontade desde o começo da adolescência. Lá no fundo eu não me amava do que jeito que eu era. Para falar a verdade, desde criança eu já sabia que era diferente.

Para fugir da verdade e anestesiar meu sofrimento eu colocava todo o meu foco no trabalho. Eu fazia o marketing e a distribuição de um bebida alcóolica chamada Busca Vida.

Nesta mesma época que comecei a perceber que mentia para mim mesmo, também comecei a buscar ferramentas de autoconhecimento, como o livro O Segredo, sobre a Lei da Atração. Mas a minha não-aceitação era tão grande que eu procurava colocar toda a minha força para não ser homossexual e focava minha energia no trabalho. Eu acabava fugindo de diferentes maneiras: bebendo, fumando e até usando drogas, às vezes, para me anestesiar. E ainta tentava me relacionar com mulheres, e sempre me frustrava. Sentia-me incompleto, triste e deprimido.

O sofrimento começou a aumentar tanto que chegou a um ponto que fui guiado para ler o livro A Cabana, que falava muito sobre sofrimento. Identifiquei-me demais com a história e quando terminei de ler, decidi encarar o meu maior medo: me aceitar e me amar como eu era. Decidi olhar para a verdade, que sim, eu era diferente e me sentia atraído por homens, e não podia mais reprimir isso, estava me sufocando.

A minha primeira realização que me permitiu ser liberado do sofrimento e encontrar o meu propósito foi a ACEITAÇÃO. Aceitação é o alicerce para o crescimento da consciência.

Aceitar-se é poder ver a sua verdade sem se julgar e sem querer reconhecimento e aprovação dos outros.

No começo do meu processo de autoconhecimento, eu só conseguia ver uma parte da minha verdade, mas no fundo, como ainda não me amava de verdade, queria a aprovação dos meus pais, amigos e da sociedade. Por ainda não me aceitar realmente, eu acreditava que alguma coisa estava faltando na minha vida, me sentia incompleto, e nunca achava que tinha o suficiente, vivia insatisfeito. Achava que era pobre, apesar de ser rico.

Sentia uma miséria tão profunda dentro de mim que decidi procurar ajuda espiritual. A primeira vez que fui ao Centro Espírita, a dirigente da casa (que não me conhecia) olhou para mim e disse que eu tinha um trabalho a fazer e que meu avô estava me guiando. Então comecei a frequentar dois centros espíritas, pois minha conexão espiritual começou a aflorar.

Nos anos seguintes, minha busca espiritual se intensificou muito. Foi muito difícil no começo porque minha família é de formação católica e ninguém entendia o que estava acontecendo comigo. Comecei a sentir a presença dos meus mentores espirituais e a receber mensagens reais que guiavam claramente o meu caminho.

Sinto que minha conexão espiritual só foi estabelecida porque eu pude ver a verdade interior. Descobri que a mudança começava em ver a verdade interior.

A verdade é que eu estava insatisfeito comigo mesmo, com a vida, mas só pude ver com clareza a verdade quando o conhecimento correto começou a chegar até mim e quando comecei a sentir o despertar de um tipo de amor dentro do meu coração que até então desconhecia.

Comecei a ter experiências transcendentais comigo mesmo. Pude perceber que a vida é muito mais que imaginava, que estamos todos interligados, e que somos parte de uma Consciência única, de um único organismo, que funciona em perfeita harmonia se estamos conectados a nossa essência que é espiritual.

Neste plano terreno em que vivemos aprendemos através da dualidade. Não é possível ter o claro sem o escuro, não é? Conforme eu mergulhava em mim mesmo, mais podia ver o quanto negava em mim aquilo que eu, minha família e a sociedade considerava como feio, ruim ou negativo.

Esse é o princípio da verdade interior: tudo está dentro de nós, o negativo e o positivo, mas se resistimos aos sentimentos e as emoções, eles se acumulam e persistem em nossa vida. Não precisamos e nem devemos negar nada. Apenas é necessário observar e acolher o que está acontecendo no agora.

Nenhuma emoção é permanente, portanto não adianta ficar preso a ideia de que aquela sensação vai ficar com você para sempre

Nós acreditamos que somos a emoção ou o pensamento porque ninguém nunca nos ensinou a observar as atividades da mente. Aprendemos a nos identificar com as coisas, com as ideias, com as pessoas, e o apego se tornou algo natural em nossa vida, e o resultado da identificação é o sofrimento.

Isso que chamamos de despertar da consciência aconteceu comigo porque passei por um processo de sofrimento.

Podemos dizer que o sofrimento é uma crise que passamos em determinada área da vida, e que se bem compreendida se torna uma grande oportunidade de crescimento. O sofrimento é um mistério na vida, mas a verdade é que ele nos faz acordar para a verdade e crescer. Ele nos tira da inconsciência.

Compreendi que não precisamos sofrer com as situações. A dor é inevitável ao crescimento, mas o sofrimento é opcional. O maior exemplo que tive foi com a não-aceitação dos meus pais. Eu poderia ficar a vida toda achando que era uma vítima e ter ficado magoado. Mas quando elevamos a consciência e nos abrimos para pedir ao Grande Mistério a compreensão, conseguimos perceber o lado positivo do que passamos. Não importa o que fizeram comigo, o que importa é o que EU faço com o que fizeram comigo. 

Para muitos de nós, certas atitudes dos pais são inconcebíveis. O que todos queremos é ser aceito e amado pelos pais incondicionalmente. Mas em muitos casos não é isso que acontece, porque os nossos pais são apenas seres humanos em evolução, e como filhos esperamos deles certas coisas que talvez eles não possam nos dar, e isso nos faz sofrer.

Normalmente os nossos pais são capazes de nos dar apenas aquilo que receberam. Nós não paramos para pensar que somos um extensão da nossa ancestralidade. E não herdamos apenas as características físicas deles. Herdamos questões muito mais profundas do que podemos imaginar. Só fui entender isso muito tempo depois. Os nossos pais são os nossos ancestrais mais próximos, e eles também carregam muitas coisas do passado familiar que às vezes dificultam o relacionamento.

Quando contei para minha mãe que era homossexual, ela ficou nitidamente preocupada com o que os outros iriam achar dela e da família. Era óbvio que ela estava sendo controlada pelas suas crenças limitantes e por dogmas religiosos. Ela achou que tinha alguma coisa de errado comigo e me fez ir ao médico e ao psicólogo para checar se estava “doente”. Na percepção dela, ela estava querendo me proteger, e achava que estava fazendo a coisa certa, mas para mim foi uma situação muito esquisita e dolorosa.

Por não me sentir aceito, eu sentia muita culpa por ser homossexual

O que achava que seria uma libertação para mim contar para os meus pais, à princípio foi outro aprisionamento. Parecia que entrei num sofrimento ainda maior, e queria entender porquê estava passando por aquilo.

Ao investigar a minha insatisfação fazendo cursos sobre autoconhecimento e espiritualidade, conheci a Deeksha (processo comum no hinduísmo, no qual uma pessoa transmite energia sutil, positiva, para outra, colocando as mãos sobre a cabeça desta)Quando recebi pela primeira vez essa energia, senti um amor dentro do meu peito que não tinha explicação. Acessei algo divino. E comecei a frequentar semanalmente a meditação onde se recebia essa energia.

Em junho de 2011, sofri um acidente de carro. Estava voltando do Rio de Janeiro com meu sócio. Quase chegando em Bragança Paulista, de repente sofremos um impacto muito forte. Eu estava mandando mensagem no celular no momento do impacto e não entendi nada. Senti uma proteção muito grande e por um milagre nada aconteceu conosco. Era mês de junho, por volta das 6h da tarde e já estava escuro. Disse para o meu sócio parar o carro no acostamento.

Quando desci do carro veio outro carro iluminando a pista e vi um corpo estendido, o homem já estava morto e esse carro também passou por cima da pessoa e parou também no acostamento. Outros carros passaram também por cima do corpo, pois não tinha como ver direito.

De repente, três homens que estavam com ele começaram a querer brigar conosco nos acusando de ter matado o amigo deles. Eles mal conseguiam falar, de tão embriagados

Parecia que eu estava dentro de um filme de terror. Fui pegar uma coisa no carro e vi uma garrafa de Busca Vida e de repente escutei uma voz dentro de mim: “O que você está fazendo da sua vida? Esqueceu que para toda ação existe uma reação?” E caiu uma ficha enorme: eu trabalhava com uma marca de bebida alcóolica. Eu era o responsável pelo marketing da marca. Em outras palavras, eu que convencia as pessoas a ficarem bêbadas, e de repente estava me vendo numa situação onde havíamos atropelado um homem que deveria estar totalmente embriagado, e por isso atravessou a pista de forma inconsciente. Comecei a questionar o trabalho que fazia. Perguntei a mim mesmo: Será que estou buscando a vida ou a morte com este trabalho?

Vi que o mundinho que havia construído era frágil e que havia consequências em trabalhar com este tipo de coisa. Vi que tudo que fazemos tem uma consequência. O Universo mostrou na minha cara os efeitos que a bebida pode causar nas mãos de uma pessoa insconsciente. Na verdade, a bebida deixa as pessoas inconscientes e pela primeira vez vi bem na minha frente como a “Busca Vida” poderia causar a morte.

Nas duas semanas depois do acidente, não conseguia trabalhar direito. Eu não me sentia culpado, mas comecei a entrar em um profundo conflito com meu trabalho e não sabia mais o que fazer. Tinha cada vez mais vontade de ficar em silêncio meditando.

Quando a consciência foi se expandido, descobri que não nunca rejeitado pelos meus pais, mas foi assim que a minha criança ferida interpretou. Compreendi que eles haviam idealizado uma vida para mim, mas não conseguiram me ver além de suas projeções. Eles não conseguiam ver que eu tinha minha própria vida independente deles.

Mas, graças a esta situação, o perdão floresceu no meu coração. Pude sentir como toda esta dor me fez crescer e acessar a minha força interior. Esta força é o amor, que meu deu a coragem de agir através do coração. Outra chave para ser liberado do sofrimento e descobrir o seu caminho é o perdão. O perdão, assim como o amor, é um fenômeno que acontece naturalmente, como o desabrochar de uma flor.

Quando perdoei, pude sentir que sempre fui amado pelos meus pais. Vi que toda aquela proteção era a forma deles de me amar.

Nos meses seguintes ao acidente de carro eu senti muito medo. Ficava imaginando o que seria da minha vida, como iria sobreviver, já que não queria mais trabalhar com a Busca Vida.

Eu morria de medo de não ter dinheiro. Mas algo dentro de mim era mais forte e pedia mudança

Sete meses depois do acidente, decidi largar tudo, o chamado do meu coração foi mais forte, e pude finalmente agir com o coração, que esse é o significado de coragem. Em fevereiro de 2012, fui para Índia pela primeira vez, para a Oneness University (hoje O&O Academy), onde começou o fenômeno da Deeksha. Essa foi a primeira de muitas vezes que ainda viriam. Até hoje foram nove idas para traduzir e fazer cursos de aprofundamentos nesta escola.

Tive que ter muita coragem para fazer este movimento de mudança, porque além das minhas resistências internas, havia também a minha família e meus sócios que não estavam entendendo a minha vontade de sair do trabalho e eles ficavam me questionando, o que me deixava ainda mais confuso. Eles me questionavam porque aparentemente tudo estava indo bem, a Busca Vida estava crescendo e o sucesso aumentando, então racionalmente não fazia sentido sair de um negócio que estava com muita perspectiva de prosperar.

Mas para mim somente dinheiro e sucesso não era prosperidade. Eu precisava encontrar algo mais profundo, que ainda não sabia explicar. Se já estava difícil para mim entender o que estava acontecendo, imagina para eles? Não restou outra opção a não ser saltar no desconhecido. 

Passei quase dois meses na Índia. Os estados de conexão espiritual que eu acessava lá era tão profundos que eu não conseguia ver outra possibilidade na minha vida a não ser compartilhar tudo o que estava recebendo. Uma profunda vontade, melhor dizendo, uma profunda paixão de levar o autoconhecimento e a meditação da forma como eu experimentei, emergiu dentro de mim.

O amor e a alegria sem causa que eu acessava precisavam ser compartilhados com o maior número de pessoas possível

Logo quando voltei ao Brasil resolvi sair da sociedade com a Busca Vida. Eu acessava dentro de mim estados de consciência de tanta alegria que nenhuma bebida alcóolica ou qualquer outra droga não poderiam chegar nem perto. Então, o trabalho que eu fazia perdeu todo o sentido. Não acho errado as pessoas beberem, mas hoje não preciso tomar nada para me sentir bem. A conexão espiritual me proporciona muito prazer.

Assim que cheguei no Brasil já organizei um retiro de dois dias. Lotou tão rápido que tive que montar um outra turma para o fim de semana seguinte. Alguns meses depois, organizei com um grupo de amigos queridos o Festival da Unidade. Um evento que reuniu mais de 300 pessoas que estavam sedentas por uma transformação na consciência. Foi maravilhoso!

São vários tipos de coragem que podemos desenvolver durante a escola da vida, mas a principal delas é a coragem de ser você mesmo, de ir atrás dos seus sonhos, de fazer algo único, porque apesar de nós sermos todos um, ninguém é igual a ninguém. Podemos até ser parecidos, fazer coisas semelhantes, mas você é você.

A coragem é como um impulso inicial que, se não é acompanhada da sua fiel escudeira, a confiança, provavelmente não consegue sustentar a sua verdade por muito tempo. Por causa do excesso de medo, não conseguimos confiar em nós mesmos e nem na vida, que pode nos prover tudo que precisamos para viver de forma abundante.

A confiança só nasce se você começa realmente a experimentar o mistério da vida. Assim você se torna um buscador da verdade. E a verdade é que nós somos Um, e que não podemos continuar vivendo nesta ilusão da separação. Todo sofrimento pode ser traçado pela sensação de isolamento, de nos sentirmos sozinhos, e isso está enraizado no pensamento obsessivo que temos por nós mesmos.

Estamos 24 horas por dia pensando em como sobreviver. O pensamento comum diz, o tempo todo: “Preciso me sustentar, preciso lutar pela vida, preciso realizar apenas os meus desejos, preciso ganhar dinheiro, quero alguém apenas para mim”. Não que estas coisas estejam erradas. Não é errado querer coisas para si mesmo, mas o problema é que se apenas estamos focados em pensamentos autocentrados iremos acabar sofrendo em algum momento. Então lembre-se constantemente: NÓS SOMOS UM. Fazemos parte de um CONSCIÊNCIA ÚNICA.

Esta lembrança começa com a aceitação de quem você é. Quando nos aceitamos, nos perdoamos e nos amamos. E naturalmente, ao se conhecer, você descobre o seu propósito.

Depois que passei por todas essas transformações nasceu de dentro de mim a ABRA – Academia Brasileira de Autoconhecimento, que tem a intenção de despertar a consciência amorosa nos brasileiros e resgatar a conexão e o amor com a Terra em que vivemos, o Brasil. Hoje dou cursos, palestras e retiros para empresas, escolas e indivíduos que estão abertos para a transformação.

 

 

Ricardo Cury, 32, formou-se em Relações Internacionais e trabalhou com marketing. É facilitador de cursos, palestras, workshops e retiros de meditação. É fundador da ABRA — Academia Brasileira de Autoconhecimento (o site abraconsciencia.com.br entra no ar no começo de 2019). Este artigo é uma versão resumida do primeiro capítulo de um livro que Ricardo irá publicar este ano.

COMPARTILHE

Confira Também: