Foi para cultivar mudas de plantas trazidas da Amazônia para preparação do ayahuasca que o artista plástico Cláudio Spínola, 41, montou sua primeira caixa de compostagem na república de estudantes da USP onde morava no final dos anos 1990. Quase duas décadas depois, o que começou sem nenhuma pretensão se transformou na Morada da Floresta, um negócio social que já atendeu mais de 30 mil clientes, entre indústrias, restaurantes, hotéis e residências e gera um faturamento médio de 120 mil por mês. Além dos kit de composteiras (os minhocários, sistema caseiro de reciclagem de resíduos orgânicos), a Morada também vende absorventes femininos e fraldas ecológicas (de algodão, laváveis) além de oferecer cursos de Permacultura (a gestão ecológica de todos os resíduos humanos) e está envolvida no desenvolvimento de políticas públicas que incentivem práticas sustentáveis.
Nascido em Brasília nos anos 1970, Cláudio cresceu em contato com a natureza. Adolescente, dividia-se entre a rebeldia do movimento punk e da onda ecológica hippie, quando mudou-se com a família para São Paulo, aos 16 anos. A mudança de cidade foi um choque no estilo de vida. Barulho, trânsito e a vista do horizonte que acabava no prédio vizinho fizeram com que ele buscasse formas de recuperar o contato com a natureza. Ele conta:
“Antes eu criticava o sistema mas não tinha nada para propor. Na compostagem, vi uma forma inteligente e sustentável do ser humano interagir com a natureza”
Ainda não era um negócio, “só” uma percepção de vida. Durante a faculdade, Cláudio transformou a casa onde morava em uma espécie de comunidade urbana ecológica. Além dele e da esposa, Ana Paula Silva, 33, moravam lá apenas pessoas que compartilhavam dos mesmos valores relacionados a natureza, vegetarianismo e consumo consciente. Por anos, o sustento da família veio do aluguel dos quartos e também de alguns cursos sobre reaproveitamento da água, cultivo de horta, compostagem, reciclagem, alimentação saudável e Permacultura que eles ofereciam.
Daí surgiria, mais tarde, o primeiro produto comercializado por eles no Morada da Floresta. “Muita gente que ia lá fazer os cursos acabava querendo comprar uma composteira. Eu tentava explicar que é simples de fazer sozinho, mas as pessoas queriam a comodidade de um kit pronto. Foi aí que pensamos em criar algo que pudesse ser comercializado”, conta Cláudio.
Nessa mesma época em que começaram a ganhar dinheiro vendendo os kits prontos de composteira doméstica (entenda como funcionam), nasceu Violeta, a primeira filha do casal. Ana Paula, que já usava absorventes ecológicos (laváveis e feitos à mão), decidiu produzir para a bebê fraldas que também não degradassem o meio ambiente. Pronto. Estava formado o trio de ouro da Morada da Floresta: composteiras, absorventes e as fraldas ecológicas. Apesar de atuar com Permacultura desde 1999, eles abriram formalmente a empresa apenas em 2009, com um investimento inicial de 10 mil reais. O valor foi recuperado em poucos meses e, no ano seguinte, eles já ofereciam o sistema de composteiras para grandes geradores.
A DICA É OFERECER SOLUÇÕES SIMPLES E VERSÁTEIS
A Morada da Floresta oferece, hoje, diferentes sistemas de compostagem que variam de acordo com a técnica utilizada e com a necessidade do cliente. Minhocários, por exemplo, são mais indicados para residências enquanto que composteiras termofílicas em cilindros funcionam melhor para indústrias e grandes geradores. Cláudio afirma que uma residência com 4 a 5 pessoas, que produza até 4 quilos de lixo orgânico por dia, precisa de um espaço de apenas 60 x 40 cm para acomodar uma composteira (o kit completo sai 346 reais).
Já um restaurante, que sirva em média 150 refeições por dia e gere cerca de 80 quilos de resíduo, precisa de um espaço maior, 8 x 2 m, e neste caso o custo para instalar o sistema gira em torno de 10 mil reais. O valor inclui o sistema em si, a implementação, o treinamento para manuseio e duas ou três visitas técnicas posteriores. “Este investimento é recuperado em menos de um ano, já que um estabelecimento desse porte gasta em média 1 mil reais por mês com coleta”, diz o empreendedor.
As composteiras domésticas representam hoje a maior parte do faturamento da empresa (39%), em segundo lugar estão os produtos ecológicos para bebês (31%), em terceiro a compostagem empresarial (10%) seguida pelas ações de educação ambiental (9%) e pelos produtos femininos ecológicos (7%).
O segmento de produtos ecológicos para bebês inclui fraldas, roupas, bolsas impermeáveis e capa antivazamento, com preços que variam de 20 a 60 reais. Já femininos incluem absorventes (21 reais) e coletor menstrual (80 reais). E há, ainda, aromatizadores de ambiente, produtos de higiene, óleos de massagem, livros e jogos educativos. No total, a Morada da Floresta vende mais de 100 produtos diferentes e 90% das vendas são feitas pelo e-commerce, que existe desde 2011.
Outra atuação importante da Morada da Floresta está na colaboração para o desenvolvimento de políticas públicas. Em 2014, eles realizaram o Composta São Paulo, projeto em parceria com a Prefeitura de São Paulo que distribuiu 2 mil composteiras entre as mais de 10 mil residências inscritas. Cláudio fala dessa frente:
“Uma das nossas missões é a educação. Queremos mostrar que é fácil ter uma composteira em casa e que, ao contrário do que se pensa, ela não deixa cheiro”
Apesar de ter uma média de 500 novos clientes no e-commerce a cada mês, a Morada da Floresta vem enfrentando dificuldades. “Estão surgindo concorrentes que copiam nosso trabalho, mas oferecem a um preço inferior. Temos perdido clientes por conta disso e estamos com os preços estagnados há três anos, embora os custos tenham aumentado”, conta Cláudio.
A CONCORRÊNCIA CHEGA: É HORA DE INOVAR
Segundo o empreendedor, a estratégia para reconquistar o espaço está na inovação. “Estamos sempre pensando em como aprimorar nossos produtos e serviços. Vamos lançar nos próximos dias um curso online para gestantes e em breve também devemos disponibilizar um novo modelo de minhocário doméstico”, adianta. Entre os exemplos de inovação nos produtos ele menciona a nova composteira, do modelo Humi, que tem apenas um tamanho mas pode ter sua capacidade ampliada com até cinco outras caixas digestoras, de 45 litros cada uma. Entre as vantagens, diz, está o fato de que a caixa não precisa de suportes, pode ficar exposta à chuva, é lisa por fora (o que facilita a limpeza) e tem chapas de metal nos pés que permitem a fixação de rodízios, caso seja de interesse do usuário.
Atualmente a Morada conta com uma equipe de 12 funcionários, sendo uma pessoa dedicada à parte administrativa. Porém, segundo Cláudio, a gestão ainda é algo que toma muito tempo e ele reconhece que há coisas a serem melhoradas para que a empresa continue crescendo. E faz um mea culpa:
“A gestão é nosso maior desafio. Ainda precisamos melhorar muito nosso marketing e o comercial, pois ainda somos muito passivos”
Mesmo com as dificuldades, a Morada da Floresta tem um papel social importante e reconhecido (Cláudio foi um dos três finalistas do Prêmio Empreendedor Social 2016 e fez um vídeo bacana explicando o seu negócio) na medida em que contribui para a redução de resíduos e o aumento da consciência ambiental. Ele dá os números: cada brasileiro produz em média 1 kg de lixo por dia, e metade disso é orgânico e, portanto, compostável.
Quando o assunto são as fraldas descartáveis, a quantidade é impensável: um único bebê consome em média 6 mil unidades de fraldas industrializadas que, segundo a Unifesp, levam 600 anos para se decompor no meio ambiente. É um lixo eterno gerado pela busca por comodidade e pela falta de consciência ambiental dos pais. Ali de sua aldeia ecológica paulistana, Cláudio e Ana Paula trabalham para que exista um outro jeito de se passar por este mundo. Nos últimos sete anos, a Morada da Floresta ajudou a evitar que 4,8 milhões de fraldas descartáveis fossem parar em aterros sanitários. Há muito mais por fazer, é claro. E que bom.
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