“Morar fora é uma história sobre perdas e ganhos, mas voltar ao Brasil está fora de questão”

Henrique Andrade Camargo - 3 mar 2017Henrique Andrade Camargo é veterano no assunto e lista as perdas e ganhos de morar fora do Brasil.
Henrique Andrade Camargo é veterano no assunto e lista as perdas e ganhos de morar fora do Brasil.
Henrique Andrade Camargo - 3 mar 2017
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por Henrique Andrade Camargo

Amigo, morar fora do Brasil não é brincadeira. Pelo menos para mim nunca foi. Você deixa para trás mãe, pai, irmãos, tios, primos, amigos, cachorro, casa, trabalho, festas, comida boa, sol, Mata Atlântica, livros, CDs e tudo mais o que define a sua forma de se relacionar com o mundo. É como se aquele arcabouço pessoal de referências e influências já não existisse mais. É o fim do mundo como até então você o conhece. Aí você me pergunta: então, por que raios você vai morar fora? A resposta é simples: a vida chama, meu caro.

Recentemente, li que esse desejo de explorar novos lugares pode ser uma herança genética de nossos ancestrais nômades. Vai saber. O fato é que esta é a segunda vez em que estou morando fora Brasil. Apesar do mimimi do parágrafo anterior, não tenho muito do que reclamar. Se é verdade que a gente perde muito quando resolve dar esse passo gigante na vida, também é claro o ganho proporcionado pelas novas experiências.

Essa relação paradoxal de se ganhar com aquilo que se perde ficou muito clara para mim na primeira vez que me mandei do país, lá em 2005. Fui para Londres, o centro do mundo, com o objetivo de aprender o inglês e conhecer os ingleses. Também aproveitei para fazer cursos livres na área do jornalismo com colaboradores da BBC, mas isso foi apenas um efeito colateral dos quatro anos do meu – digamos assim – intercâmbio.

Ao chegar em Londres, tomei uma injeção intramuscular dolorida, necessária e com efeitos para a vida toda: a do subemprego

Viver a vida das pessoas invisíveis te força a ver as coisas de uma perspectiva diferente. Em outras palavras, lavar pratos e limpar banheiro sujo de restaurante ensinam qualquer meninão de classe média a respeitar aqueles que, no dia a dia, passam despercebidos.

Londres também me deu bons amigos e, acima de tudo, a sorte de um amor (quase sempre) tranquilo. Foi lá que conheci Barbora (não é Bárbara nem Barbosa), uma tcheca que há quase dez anos vai tocando a balada da vida ao meu lado. Anos mais tarde, ela também seria a causa de outra mudança importante nessa história. Volto a isso depois. Por enquanto, continuamos no coração do Reino Unido.

Profissionalmente, passado o tempo de homem-invisível, foi hora de aparecer um pouco. Realizei o sonho de ser correspondente internacional. O auge foi a cobertura do primeiro encontro de cúpula do G20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, em 2009. Na época, o mundo amargava uma grave crise financeira e os chefes dos países decidiram ir à terra da rainha para discutir como resolver aquela bagunça toda.

Entrevistei políticos e jovens rebeldes, assisti a reuniões oficiais e quebradeira dos black blocs, e estive na mesmíssima sala onde se encontrava a dupla mais popular do momento, os então presidentes Lula e Obama, e mais 18 chefões.

Foi uma baita experiência, mas durou pouco. Por conta do meu trabalho, o pessoal do Mercado Ético, extinto portal de sustentabilidade para o qual contribuía, convidou-me para ocupar um cargo no pequeno time do Brasil. Barbora achou interessante a ideia de viver nos trópicos e então fomos.

De volta ao berço, levava uma vida bem-sucedida. Tinha uma mulher incrível, estava perto da minha família e amigos de infância, trabalhava para uma empresa cujos princípios estavam finamente afinados aos meus, recebia um salário bastante decente, tinha casa própria, carro e fazia viagens fantásticas. Mas como não existe almoço grátis nessa vida, o preço de tudo isso foi viver em São Paulo.

Poluição, trânsito, transporte público lixo, sujeira, desrespeito, violência, injustiça social, custo de vida alto… Minha mulher foi ficando exausta

A insatisfação atingiu um nível crítico quando ela foi assaltada bem em frente ao nosso prédio. Viu a arma apontada para sua cabeça. O homem levou a bolsa com dinheiro, computador e documentos. Fiquei feliz por ter sido apenas isso.

Depois de um mês, o raio caiu no mesmo lugar. Dessa vez, três garotos pequenos levaram outra bolsa, com outro computador. Oh, céus! O grande problema da violência urbana é quando você se torna um habitué das estatísticas.

A gota derradeira se deu em uma noite quente de janeiro de 2014, quando minha mulher me disse: “Estou grávida”.

A notícia foi ótima. Já estávamos trabalhando no projeto de ter um filho havia alguns meses. Mas um impasse surgiu: Barbora não queria ter o filho no Brasil. Disse que daria à luz na sua terra, e queria zarpar rapidamente para fazer todo o pré-natal com um médico de sua confiança. Considerando suas experiências, achei o pedido justo. Além do mais, grávida pode fazer qualquer exigência.

As coisas se desenrolaram da forma como minha mulher havia planejado. No entanto, morar na República Tcheca, como ela passou a sugerir, estava completamente fora de questão. Já havia enfrentado uma temporada de quatro anos em Londres e não estava disposto a passar novamente pelos mesmos estresses causados por uma mudança desse porte.

Nada contra a Tchéquia. Imagina! O país é lindo, um ótimo destino para passar férias e, talvez, curtir a aposentadoria. Mas não via sentido em abrir mão do Brasil para tentar a vida em um lugar cujo número de habitantes é menor do que o da minha cidade natal, com o agravante de ter uma economia não muito interessante se comparada às das grandes potências europeias.

Certamente não conseguiríamos fazer a mesma grana que até então fazíamos na terra verde-amarela. Pelo menos essas eram minhas condições e impressões até antes do Sebastian nascer.

Em agosto 2014, Barbora estava em Praga e eu já tinha quase tudo pronto para viajar e acompanhar o nascimento do meu filho. Sebastian chegaria no dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, uma data simbólica para um meio brasileirinho que viria ao mundo no meio da Europa.

Eu estava ansioso, nervoso. Em determinado momento, a ansiedade virou pânico. Nos meses que antecederam a viagem, o Brasil já dava sinais de estar com as pernas bambas. O “gigante” iria cair e meu chão, tremer, com o agravante de que agora eu teria um filho para criar. Eram muitas as dúvidas com relação ao futuro. E somadas aos tormentos da minha darkweb mental, elas me levaram a um apagão.

É assustador o que um cérebro quimicamente desequilibrado pode fazer com você. Comecei a pensar em tudo o que poderia dar errado

Esse estado de nervos fez com que eu apagasse bem no momento do embarque no avião. Os comissários não me deixaram viajar e tive de remarcar a passagem, o que gerou ainda mais estresse e frustração.

Logo, coloquei-me em pé novamente, consegui viajar e curtir a cidade com minha mulher até a chegada do Sebastian – acredite, ela só aconteceu só no dia 8 de setembro. Estaria o pequeno desprezando seu lado brasuca? Ingrato! (Brincadeira…)

O nascimento do Sebastian foi a coisa mais especial que aconteceu na minha vida (clichê de pai-babão, eu sei). Com o bebê no colo, crise no Brasil e insegurança sobre o futuro, era hora de considerar o desejo da Barbora em estabelecer nossa família na Tchéquia.

Ao analisar as opções e o que cada uma delas representava em termos de perdas e ganhos, um episódio fez toda a diferença. Em uma caminhada por Letna, charmoso bairro de Praga, deparei-me com um grupo de aproximadamente 20 criancinhas passeando faceiras e alegres com suas professoras.

Ninguém, a não ser esse que vos escreve, demonstrava surpresa com a cena. Era algo comum. Os pequenos e suas cuidadoras não estavam com medo de atropelamento, assalto, sequestro, bala perdida, bandido, polícia e mais um monte de coisas ruins que estariam na lista de qualquer paulistano. Foi assim que o meu “definitivamente não” se transformou em um “ok, vai ser bom para o pequeno”.

Passado algum tempo que estamos aqui, ainda é cedo para avaliar se a decisão de vir para a República Tcheca foi acertada ou não

Provavelmente, no fim da caminhada, quando Barbora e eu estivermos escrevendo nosso livro de memórias, poderemos avaliar melhor, como em tudo na vida.

Profissionalmente, ainda busco meu lugar ao sol. Achei que teria sucesso com meu blog Zoropeando.net. Infelizmente, não decolou. Depois fui trabalhar como editor-chefe de um site sobre ciclismo. Apesar da grana razoavelmente boa, a experiência foi deprimente, uma festa estranha com gente esquisita.

Em dezembro, fiz uma nova aposta: lancei a loja virtual da Buddha Organic, minha marca de camisetas orgânicas. A missão dela é entregar um produto bom, bonito e com significado. Além de também pagar as minhas contas, claro, mas ainda temos um caminho a percorrer até lá.

A vida pode até não estar fácil, mas por ora prefiro pensar que vale a pena viver em uma cidade linda, que oferece qualidade de vida de primeira a um custo relativamente baixo

Quero curtir meu filho e minha mulher, meus novos e bons amigos, beber cerveja boa e barata, além de vislumbrar as possibilidades que pairam no horizonte. Porque elas estão, sim, no ar.

Como minha psicóloga certa vez disse: “acredite que vai dar tudo certo, simplesmente porque vai”. Acho que falta um pouco de embasamento científico para uma afirmação desta grandeza, mas é o que temos para hoje. Porque voltar para o Brasil, meu velho, está fora de questão – pelo menos por enquanto!

 

Henrique Andrade Camargo, 41, é jornalista com pós-graduação em Gestão Socioambiental pela FIA/USP. No momento, arrisca-se na área do empreendedorismo, mas já foi diretor de redação do Mercado Ético, veículo vencedor do Prêmio Jornalistas & Cia de Imprensa e Sustentabilidade (2013), e trabalhou para a comunicação interna da Editora Abril, além de ter colaborado com as revistas Superinteressante, VIP e SuperSurf.

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