Digite móbile no Google. Clique em “Imagens”. O resultado, em sua maioria, são fotos daqueles penduricalhos multicoloridos instalados acima do berço, para distrair os pimpolhos.
Nada a ver, portanto, com os objetos decorativos criados por Helga Queiroz, 36, e vendidos sob a marca Mova Móbiles.
Inspirados pelas esculturas móveis de arame do grande Alexander Calder (1898-1976), os móbiles de Helga são feitos à mão para “enriquecer com poesia e arte os espaços que ocupam, de maneira sensível, equilibrada e universal”.
Ao criar suas peças, ela bebe na fonte do clássico para remodelá-lo a partir de suas experiências como arquiteta, cenógrafa e diretora de arte, funções que exerceu antes de empreender em plena pandemia.
Mesmo que lentamente, um móbile está sempre em movimento. E essa é uma característica que combina com Helga.
Ela cursou faculdade de Arquitetura e Urbanismo em Belo Horizonte, onde nasceu. Começou a carreira trabalhando em escritórios de arquitetura e também na Prefeitura da capital mineira.
Até aí, tudo certo. Exceto por um detalhe:
“Meu perfil nunca foi bater cartão [de ponto], ficar fechada em um lugar… Acho isso muito careta. Eu queria bater perna, me movimentar. Tinha também uma questão de não ver os projetos acontecerem, porque levava anos [até a conclusão das obras]”
Sua necessidade de movimento seria preenchida pelo cinema, com que ela começou a se envolver ainda na faculdade de arquitetura, aos 21, trabalhando como estagiária de cenografia no curta-metragem Os Filmes que Não Fiz, de Gilberto Scarpa.
“Assim que me formei, me mudei para o Rio de Janeiro para trabalhar na Globo, onde entrei como assistente em treinamento em uma minissérie [O Brado Retumbante]. Fui super bem recebida lá, porque eu já fazia cinema.”
No Rio, Helga conheceu o futuro marido. Ele também era do audiovisual e vinha pensando em se mudar para o Recife. O cinema pernambucano vivia uma fase efervescente e atraía o casal sem medo de mudar de ares.
Arquiteta, cenógrafa e agora empreendedora: Helga Queiroz, a criadora da Mova Móbiles.
De 2011, quando trocaram o Rio pelo Recife, até 2018, Helga trabalhou com direção de arte e cenografia em importantes longas pernambucanos, como o aclamado Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, e Divino Amor, dirigido por Gabriel Mascaro e lançado em 2019.
A gravidez chegou nesse período, em 2018. E, com a maternidade, uma urgência de empreender. Com o quê, ela ainda não sabia… O que estava claro é que, para ter mais tempo para se dedicar à filha, Maya, Helga precisava ser dona do próprio nariz — e do próprio negócio.
“O trabalho em um set de filmagem é exaustivo, você fica lá das 5 da manhã às 5 da tarde. Então, comecei a pensar: ‘será que eu não quero trabalhar em casa, perto da minha filha e fazendo projetos meus?…’”
Ter um ateliê onde pudesse desenvolver suas ideias era um sonho antigo. “Sempre gostei de marcenaria, de mobiliário… Não sabia o que iria fazer, só sabia que iria criar.”
Se é verdade que os móbiles de Helga hoje não têm nada (nada mesmo) a ver com os móbiles infantis, há um ponto em que os dois conceitos se encontram nesta história.
Foi montando o quarto de bebê que ela criou seu primeiro móbile, inspirado em peças desse tipo que comprara um ano antes, quando viajou para a Europa.
“Fiquei impressionada, porque é muito lúdico. Você fica meio hipnotizada, viajando, parece outro tempo, que te puxa… Gosto disso: afinal, trabalho com criação, e tudo o que nos tira do ar é bom”
O insight de criar suas peças veio justamente da implicância que ela tinha com os móbiles infantis vendidos no Brasil, em geral feitos de plástico e bem mais trambolhudos do que aqueles que ela via lá fora.
O móbile que Helga fez para a pequena Maya, ao contrário, era de papel; leve, delicado, estava mais para uma “escultura flutuante”.
Vendo que podia criar um produto diferente do que havia no mercado por aqui, a mineira radicada no Recife contactou uma conhecida de BH que tinha uma loja de antiguidades. Pediu para pôr um móbile seu, de papel, à venda.
Acabou sendo uma grande frustração.
“Eles [donos do comércio] nem deram bola para o produto, não sabiam direito o que era, nem tiraram da caixa. Confundiram com bijuteria. Eu achei chato porque estava toda empolgada, achando que ia rolar…”
Mesmo assim, Helga persistiu. Deixou o papel de lado e fez um curso de marcenaria da Lab74 para entender de que tipo de materiais precisaria para produzir os móbiles de que gostava.
Os primeiros móbiles que produziu “pra valer” foram os modelos em formato de pingente, feitos em chapa de latão, vendidos para amigos. Para montar o primeiro portfólio, investiu uns 3 mil reais.
Quando veio a pandemia, no começo de 2020, Helga ainda estava nessa fase de testar a produção. Com mais tempo em casa, podia pesquisar mais (mesmo se dividindo nos cuidados com a filha) e aprimorar a técnica.
“Eu ficava cuidando da casa, da bebê, mas aproveitei para comprar muitos livros para estudar técnicas. Comprei vários do [Alexander] Calder porque queria fazer exatamente como ele fazia na década de 1940”
Pela internet, conheceu também o trabalho de Mark Leary, que faz móbiles desse tipo há anos nos Estados Unidos. “Fui aprendendo técnicas vendo os vídeos que ele colocava no YouTube.”
Entre julho e agosto de 2020, Helga criou o Instagram da sua marca, Mova Móbiles, e se pôs a estudar como gerar engajamento na plataforma.
Uma forma simples de atrair clientes, ela logo descobriu, era adicionar a hashtag #Calder, de forma a fisgar aficionados pelo artista e seus móbiles.
“Aí, uma das primeiras vendas que fiz foi para um casal dos Estados Unidos que, de tão apaixonado pelo Calder, ia colocar esse nome no filho que estava prestes a nascer…!”
Enviar o produto para o exterior acabou trazendo prejuízo com o câmbio… E um aprendizado sobre como precificar seu trabalho.
“Como autônoma, entendo o valor da minha mão de obra e do meu tempo. O trabalho manual demora e eu preciso estimar o tempo que levo para fazer cada peça, considerando todo o material, até a fita crepe que vou usar”
O pacote, claro, também entra no cálculo. “Não posso entregar meu móbile jogado dentro de uma sacolinha… Eu uso MDF, um material mais caro, para fazer a placa rígida que serve como embalagem.”
Helga resume o processo de criação: desenhar na chapa de latão ou alumínio com um molde; recortar as peças à mão; furar com broca específica; lixar; aramar com hastes inox; dar banho de pintura eletrostática; fazer pintura em spray ou automotiva…
Móbile no modelo Pingente: vendido a 229 reais.
Essas duas últimas etapas, de pintura, ela terceiriza. Depois, é preciso esperar secar e aplicar o verniz. E claro, preparar a embalagem. “Furo uma chapa fina de MDF para prender o móbile nela. Faço, também, a serigrafia na caixa com a logomarca da Mova Móbiles. Só depois compro o selo de postagem.”
O tempo dedicado a cada móbile depende de sua complexidade.
“Sempre tento fazer uma leva, de seis a 12 móbiles por vez. A peça mais simples é um pingente que não depende de ponto de equilíbrio: demoro três dias pra fazer e embalar. O mais demorado, levo uma semana com todas as etapas”
Os modelos mais simples, pingentes, custam a partir de 210 reais (o mais caro que ela fez, por encomenda, saiu por mais de 3 mil reais e levou dois meses para ficar pronto — tinha quase 2,5 m de altura e era revestido de espelhos).
Todos vêm com um gancho autoadesivo para facilitar a instalação, de forma que você não tenha que furar o teto para pendurar a peça.
Além do próprio site da Mova, os móbiles criados por Helga estão presentes em dois grandes e-commerces de decoração: Muma e Westwing.
Chegar e bater na porta dessas lojas renomadas, com seu produto “debaixo do braço”, exigiu uma certa dose de “soft skills” (ou cara de pau, se preferir…).
“No cinema, sempre tenho que estar negociando e ‘vendendo meu peixe’, [negociando] meu cachê… E isso me tornou mais autoconfiante”
Ela conta que, enquanto disparava mensagens para marketplaces onde poderia inserir a Mova Móbiles, deu de cara, em um conteúdo da Westwing no Instagram, com um sofá que achou lindo.
“Mandei mensagem para a diretora artística da loja e falei: ‘caramba, esse sofá com meu móbile ia ficar massa, hein?’”.
Não só combinou mesmo, como aquele contato deu início à parceria.
E além da autoconfiança adquirida na indústria cinematográfica, o que mais a “Helga cenógrafa” leva para a “Helga empreendedora”, e vice-versa?
“Os melhores filmes que você já viu na vida com certeza foram marcantes porque as equipes de direção deixaram tudo bem entrelaçado, tomando conta da atuação, da iluminação, da fotografia…”, diz.
Ela emenda essa explicação com o paralelo:
“Com os móbiles, também tem isso: é preciso pensar no conjunto, no ambiente onde ele vai ficar, e na iluminação. Se você apaga a luz, não vê a peça. Tudo é uma questão de cor, luz e movimento — assim como no cinema”
Quando tudo funciona, afirma Helga, forma-se o que ela chama de “alquimia”.
A empreendedora considera seguir trabalhando no cinema. Isso porque o faturamento mensal da Mova Móbiles hoje ainda oscila entre 4 mil e 7,5 mil reais; por enquanto, não dá para depender apenas da venda das peças.
Apesar disso, diz Helga, o isolamento social imposto pela pandemia até que ajudou a dar um empurrãozinho nas vendas. E não é difícil entender o porquê.
“Quando as pessoas se trancaram em casa, começaram a perceber a diferença que faz cuidar melhor dela… O lar é a extensão das nossas ideias. Se você está bem, em um lugar confortável, que te inspira, tudo isso reflete na sua vida”
Casa, para Helga, hoje é o Recife. Por enquanto. Inquieta, a mineira planeja se mudar novamente, agora para fora do Brasil. O destino ainda não está definido, mas a ideia é seguir criando seus móbiles. Esteja onde estiver.
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