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Mudar o status do mel de um produto simples para ingrediente da alta gastronomia. Esta é a missão da Mbee

Maisa Infante - 9 jul 2018 Com a Mbee, Eugênio e Marcia criaram méis especiais para reposicionar o alimento como um produto gourmet (foto: Gilberto Bronko).
Com a Mbee, Eugênio e Marcia criaram méis especiais para reposicionar o alimento como um produto gourmet (foto: Gilberto Bronko).
Maisa Infante - 9 jul 2018
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Eugênio Basile, 56, e Márcia Basile, 54, criaram a Mbee, produtora e revendedora de méis especiais, por duas razões aparentemente banais. A primeira, ter uma renda que sustentasse a fazenda da família em Atibaia, interior de São Paulo. A segunda, buscar uma atividade para Márcia que, depois de 13 anos, fechou sua fábrica de calçados artesanais. O plano inicial também era relativamente simples: vender mel tradicional, de alta qualidade e pela internet. Mas não se concretizou e os sócios tiveram que aprender — e praticar — algo mais inovador. Se o seu produto é de fato especial, talvez o caminho comercial dele também precise ser. Hoje, os principais clientes da empresa são restaurantes, hotéis, empórios e lojas especializadas, de olho nos méis que eles produzem.

Márcia relembra o momento em que percebeu que sua vida profissional poderia mudar. “Eu estava pensando em vender a fazenda e meu sogro me disse que, antes de me desfazer dela, eu precisava descobrir a vocação da minha terra. E me deu uma caixa de abelhas. Coloquei lá e, meses depois, quando passei perto da pedra em que a caixa estava, percebi que estava jorrando mel. Foi aí que descobri a vocação.” Localizada em uma região de serra, a fazenda tem muitas pedras, uma condição boa para as abelhas, pois ela conta que isso ajuda a manter as colmeias aquecidas sem que precisem bater tanto as asas para gerar calor.

Hoje, a Fazenda Itaicá tem 400 caixas de abelhas Apis mellifera e uma produção que chega a dez mil quilos de mel por ano. A Apis é a abelha mais comum no Brasil, um híbrido de abelhas europeias (que chegaram por aqui com a corte de D. João) e africanas (introduzidas em 1951, durante um estudo da USP). Uma raça forte, que tomou conta não só do Brasil, mas da América do Sul, Central e Canadá, segundo Eugênio. “Costumo chamar de super raça”, diz ela, em tom de brincadeira.

A Mbee tem alguns diferenciais na produção do mel. Um deles é que não trabalha com floradas, como é comum no mercado do mel, mas com safra e terroir (sabor oriundo da flora local em que as abelhas vivem). Por isso, quando o mel é colhido, os lotes não são misturados. Os sócios contam que caixas colocadas a 500 metros de distância uma da outra podem render produtos com sabores bem diferentes. “No mesmo lote, é possível ter dois méis bastante distintos e a gente preza isso”, diz Eugênio. E continua: “O mel expressa o lugar de onde veio, tem o sabor de onde é produzido. A abelha escolheu aquilo e não somos nós que vamos misturar e fazer um blend”.

PRIMEIRO, FOI PRECISO FORMAR O PALADAR DOS CONSUMIDORES

Essa decisão de valorizar o terroir e não misturar a produção trouxe um dos primeiros desafios da empresa: fazer com que os chefs de cozinha entendessem que o produto que recebiam poderia ser completamente diferente a cada safra. Foi quando tiveram medo de que os restaurantes rejeitassem os produtos, o que de fato aconteceu em alguns casos. “Tivemos tanto cliente devolvendo como, outros, pedindo para a gente mandar todo o lote para eles”, conta o empreendedor, que afirma que esse receio já não existe mais porque os restaurantes entenderam a proposta:

“Hoje assumimos a falta de uniformidade como uma característica importante do produto. Nosso mel é único e não sabemos se será possível reproduzi-lo novo”

No portfólio da empresa estão diversas apresentações do produto, criadas por Márcia, que é a mente criativa da Mbee. O que faz mais sucesso é o mel in natura, que passa apenas por uma filtragem grossa, então chega ao mercado mais denso e forte e custa 26,90 reais (300g). Há, também, os méis aromatizados com óleos essenciais como bergamota, canela, lavanda e amêndoas, que saem por 12,50 reais (40g), mel com nibs cacau e cupuaçu (uma parceria com a AMMA Chocolates), no valor de 37,50 reais (150g) e o mais recente lançamento, o mel para churrasco, aromatizado com bétula branca e pimenta jamaicana, 49, 50 reais (300g).

A ideia de trabalhar com uma linha de produtos gourmet é mudar o status do mel, um produto milenar ainda muito ligado à saúde e ao café da manhã, fazendo com que possa ir à mesa da entrada à sobremesa. Este propósito vem junto com um grande desafio, segundo Márcia, que é vender um produto sem similar no mercado, o que os obriga a fazer um trabalho educativo.

Das variações da Mbee, há um mel feito para temperar churrasco.

“Nosso maior desafio é sermos conhecidos. Para isso, nos aproximamos dos chefs, fizemos eventos, participamos de feiras, palestras, degustações e harmonizações. Isso foi mudando o comportamento do nosso produto na prateleira. Hoje, o produto que a gente menos vende é o mel tradicional, porque para ele temos concorrência”, conta Eugênio. O campeão da Mbee no varejo é o mel in natura, que chega a vender entre 600 e 1 000 unidades de 300 g por mês.

A história da Mbee, porém, começou a ganhar uma nova cara depois que Eugênio e Márcia descobriram os méis de abelhas nativas brasileiras, conhecidas como abelhas sem ferrão. “Não tínhamos nenhuma grande aspiração com a Mbee. Mas como sempre frequentamos muito os restaurantes de São Paulo, mostrei o nosso mel de Apis para o chef Alberto Landgraf. Ele me disse que não usava aquele tipo de mel e levou para uma mesa uma degustação. Me apaixonei de cara e começamos a ir atrás disso”, conta Eugênio.

DE REPENTE, ALÉM DE SER GOURMET, SURGE UMA PROPOSTA SUSTENTÁVEL

Hoje, o “Projeto Nativas”, de criação dessas abelhas, representa apenas 5% do faturamento e é o maior investimento da empresa. Já foram alocados mais de 1 milhão de reais na iniciativa que, embora não represente muito em faturamento, é o que tem gerado visibilidade e credibilidade para a Mbee. “A gente está em diversos restaurantes vendendo o mel de Apis. Os chefs compram meu produto porque confiam, sabem que há um projeto sustentável por trás”, diz.

Na fazenda, eles possuem poucas caixas de abelhas nativas, apenas para estudo próprio e distribuição nos centros urbanos. O modelo de negócios é comprar a produção de mel nativo de pequenos produtores espalhados pelo país e vender para restaurantes usarem na alta gastronomia. Com isso, fomentam uma cadeia muito frágil — a de pequenos produtores — gerando renda para essas famílias e ajudando a preservar as abelhas nativas (algumas, inclusive, ameaçadas de extinção).

“O chef Ivan Ralston, do Tuju, foi o primeiro a comprar nosso mel nativo e fizemos um acordo no ano passado, quando descobri o mel de Emerina, uma abelha ameaçada de extinção. A gente desenvolveria criadores dessas abelhas e ele compraria a produção. No final, hojetemos três produtores no Paraná criando essa abelha para atender a gastronomia”, afirma Eugênio.

Hoje, a Mbee compra uma média de 30 quilos de mel de abelhas nativas por mês. “O que vier de mel bom, produzido de forma sustentável, sem extrativismo, a gente compra. Compra e quase não vende”, diz Eugênio. Além do desconhecimento das pessoas e do preço mais caro (90 reais a embalagem de 140g), outro entrave para a venda é a legislação brasileira, que mudou no final do mês passado e trouxe esperança e otimismo para a Mbee.

Por ser um mel com mais umidade e menos açúcar, o produto é menos estável, fermenta mais rapidamente e sua venda era proibida fora da região da produção (no caso da Mbee, eles só podiam vender em Atibaia). Porém, com a nova legislação, os méis das nativas já podem ser comercializados em todo país mesmo sem o SIF (Selo de Inspeção Federal). “Vender isso nos mercados era uma coisa que parecia impossível”, diz Eugênio.

Os empreendedores têm noção de que uma empresa não sobrevive apenas de sonho e ideais e precisa, claro, de caixa. Por isso, Eugênio mantém um olho no sonho e outro nas planilhas da Mbee, que está atingindo agora, depois de quatro anos de operação, o ponto de equilíbrio.

“Se a gente produzisse só o mel comum, nossa estrutura cairia, o custo iria lá para baixo e a empresa ficaria super viável. Mas e o significado? E os desafios?”

Ele continua: “Os outros produtos dão trabalho, vendem pouco e tem custo alto. O cabelo branco é o que nos permite ter mais paciência e conseguir ver o futuro com mais tranquilidade”, diz Eugênio, que acredita que o pioneirismo nesse mercado vai trazer resultado financeiro em breve.

A FONTE DE INSPIRAÇÃO PARA EMPREENDER DEPOIS DOS 50

Eugênio e Márcia são empreendedores há muito tempo, mas, com a Mbee, ganharam um novo desafio depois dos 50 anos. Engenheiro, ele trabalhou na construção civil, foi superintendente em uma fábrica de vidro e se tornou consultor em estratégia especializado em pequenas empresas. Márcia é formada em Direito, mas sempre trabalhou na área industrial porque seu pai tinha um curtume. Durante 13 anos, teve uma fábrica de calçados artesanais que produzia para importantes marcas de luxo. Quando a empresa começou a dar prejuízo, ela quis ter outro negócio e as abelhas apareceram como oportunidade. Eugênio entrou na Mbee para ajudá-la com a parte estratégica, na qual ele tinha experiência, mas foi se envolvendo com o mundo do mel a ponto de, há um ano e meio, deixar seu próprio negócio para se dedicar integralmente à empresa.

Acima, sobremesa preparada por um dos restaurantes que usa o produto da Mbee: peras assadas com queijo de cabra, nozes e mel.

Eles dizem que a paixão pela gastronomia e pelo universo dos méis e das abelhas foi o que os moveu a investir 100 mil reais de recursos próprios para começar a empresa e mudar a vida aos 50 anos, quando já estavam naquela fase de, às sextas-feiras, não ir pra o escritório e pegar a estrada para descansar.

“Aceleramos tudo de novo e mudamos completamente nossa vida pessoal. Colocamos em risco o patrimônio da família, trabalhamos muito e fazemos de tudo dentro da empresa. Também cortamos despesas extras no dia a dia e diminuímos as viagens. Mas, pela primeira vez, nós dois chegamos a um negócio que faz sentido”, fala Eugênio.

Ele diz que a experiência da vida de empresário anterior fez toda a diferença. Mas, talvez, exista um componente genético nesse gosto pelo desafio. O pai de Eugênio, que deu a primeira caixa de abelhas para o casal é, além de engenheiro civil, produtor de café. Agora, aos 90 anos, quando já poderia estar parado, está começando a plantar cafés especiais e liderando um movimento dos agricultores de sua região. E assim, Eugênio e Márcia seguem o exemplo de gente mais velha, mas plena de vigor para iniciar novas empreitadas.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Mbee – Mel de Terroir
  • O que faz: Produz méis especiais
  • Sócio(s): Eugênio Basile e Márcia Basile
  • Funcionários: 6
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 100.000
  • Faturamento: Dez mil quilos de mel produzidos por ano
  • Contato: [email protected]
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