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Na Cria, expoente do empreendedorismo criativo brasileiro, os negócios têm de ter valor compartilhado

Mariana Castro - 8 dez 2014
Liga OP é atualmente um dos projetos mais importantes da Cria: conectar uma rede de inovadores dentro de corporações.
Mariana Castro - 8 dez 2014
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Mariana Castro, que assina esse texto, lançou Empreendedorismo Criativo (Portfolio/Penguin, 199 pgs), onde conta em detalhes o case da Inesplorato e mais oito histórias completas sobre novos empreendedores brasileiros e seus empreendimentos criativos. Compre. Leia. Recomende.

 

Outra parada. Esse é o negócio da Cria, empresa lançada em novembro de 2010 por um indiano, Dhaval Chadha, uma uruguaia, Florencia Estrade, e um brasileiro, Fred Gelli. A Cria se propõe a fazer consultoria para negócios do futuro, baseada em três pilares: projetos de valor compartilhado, inovação e intraempreendedorismo.

Negócios de valor compartilhado são aqueles em que todo mundo ganha. A empresa e a sociedade. Ou seja, são projetos que unem impacto social positivo à geração de lucro. Uma coisa não está dissociada da outra. Muito pelo contrário. Fazer negócios de valor compartilhado é, aliás, a essência mantida pela Cria nesses quatro anos de existência. O que mudou foi a abordagem com as empresas.

Quando começou, a Cria fazia projetos de consultoria mais longos, de ao menos três meses, com equipes maiores que iam a campo, pesquisar e investigar cenários. Depois de três anos trabalhando nesses projetos, houve a constatação de que muitas das ideias sugeridas após o processo de consultoria não iam para frente. Ficavam pelo caminho.

Fred Gelli, um dos três sócios-fundadores da Cria. A empresa está evoluindo em sua forma de agir e se estruturar.

Fred Gelli, um dos três sócios-fundadores da Cria. A empresa está evoluindo em sua forma de agir e se estruturar para tornar seus projetos mais efetivos.

Os sócios chegaram à conclusão de que isso acontecia por dois motivos. Na maioria das vezes as empresas têm dificuldade de implementar uma metodologia de incubação e amadurecimento de novos negócios. Além disso, a experiência mostrava que, para serem implementadas, as ideias precisavam partir das pessoas que trabalham dentro das empresas. E que os processos de inovação são desencadeados por meio dessas pessoas.

Foi assim que a Cria resolveu estudar o comportamento de quem trabalha dentro das companhias, para desenvolver modelos mais educacionais, para promover as mudanças que levam a um negócio de valor compartilhado.

O PODER DA INOVAÇÃO CORPORATIVA

Daí surgiu o projeto da Cria batizado de Liga OP (OP = outra parada), uma rede formada por intraempreendedores. “Intraempreededor é aquele indivíduo que atua dentro de uma grande companhia, que gosta e se sente confortável com essa estrutura, mas que leva de forma proativa novos negócios, de impacto positivo, para dentro da empresa”, explica Florencia. Segundo ela, o intraempreendedor quer fazer as coisas acontecerem e, por isso, tem um poder enorme para promover a mudança.

“É preciso dar valor e reconhecimento para quem leva negócios inovadores para grandes companhias, que normalmente tem um perfil super colaborativo”.

O que a Cria faz é ajudar a reconhecer quem são esses indivíduos, que têm um propósito e a paixão empreendedora, e conectá-los. Também contribui para conciliar a postura empreendedora com a estrutura de uma empresa e, assim, acelerar e dar vida às boas ideias. A crença é de que a inovação vem, muitas vezes, de oportunidades e, consequentemente, de quem está atento a elas.

Há meses a Liga vem operando em um esquema meio beta, ainda como um projeto piloto. Mas esse é um movimento global, onde a Liga está plugado. Por aqui, a rede já conta com 40 pessoas de 25 empresas, e áreas diferentes, de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. No encontro dos intraempreendedores, há troca de ideias, experiências e exposição de cases que servem de inspiração. “Só o fato de saber que há outas pessoas espalhadas por aí com o mesmo espírito é muito bom para o intraempreendedor”, diz Florencia.

Ela acredita que a Liga é uma plataforma com grande potencial para gerar novos negócios e que pode ter um modelo autossustentável. Por enquanto, conta com parcerias como a da Flag, que participou e sediou o encontro dos intraempreendedores. No início do ano que vem, a Cria faz um convite para que pessoas que atuam dentro de grandes empresas possas se conectar umas com as outras e fazer parte da Liga. As inscrições serão abertas em janeiro, para os interessados em participar.

A consultora da Cria, Luciana Shirakawa, explica o conceito do intraempreendedor comparando com a metamorfose de uma lagarta:

“Para virar borboleta, 10% das células da lagarta sobrevivem e são responsáveis pela transformação. São as células que têm capacidade transformadora. É assim com a equipe de uma empresa”

Um exemplo de novo negócio gerado graças ao intraempreendedorismo surgiu da seguinte maneira: a Cria foi chamada pela InterCement, empresa do grupo Camargo Corrêa, que está entre as líderes em produção de cimento, para contribuir na implementação de uma área de inovação. A Cria acabou declinando do projeto pois não era um negócio de valor compartilhado, que gerasse algum impacto positivo na sociedade. Dois funcionários da InterCement, Lívia Prado e Luís Rielli, ficaram pensando em como gerar esse impacto positivo, em como aliar inovação com sustentabilidade – em uma empresa que faz cimento.

Acabaram desencadeando um processo de desenvolvimento de negócios sustentáveis, reunindo pessoas de países diferentes. Como resultado, deixaram de comprar o pallet – madeira usada para carregar e transportar cimento – de vários fornecedores e passaram a comprar da comunidade local, em uma parceria com cooperativas que usam mão de obra melhor remunerada.

Luciana Shirakawa, consultora da Cria, em uma palestra sobre oportunidades de inovação no ecossistema de saúde, promovida pela Unimed em Florianópolis.

Luciana Shirakawa, consultora da Cria, em uma palestra sobre oportunidades de inovação no ecossistema de saúde, promovida pela Unimed em Florianópolis.

Com a Dell, a Cria participou de um projeto para geração de novos negócios de valor compartilhado envolvendo 26 pessoas de dentro da empresa. Os funcionários trabalharam juntos ao longo de seis meses. Além da curadoria e seleção do grupo, a Cria participou do processo dando mentoria. De oito ideias de novos negócios, duas foram levadas para frente. Aprovados internamente, estão sendo implementados.

Ainda de olho em pessoas com potencial de transformar e acelerar os negócios de impacto positivo, a Cria criou mais um unidade de negócio, o Lab. O núcleo é um laboratório experimental que promove experiência em cursos e workshops que vão de meio período a até três dias, e abordam temas como “o futuro dos negócios”, “como desenvolver negócios inovadores”, “intraempreendedorismo” e “saúde e futuro”, baseado em uma pesquisa feita pela Cria sobre Saúde.

“Nos cursos, levamos nossa visão e nossa metodologia em pílulas, de forma leve”, diz Florencia. O foco são sempre negócios que possam contribuir para a construção de um futuro mais desejável.

COMO TUDO COMEÇOU

A vontade de promover negócios que possam contribuir para a construção de um futuro mais desejável foi o que juntou os três sócios da Cria em torno de um mesmo projeto. Dhaval e Florencia trabalharam juntos na ONG CDI. Ela, especialista em negócios sociais, com experiência em mercados como Índia e Bangladesh, ele, formado em ciências sociais e futurismo. Os dois conheceram Fred – fundador da Tátil Design de Ideias, premiado diretor de criação e um dos idealizadores da logomarca dos Jogos Olímpicos de 2016 – em um trabalho para a Coca-Cola, em 2009.

Dhaval convidou Fred para participar de um TEDx que estava ajudando a organizar. Fred fez sua palestra e um convite para Dhaval vir trabalhar com ele. Como resposta, recebeu a proposta de uma sociedade, em um novo negócio que ele e Florencia estavam começando a desenvolver.

Quando estava terminando o curso de futurismo na Singularity University, Dhaval recebeu em San Francisco a visita de Fred e Florencia. Foi um grande encontro. Os três elaboraram juntos a criação da nova empresa que tinha como objetivo encontrar, desenvolver e implementar negócios de valor compartilhado. Foi assim que o nome, a missão e os valores da Cria saíram do papel, na cobertura do hotel Hyatt, em 2010.

Os três compartilhavam da opinião sobre como as marcas devem ter um papel protagonista na transformação positiva da sociedade. Não demorou para Dhaval e Florencia estarem dentro da Tátil, que também é sócia da Cria. Coca-Cola, Natura, TIM, Museu do Amanhã, Google e Fundação Roberto Marinho estão no portfólio da empresa.

Em 2014, mudanças importantes aconteceram na trajetória da empresa. Além da nova abordagem, em que a Cria começou a olhar mais para a capacidade transformadora das pessoas dentro das empresa e, como consequência, estruturou a LIGA OP e o Lab, trouxe também mudanças na estrutura da sociedade, até então fechada nos três fundadores.

Dhaval, sócio fundador, resolveu tirar um sabático de alguns meses e seguir outros caminhos. O indiano formado em Harvard, que já morou em Fortaleza e Salvador antes de morar no Rio, está saindo da sociedade. Continua perto de Fred e Florencia, mas não está mais na operação da empresa.

A equipe da Cria atualmente é formada por mais três pessoas, além dos sócios. Luciana Shirakawa e Paula Cunha, consultoras, e a designer Carol Peixoto. Também mudou de endereço. Saiu da casa em que estava e agora divide o espaço com a Tátil, tanto no Rio, como em São Paulo.

A EMPRESA SE MOLDA AO FUTURO

Um trabalho no qual está envolvida atualmente – e que ilustra o papel da Cria como consultora para negócios de valor compartilhado – é com o Desafio de Impacto Social do Google. Dez iniciativas brasileiras de impacto social, escolhidas após uma seleção, receberam apoio financeiro para conseguir estruturar e manter suas ideias. Quatro ONGs receberam 1 milhão de reais e outras seis, que ficaram em segundo lugar, ganharam 500 mil reais.

Sueli Carneiro, coordenadora do Geledés, uma das ONGs premiadas pelo Google, em projeto com parceria da Cria

Sueli Carneiro, coordenadora do Geledés, uma das ONGs premiadas pelo Google, que terão acompanhamento e mentoria da Cria.

A Cria foi contratada para acompanhar essas empresas e seus projetos, dando consultoria e mentoria. O trabalho vai desde ajudar no aspecto de administração financeira até manter ou resgatar o propósito das ONGs. A Cria contribui ainda na construção de processos que conciliem sustentabilidade com inovação e no suporte para que os projetos saiam do papel com alguma agilidade.

Entre as organizações e institutos vencedores, que receberam o prêmio do Google estão o Meu Rio, Conservação Internacional, Instituto Geledés, Open Knowledge Foundation e Instituto Socioambiental.

Para o ano que vem, a Cria pretende focar um pouco mais em crescimento e investimento. No seu segundo ano de existência, a empresa duplicou em termos de faturamento. Do ano passado para cá, manteve o mesmo tamanho.

Em 2015, a Cria também vai tocar um novo projeto para um dos patrocinadores dos Jogos Olímpicos de 2016. Um patrocinador interessado em deixar seu legado para o Rio, que será o anfitrião do evento. A empresa está elaborando um trabalho sobre como fazer investimentos inteligentes na cidade, que estimulem a atividade física e a saúde.

A outra grande missão da empresa no ano que vem é reunir e potencializar os superpoderes dos intraempreendedores, fazendo com que a Liga ganhe força e ajude a acelerar a mudança que tenha, como resultado, um futuro mais desejável.

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Mariana Castro é jornalista e autora do livro Empreendedorismo Criativo. Trabalhou no Grupo Estado e na Editora Abril, antes de ir para o jornalismo digital. No portal iG, atuou como editora-chefe do Último Segundo e editora-executiva de Política, Internacional, Cidades e Educação. Atualmente é diretora da F451, que publica o Gizmodo Brasil.

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