por Fabio Zoppi Barrionuevo
“Está muito alto para carpir, muito baixo para roçar, e molhado para queimar.” Algum tempo atrás ouvi essa frase de um profissional do agronegócio com décadas de experiência. Envolvido com projetos de melhoria da produtividade e qualidade da produção, ele comparava o ambiente e as ferramentas de trabalho “das antigas”, muito poucas por sinal, com o cenário atual, repleto de inovações de proporções diversas e espalhadas pelo setor.
Sabemos que uma inovação é definida como a absorção de um bem ou serviço novo ou significativamente melhorado pelo mercado, podendo ser também um novo processo ou um conjunto destes. Sabemos, também, que há mais inovações evolutivas (ou incrementais) que disruptivas no mercado. Contudo, quando alguém diz “no meu tempo era assim”, não se dá conta que seu tempo é o que sempre foi, e o que sempre será, até que não possa mais respirar! Ou seja, não há como escapar da inovação! É irreversível: ela chegou ao campo e o mundo agro vive uma era de grandes oportunidades.
A base de uma inovação é, sem dúvida, o pensar além do convencional. Quando este comportamento está presente num ecossistema favorável – com linhas financeiras de fomento, mentorias e produção de conhecimento – torna-se viável a proposta de valor desenvolvida, e torna-se possível sua absorção pelo mercado.
No que se refere ao agronegócio, podemos citar alguns protagonistas brasileiros neste ecossistema de inovação, distribuídos principalmente no Paraná, Mato Grosso, São Paulo, mas também presentes em outras regiões. Os destaques são a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), a 5ª melhor universidade de Ciências Agrárias do mundo segundo a U.S. News and World Report, e a Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, laureada pela consultoria Quacquarelli Symonds por oferecer o 43° melhor curso do mundo de Agricultura e Ciências Florestais.
Também fazem parte deste ecossistema iniciativas como a ESALQTec, a incubadora da ESALQ/USP; o AgTech Coworking, um habitat de inovação no setor; a Usina de Inovação, que conecta os participantes da inovação Agro; o AgriHub, iniciativa que visa aproximar o produtor rural de tecnologias específicas para o campo; o StartAgro, plataforma de conteúdo que visa traduzir o agro para o urbano e atrair uma nova geração de empreendedores para o setor; entre outros.
Olhando para o passado, presente e futuro, ainda que de maneira cronologicamente imprecisa, as inovações e disrupções nas “Eras da Agricultura” poderiam ser listadas em quatro etapas:
1 – Crenças e tradições
Há várias crenças e tradições ainda presentes no campo, passadas de geração para geração. Uma delas, que há muito não vejo sendo utilizada, se refere ao clima: no virar do ano, o produtor observava as chuvas ocorridas entre o primeiro e o décimo-segundo dia do ano, sendo que cada dia se referia ao “futuro das chuvas” nos meses de janeiro a dezembro.
Se no terceiro dia do ano chovesse apenas durante as primeiras horas da madrugada, isso era um indicativo de que no início do mês de março haveria chuvas
Se chovesse à noite, a mesma relação empírica era dada ao chover no final de março, e assim por diante. Os que viveram e trabalharam no campo nas décadas de 1950 e 1960 garantiam que o “método” funcionava!
2 – Evolução do maquinário e da genética e química dos insumos
Com o passar do tempo, os produtores rurais dominaram técnicas de manejo para a preparação do solo, controle de doenças e pragas, plantio e colheita. Tiveram à sua disposição uma gama de produtos e equipamentos desenvolvidos principalmente pelo setor de químicos (que inclui fertilizantes e defensivos agrícolas, ou agrotóxicos). Ao mesmo tempo, o setor de engenharia e máquinas agrícolas e a tecnologia de sementes (genética e a biotecnologia) também evoluíram.
3 – Digitalização — a Era da Informação: Big Data, dados por volume e quantidade
Mais tarde, a revolução digital chegou ao campo através dos softwares de gestão e dos dispositivos eletrônicos através da telemetria, disponível em máquinas agrícolas, capazes de analisar condições do solo, identificar áreas com doenças e pragas e auxiliar na otimização das aplicações de defensivos, além de gerar recomendações de locais e volume de água para irrigação.
Além do tamanho e potência das máquinas agrícolas, agora é importante a capacidade de coleta e interpretação dos dados do campo. E com soluções dentro do conceito de agricultura de precisão, o agricultor começou a planejar atividades que por muito tempo foram feitas de forma totalmente empírica, com as crenças e tradições expostas acima, reduzindo seus gastos principalmente com defensivos, água e energia.
4 – Assertividade — a Era Conceitual: Right Data, dados por relevância
Na Era conceitual, demanda econômica exige trabalhadores qualificados em áreas guiadas pelo hemisfério direito do cérebro (Daniel Pink, autor de A Whole New Mind, usa os dois lados do nosso cérebro como metáfora para a compreensão do nosso tempo: de um lado a Era da Informação e a predominância do uso do lado esquerdo do cérebro e, do outro, o novo mundo no qual as qualidades do lado direito — inventividade, design, empatia, significado – predominam).
Junto a isso, também acredito que a inovação não precisa de Big Data: precisa de Right Data, ou seja, dos dados relevantes e úteis.
No campo, estamos em transição para uma nova era, em que o smartphone chega aos produtores mais distantes e diversas soluções serão democratizadas
O desenvolvimento se tornará cada vez mais sustentável, com utilização cada vez mais responsável e consciente dos recursos naturais.
As soluções que estão chegando ao mercado AgTech (ou AgriTech) já estão revolucionando a tomada de decisão dos produtores: compra e venda serão realizadas através de marketplaces, onde os produtores e compradores encontram as melhores ofertas e realizam os melhores negócios (como o Grão Direto); documentação de comercialização antes feitas em papel serão digitalizados, padronizados e integrados, evitando enormes burocracias e retrabalhos (como o Bart.Digital); desenvolvimento de insetos e ácaros predadores em laboratório, para combater pragas do campo que diminuem a qualidade e produtividade da produção (Pragas.com), entre diversas outras inovações.
A principal ruptura entre a “digitalização” e a “assertividade” na agricultura está na posse de recursos. Antes, quem tinha vantagem era quem tinha mais capital, mais máquinas, mais dispositivos. Agora, tem vantagem aquele quem gera valor com menos recursos.
Um aparte sobre a Meteorologia
Uma área que se enquadra na “era conceitual”, e que tem clamado por melhores soluções devido ao impacto do timing nas atividades do campo, é a Meteorologia. Para começar uma safra com o pé direito, o produtor rural precisa plantar na época certa, pois as sementes precisam de certo volume de água para germinar. Com previsões meteorológicas focadas nas peculiaridades da agricultura, ele pode adiantar ou atrasar o plantio, garantindo uma maior produtividade e evitando replantio. Da mesma forma, a data de colheita também é influenciada pelas condições meteorológicas e, mais que isso, o produtor rural também precisa planejar o próximo plantio, analisando as tendências de chuva e temperatura para a próxima safra ou safrinha (plantio de ciclo curto ou longo), planejando os estoques de sementes mais adequadas para cada opção.
Para isso, já estão surgindo soluções meteorológicas focadas no agronegócio, como a Oráculo Meteorologia, que emite alertas de chuva de curtíssimo prazo, com horas de antecedência, permitindo ao produtor se planejar e, se necessário, cancelar operações que necessitam de tempo seco, reduzindo os prejuízos causados por chuvas inesperadas. Essas soluções não demandam nenhum dispositivo instalado na fazenda nem no campo de plantio, otimizando assim os custos.
O que podemos entender disso tudo é que a inovação no campo tem como grande motivação a necessidade de atender a demanda, que só cresce, por isso ainda cabem atuações inovadoras na produtividade e principalmente na redução de desperdícios. Este movimento inclui também os pequenos produtores, afinal, em 2050, seremos cerca de 9 bilhões de pessoas habitando o planeta, e teremos que aumentar a produtividade, mas sem aumentar o espaço de plantio.
Acredito que atitudes empreendedoras são uma ferramenta para as transformações que o país precisa. A inovação muda e molda nosso futuro, inclusive no Agronegócio.
Fabio Zoppi Barrionuevo, 36, é consultor em gestão estratégica e implementação, com foco em inovação, competitividade e internacionalização. É mentor de startups (Google Campus, InovAtiva Brasil, Acelera Startup, Fiesp e ESALQTec) e acredita em atitudes empreendedoras como ferramenta para as transformações que o país precisa.