Quem tem um idoso na família sabe quão difícil está sendo para eles lidar com a quarentena. Os que são mais independentes não se conformam em ficar em casa. Além de memes tirando sarro da resistência dos idosos ao isolamento social, essa vontade de ir para a rua motivou uma série de orientações mais focadas na terceira idade sobre os riscos do coronavírus — já que eles, afinal, são parte do grupo de risco.
Surgiram, por exemplo, campanhas de pessoas mais jovens se oferecendo para ir ao mercado ou à farmácia em nome dos vizinhos de mais idade que vivem sozinhos. Outros se voluntariam para bater papo por telefone ou WhatsApp, de forma a amenizar a solidão dos mais velhos.
O olhar para esse público, porém, não se resume à solidariedade. Desde junho de 2019, quando ainda vivíamos num mundo pré-Covid-19, os empreendedores Viviane Palladino, 41, Lilian Glaisse, 40, e Filipe Mori, 35, atuam com foco na Economia Prateada, que engloba atividades econômicas, produtos e serviços ligados às necessidades das pessoas com mais de 50.
O trio é sócio da Mais Vívida, que conecta vividos (como chamam os idosos) a jovens (apelidados pela empresa de Anjos) em busca um trabalho com propósito social. Com o início da pandemia, a estratégia teve de ser revista para garantir a saúde de seus clientes e manter a operação.
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A Mais Vívida começou operando na capital paulista e, em janeiro deste ano, passou a atender cidades próximas como como Osasco, Barueri e ABC, na Grande São Paulo. Por meio dessa conexão entre jovens e vividos, o negócio permite que os anjos, devidamente treinados e selecionados, realizem atividades que facilitam a vida dos vividos, como ensinar a usar as redes sociais, fazer compras, experimentar jogos que estimulam a mente e realizar passeios culturais ou ao ar livre.
UM NEGÓCIO COM FOCO NA CONEXÃO INTERGERACIONAL
A ideia da empresa surgiu quando os sócios cursavam um MBA em Business Innovation/Changemakers na FIAP. Ao perceberem o quanto as empresas e as cidades estavam despreparadas para atender a demanda que será gerada pela inversão da pirâmide populacional, eles decidiram criar um marketplace que concentrasse os serviços e produtos voltados à terceira idade. Viviane, a CEO, relembra:
“Quando começamos a validar o problema em campo, notamos que as pessoas tinham maior preocupação em estar presentes na vida dessas pessoas do que comprar algo ou presenteá-las”
A partir dessa constatação e de pesquisas que mostravam que existiam negócios com foco na terceira idade voltados apenas a serviços médicos ou de cuidados em geral, os empreendedores abandonaram o projeto do marketplace. Surgiu assim a ideia de criar uma plataforma que pudesse oferecer uma solução de apoio e ajuda no aspecto social.
O negócio teve investimento de cerca de 60 mil reais, segundo os sócios, e busca atenuar a tristeza e a solidão que bate quando idosos começam a perder a autonomia. Para os jovens, diz Viviane, é uma fonte de renda com uma causa envolvida. Eles ficam com cerca de 60 % do valor pago pelo serviço, e o restante vai para a Mais Vívida como comissão por intermediação. Viviane explica:
“A proposta é o jovem oferecer sua vitalidade e uma nova visão de mundo ao idoso, além de trazer a vantagem de ser nativo em tecnologia. Na outra ponta, eles se beneficiam da relação, trabalhando sua percepção do outro, desenvolvendo soft skills e empatia, que atenuam o preconceito em relação aos mais velhos”
Até março deste ano, a Mais Vívida realizou 105 atendimentos, com recorrência de 68% (ou seja, a cada dez usuários, cerca de sete tornam-se assinantes). O número de cadastros para ser Anjo chegou a cerca de 200. E a empresa estava faturando (apesar de não abrir esse dado). Isso antes do surto da Covid-19. Com o vírus circulando e a necessidade de distanciamento, o trio precisou repensar suas atividades.
COMO MANTER OS SERVIÇOS DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL?
O questionamento anterior levou os sócios a pivotar rapidamente as atividades da empresa. “Na segunda semana de março, quando começaram os rumores de quarentena, iniciamos a redução dos atendimentos presenciais, e paramos por completo dia 16 daquele mês.” O serviço também parou de ser oferecido a novos clientes. A CEO afirma:
“Não faria sentido ir até a casa de nenhuma pessoa a qual pudéssemos oferecer risco de vida. Como o próprio nome da empresa diz, nós queremos levar mais vida aos idosos”
Mesmo assim, o número de visitantes no site aumento em seis vezes e a solução encontrada para atender a demanda foi oferecer os serviços por meio de voluntários que se cadastram em um formulário site da empresa para realizar as tarefas requisitadas por idosos — mas sem ter contato físico com eles. “Nós checamos a documentação em relação a antecedentes criminais e, depois disso, o voluntário passa a fazer parte do nosso grupo e a receber conteúdo sobre os atendimentos.”
A partir daí, cabe ao voluntário ligar para o idoso, se apresentar, oferecer a ajuda e deixar a relação fluir. Entre os diversos serviços que podem ser prestadas remotamente estão: ensinar a instalar e usar aplicativos de delivery ou entretenimento; combater o isolamento social por meio de ligações, mensagens e vídeo chamadas; e comprar remédios e suprimentos para que os idosos não precisam ir à farmácia ou ao mercado.
A proposta tem dado certo. “Muitos voluntários estão virando amigos dos idosos que atendem.” Viviane conta de um casal morador de São Paulo, Etty, 76, e Delphino Verissimo da Costa, 83, que procurou a ajuda da Mais Vívida para compras de mercado e farmácia. “Eles estão tão felizes com o serviço que passaram a tratar o voluntário que os atende como se fossem um neto adotivo”.
De acordo com a CEO, o perfil de quem se cadastra como voluntário é bem variado, mas a maior parte deles está faixa de 35 a 45 anos. “Muitos são profissionais da área de saúde, como enfermeiros e fonoaudiólogos, que querem colocar seu conhecimento a serviço das pessoas.” Na primeira semana, a empresa recebeu mais de 250 registros de voluntários, sem nenhum investimentos em mídia. Atualmente, a Mais Vívida tem cerca de 400 voluntários. Como tudo está sendo feito na base da solidariedade, a empresa deve ter um impacto no faturamento de 75%.
DE REMÉDIO À CERVEJA: OS PEDIDOS DOS “VIVIDOS”
Entre os pedidos, Viviane conta que 75% são para a compra algum item de necessidade básica ou medicamentos.
“Depois disso, em geral, o idoso fica em contato com o voluntário que manda mensagens diariamente para saber como a pessoa está, e acaba também atendendo outras solicitações como supermercado e fazendo companhia virtual no dia a dia”
As demandas inusitadas também surgem. E são atendidas, claro. “Temos uma senhora do grupo de risco em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, que está em quarentena com o marido, e pediu ao voluntário para comprar cerveja e 18 mexericas pokans.”
Apesar da quarentena, muitos dos idosos tentam se manter ativos. “Tem uma senhora que mora em recife, a Graciara, 70, que está fazendo aulas de alongamento e origami à distância com os Anjos. Ela conversa semanalmente com quatro voluntários que se revezam entre mensagens de áudio, texto e chamadas de vídeo.”
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Viviane afirma que a quantidade de pedidos de ajuda varia bastante. Tem semanas que a Mais Vívida chega a receber 30. Já em outras são cinco. “Acreditamos que a oscilação se deve ao número de entidades e ONGs que lançaram campanhas de voluntariado e estão buscando ajudar da sua maneira. O que é ótimo, mas pulveriza um pouco a demanda.”
APESAR DO DISTANCIAMENTO, A PANDEMIA TEM APROXIMADO AS PESSOAS
Além da solidariedade, um outro ponto positivo da pandemia observado pelos sócios da Mais Vívida é a empatia. “É muito interessante como as pessoas estão percebendo mais o outro – não somente os idosos, que estão em evidência, mas todos a sua volta.” Viviane diz:
“Vejo que as pessoas estão tendo mais contato, seja com os familiares acima de 65, ou com quem ajuda como voluntário. E estão realmente entendendo o que essas pessoas passam no dia a dia, o tempo que ficam sozinhas, o sofrimento com a distância familiar e, muitas vezes, a depressão”
A cofundadora afirma que existem voluntários cadastrados que ainda não receberam pedidos de nenhum idos, mas mesmo assim não estão de braços cruzados. “Muitos criaram alternativas no bairro ou condomínio em que moram para atuar indo a mercado e outras compras de necessidade básica para quem não pode sair.”
Para colaborar com esse movimento, a Mais Vívida criou um PDF com um comunicado para que os voluntários fixem no elevador de seus prédios, avisando que estão dispostos a ajudar.
COLECIONANDO APRENDIZADOS
A Mais Vívida tem caixa para se manter por seis meses nesse esquema de voluntariado. A empresa já vinha apostando em outros modelos de negócio, como o B2B, e fechou uma parceria piloto com o Carrefour. A ideia é oferecer seus serviços para clientes da rede varejista. “Acreditamos que há novas possibilidades de receita vindo pela frente”, diz a CEO animada.
Enquanto a crise não passa, os sócios vão colecionando aprendizados. Testar soluções com rapidez é o principal deles. Em menos de 48 horas, os empreendedores reestruturaram a operação e decidiram pelo atendimento remoto gratuito.
“Tínhamos a certeza de que assim continuaríamos atacando a dor central de nosso público — o isolamento social — que, aliás, sempre esteve em nosso DNA.”
Outras lições citadas por Viviane e que podem ajudar mais empreendedores neste momento são: acompanhar a dor do seu púbico e fazer tudo para resolvê-la; trazer empresas e pessoas com propósito para perto de você; saber que autoconfiança é a sua maior virtude; e ser rápido quando as condições mudarem brutalmente. Sobre a última dica, ela diz: “Não queira ter uma solução perfeita antes de lançar. Se você estiver ajudando já estará valendo, mesmo que não seja da forma ideal”.
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