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Não basta ser sustentável, tem que ser bonito. Como a Catarina Mina vende artesanato e histórias

Mariana Pasini - 19 jul 2016 Artesãs da Catarina Mina em Itatinga, perto de Fortaleza. Ao centro, de calça branca, a fundadora da marca, Celina Hissa (foto: Igor Graziano).
Artesãs da Catarina Mina em Itatinga, perto de Fortaleza. Ao centro, de blusa branca, a fundadora da marca, Celina Hissa (foto: Igor Graziano).
Mariana Pasini - 19 jul 2016
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Catarina Mina foi uma fascinante mulher que, nascida escrava no século 18 no Maranhão, após economizar uma fortuna, conseguiu comprar a própria liberdade e a da mãe. Uma mulher que teve amantes, comprou imóveis e se tornou uma lenda. É ela que dá nome ao business da publicitária e designer cearense Celina Hissa, de 33 anos. A marca Catarina Mina comercializa bolsas, cintos e colares feitos de crochê e nasceu com a inspiração de “valorizar a cultura local trazendo um olhar de design ao artesanato”, como diz a fundadora. Porém, mais do que vender produtos artesanais bacanas, Celina trabalha, e muito, para mostrar como as bolsas são feitas e — o mais importante —por quem.

No Instagram da Catarina Mina, a bolsa Cantiga.

No Instagram da Catarina Mina, a clutch Cantiga, que sai por 349 reais.

O diferencial da Catarina Mina está em contar a história dos 25 a 30 artesãos que têm de 20 a 60 anos, são moradores da capital cearense e arredores, bordam, costuram e dão acabamento às bolsas da marca.

O número de colaboradores varia mensalmente. Mas tem tanta mulher no grupo (são só dois homens) que é mais comum ouvir Celina falar nas “artesãs” do que no gramaticalmente correto “os artesãos”.

Cada um vem de uma realidade própria e tem a sua própria história para contar — muitas envolvendo a superação de um ambiente difícil e a conquista da própria independência e autonomia. Essas narrativas são compartilhadas nas redes sociais da marca, que são o principal canal de comunicação com apoiadores, parceiros e consumidores.

ALÉM DO “PAPO ENGAJADO”, UM NEGÓCIO RENTÁVEL

Celina conta que, com a vontade de conversar com o consumidor abertamente sobre como funciona a cadeia da moda e de produção de uma forma geral, surgiu também a campanha “#umaconversasincera”, na qual a Catarina Mina abre publicamente os custos de produção de cada item fabricado. A empreendedora conta o que a levou a adotar a transparência total:

“Abrir os custos foi um ato de coragem, pois precisávamos contar com a maturidade do consumidor para entender questões internas e de funcionamento da empresa”

Ela prossegue, repetindo um discurso cada dia mais comum entre quem trabalha com moda de forma consciente. “Essa iniciativa vai na intenção de fazer o consumidor perguntar: ‘O que há por trás e como funciona a cadeia de moda e de produção de uma forma geral?’, ‘Que tipos de vida e pensamentos incentivamos com as nossas formas de consumo?’”, diz.

Celina conta que a heroína inspiradora da marca representa a superação de dificuldades, mas também a capacidade de ajustar-se e “entrar no jogo”. Para ela, isso significa saber envolver o consumidor no modo de produção da Catarina Mina. Mais do que um dos atrativos do negócio, isso é parte da estratégia institucional da marca.

Nas redes sociais, a Catarina Mina mostra quem faz os produtos. Acima, a artesã Esperança segura um cartaz com os dizeres "Who made my clothes?" ("Quem fez as minhas roupas?").

Nas redes sociais, a Catarina Mina mostra quem faz os produtos. Acima, a artesã Esperança segura um cartaz com os dizeres “Who made my clothes?” (“Quem fez as minhas roupas?”).

O projeto começou formalmente em 2010, com um investimento inicial de 20 mil reais feito por Celina Hissa e seu pai, Francisco (que hoje tem 10% do negócio), junto com outra sócia que acabou saindo mais tarde. As bolsas começaram a ser vendidas no e-commerce apenas em 2015. Foi o tempo que Celina levou para construir toda a estrutura de trabalho com as artesãs, do desenho dos produtos, da escolha dos materiais e do ritmo de produção mais adequado para atender o mercado que buscava. Um ano e meio do lançamento “para valer”, a empresa havia crescido cerca de 70% em valores brutos de vendas e se tornado, na visão da fundadora, uma referência de marca sustentável no Brasil.

Celina acredita que a venda, de fato, só acontece quando o consumidor gosta do produto e não apenas da ideia de uma marca com “papo engajado”: “Esse novo consumidor entende valores éticos da produção e do consumo como pré-requisitos, mas não compra algo só porque é sustentável”.

Os produtos são refinados e não custam pouco. A bolsa Mambo sai por 498 reais.

Os produtos são refinados e não custam pouco. A bolsa Mambo sai por 498 reais.

O carro-chefe da Catarina Mina são as bolsas de crochê. O modelo Mambo, feito com fios acetinados, é o “xodó” da coleção e custa 498 reais (dos quais, segundo a tabela de preço transparente, 96 reais são lucro e os 372 reais restantes, custos com artesãs, frete, marketing, custos trabalhistas, embalagem, acabamento, aluguel do escritório etc).

Os produtos são comercializados principalmente através no e-commerce, mas também em lojas físicas e multimarcas em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Espírito Santo, Alagoas e o Rio Grande do Sul, além do próprio Ceará.

“O comércio hoje não pode nem ser totalmente online nem totalmente físico, você tem de estar um pouco nos dois cantos”, afirma Celina.

POR TRÁS DA PRODUÇÃO, AUTOGESTÃO E “CAPITAL HUMANO”

A produção das bolsas é dividida entre dois núcleos. Um fica em Itatinga, cidade na região metropolitana de Fortaleza, e é liderado por Aldenice de Souza Felix, de 56 anos. O outro é na própria capital, e lá é Veronica Vieira dos Santos, de 48 anos, quem está no comando. A maior parte dos trabalhadores está em Itatinga: cerca de 25, contra 2 em Fortaleza. Nos dois locais, eles recebem todo o material necessário para cumprir demandas semanais e, normalmente, trabalham na casa de uma das líderes, como é o caso do lar de Aldenice (uma “matriarca”, nas palavras de Celina), ou da própria casa, mas a empresa conta também com um ateliê próprio no bairro de Aldeota, em Fortaleza. É Celina quem passa o pedido de produção para as líderes e elas por sua vez redistribuem os pedidos entre as artesãs.

Artesãs da Catarina Mina, em Itatinga, perto de Fortaleza (foto: Igor de Melo).

Artesãs da Catarina Mina trabalhando em Itatinga, perto de Fortaleza, onde há um escritório da marca, gerido por uma das artesãs (foto: Igor de Melo).

Alguns dos artesãos são registrados, mas a maioria trabalha com MEI, o sistema de microempreendedor individual. “Foi a maneira mais prática que encontramos para regulamentar a atividade”, diz Celina. “Um vinculo empregatício é algo inviável para mim e para artesãs, uma vez que isso demandaria controles internos de produção e controles de horários. Essas medidas seriam intervenções num modelo de produção que acabaria transformando a leveza e delicadeza da cultura do trabalho artesanal”, afirma.

A remuneração aos artesãos ocorre por peça produzida e gira em torno de 1 a 2 mil reais para cada por mês. Há ainda as seis funcionários fixos, encarregados do site, logística, controle de qualidade, criação, assistente de produção e uma estagiária.

Os artesãos também se organizam em núcleos “especialistas” em um ponto específico do crochê, por exemplo, e vão passando o conhecimento adiante. Não há, na Catarina Mina, uma direção criativa única, e o processo de criação é bastante livre e sem métodos definidos. Mesmo a decisão pelo foco no crochê ocorreu de forma espontânea.

“Normalmente elas têm as metas de produção e dão conta, fazem umas quinze bolsas por semana”, diz Celina. Ela conta que os artesãos trabalham em casa. Na maioria, são mulheres, mães de família. “Elas são consideradas parceiras do projeto e recebem uma porcentagem da venda do site.”

Nas redes sociais, a Catarina Mina valoriza o artesanato, elevando-o à categoria de artigo de luxo.

Nas redes sociais, a Catarina Mina valoriza o artesanato, elevando-o à categoria de artigo de luxo.

A empreendedora fala da necessidade de respeitar a forma de gestão que acontece intuitivamente entre os trabalhadores. E diz como se adapta a isso: “O que fazemos é uma tentativa de uma relação horizontal, de maneira que a organização interna das artesãs, a forma que elas dividem o trabalho, a produção de cada um, são coisas definidas pelo grupo juntamente com a líder. Temos reuniões coletivas nas quais eu participo, mas sempre existe uma conversa na qual os dois lados possuem espaço”.

Nesta parceria, a Catarina Mina se compromete a garantir uma produção mensal e a pagar gratificações com o bônus das vendas, enquanto, por sua vez, os artesãos se comprometem a cumprir os prazos e o (alto) padrão de qualidade. Às vezes, a coisa aperta. Por exemplo, quando há um pedido muito grande e pouco tempo:

“Quando aperta, eles trabalham até de fim de semana. E, quando eles precisam, dou um jeito de ter produção mesmo sem ter pedido. Há um compartilhamento de necessidades, uma troca”

O recrutamento de novos trabalhadores é constante e acaba vindo através de redes de relacionamento das próprias artesãs, especialmente das “matriarcas”. “A gente acabou tomando a decisão de se fortalecer e firmar essas parcerias com as que estão com a gente há mais tempo e tentar resolver logísticas de produção e capacitação com elas mesmas”, conta Celina.

Ela gosta de pensar a Catarina Mina como um projeto, mais do que apenas como uma marca: “A Catarina Mina é sobre valorizar o coletivo do artesão e do artesanato, um ofício que possibilita que a mulher, tendo filhos, consiga também trabalhar em casa, ter uma renda. Trata-se de conseguir empoderar mulheres que dependiam da renda do marido, por exemplo, ou que viviam em situação vulnerável. Uma das mulheres que trabalha com a gente apanhava do marido e conseguiu sair de casa”.

OS (MUITOS) ERROS E ACERTOS NO CAMINHO

Ao longo do ano passado, a empresa passou por grandes mudanças no seu formato de atuação. Entre elas, a decisão de não mais desenvolver produtos para outra marca revender – “a gente só trabalha se a gente assinar junto”, diz Celina – e também não trabalhar mais com tecido. A marca ainda procura se manter aberta ao diálogo com o consumidor, e a pedidos implementou, por exemplo, o frete grátis na loja virtual em abril de 2015.

“Queremos ainda ter mais conversas, falar de outros pontos. Pensamos em fazer um seminário e discutir a dinâmica com outras empresas também. É importante, cada vez, mais a Catarina Mina se fortalecer para que a venda, a produção a nossa capacidade de manter e dar continuidade a essa cadeia, dependa cada vez mais da gente e do consumidor que consome nossa marca e cada vez menos de parcerias externas”, diz ela.

Após anos comandando a Catarina Mina, a empreendedora tem alguns conselhos para quem deseja empreender. “A primeira coisa é ter foco, apostar numa coisa, mesmo que mude no caminho. Não precisa ser um foco imutável, mas saber que escolher um caminho significa também dizer não para outras coisas”, afirma. A segunda recomendação é não perder a capacidade de se reinventar. E não dar ponto sem nó.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Catarina Mina
  • O que faz: Bolsas artesanais, vendidas online
  • Sócio(s): Celina e Francisco Hissa
  • Funcionários: 6 fixos e de 25 a 30 artesãos parceiros
  • Sede: Fortaleza
  • Início das atividades: 2010
  • Investimento inicial: R$ 20.000
  • Faturamento: R$ 650.000 (em 2015)
  • Contato: [email protected]
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