“Esta menina
Tão pequenina
Quer ser bailarina.”
(“A Bailarina”, Cecília Meireles)
Esses versos vieram à minha mente porque antes de se tornar executiva, Andrea Alvares estudou 13 anos de ballet clássico. Aos 17, a goiana treinava oito horas por dia e quase foi parar na Royal Academy, em Londres. Uma lesão interrompeu o sonho. Depois da decepção, ela rompeu com a dança, mudou-se para São Paulo e iniciou o curso de Administração de Empresas na FGV. Depois de três anos, voltou a fazer aulas de ballet e a frequentar espetáculos. Curou a ferida, ela diz.
Hoje, aos 45 anos e mãe de três filhos (incluindo uma garota que estuda ballet), ela se sente realizada ao ocupar a Vice Presidência de Marketing da Natura, maior multinacional brasileira do setor de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal e um negócio digital, apesar de não ser percebido como tal. “Captamos todos os nossos pedidos digitalmente, ou seja, 100% das consultoras fazem seus pedidos online, mesmo que usem catálogo impresso para vender”, afirma.
A companhia foi a primeira de capital aberto do mundo a alcançar a certificação B Corp (empresa que alia desenvolvimento econômico à promoção do bem-estar social e ambiental). Além disso, a Natura estabeleceu para si mesma a meta de, em alguns anos, tornar positivo seu impacto nas áreas ambiental e social. Sobre isso, a Andrea diz: “A ambição está desenhada, mas o caminho ainda não. Acho que isso mobiliza as forças para que a gente vá atrás de uma meta comum”.
Há 11 meses, a executiva lidera as Unidades Globais de Marketing da empresa, acumulando as diretorias de Marca e Consumidor, de Novos Negócios e também a área de Inovação. Andrea confessa pensar muito em qual será sua contribuição real para um novo ciclo de crescimento da Natura. Sua trajetória profissional pode nos dar uma ideia: antes de chegar ao atual posto, foram sete anos na Procter & Gamble e quinze na PepsiCo, onde conseguiu a façanha de ser a primeira mulher a comandar uma divisão da multinacional, no país. Abaixo, os principais trechos da conversa:
Antes da Natura, você pôs em prática ações de Sustentabilidade na PepsiCo, uma empresa não necessariamente reconhecida nessa área. Agora, numa empresa com outro posicionamento, como você analisa os dois momentos?
Para falar a verdade, a PepsiCo não é a Natura em percepção de agenda de sustentabilidade, porque nasce em outro lugar e de outro jeito. Ainda assim, há 10 anos ela trabalha, globalmente, uma agenda chamada “Performance com Propósito”. Diria que o meu papel em capitanear uma agenda de sustentabilidade mais ativa no Brasil veio também inspirada por um caminho que eu via possível, a partir da liderança da CEO Indra Nooyi. Uma das razões pelas quais aceitei o desafio de ir para Natura foi porque sempre fui admiradora da empresa como consumidora, profissional e como alguém ligada à agenda de sustentabilidade. O convite era muito interessante: mergulhar num universo onde se pensa o mundo de um jeito diferente, fala-se sobre isso e reverbera-se isso para o dia a dia.
O que significa uma empresa sustentável para você?
A sustentabilidade reside, para mim, na seguinte premissa e essência: um respeito profundo pelo outro, pela vida, pelo planeta. Se, de fato, você nutre e traduz isso em tudo que faz, você é sustentável. A Natura institucionalizou processos para que as tomadas de decisão levem essa premissa em consideração e isso é incrível porque a sustentabilidade não reside no discurso e, sim, na prática. O discurso, a visão e o ideal são bons para projetar um mundo diferente, para questionarmos o status quo, para olharmos para o que está aí e perguntarmos se precisa ser assim?
O que transforma de fato a realidade é traduzir o discurso sustentável em coisas tangíveis, que as pessoas podem sentir e experimentar
As marcas icônicas de Natura como Chronos, Ekos, Mamãe e Bebê têm uma visão de mundo diferente e tangibilizada. Por exemplo, Chronos (linha de tratamento antissinais), lançado em 1986, foi muito avant-garde ao trazer nas embalagens as idades: 30+, 45+, 60+ e 70+. Quando se escreve 60 anos num pote, você materializa o reconhecimento da pessoa com mais de 60 anos. É muito mais que um discurso. A linha tem ativos e benefícios específicos para aquela idade e ainda trouxe uma campanha “Mulher Bonita de Verdade” que usava mulheres comuns para contar essa história. Sair de um lugar intelectual e aterrissar em algo concreto é o grande desafio de hoje, porque sonhos todos temos. Conseguir mobilizar recursos diversos, cada vez mais amplos e complexos, para capturar uma ideia, traduzi-la em algo que se pega e depois ainda colocar isso na mão de uma rede de consultoras que, ao venderem o produto também se reconhecem e se empoderam, é fazer a diferença.
No final de 2014, houve uma disrupção no modelo de distribuição, com o surgimento da Rede Natura, que é o e-commerce da empresa. Quais foram os resultados? Qual é o próximo passo em termos de modelo de negócio e de estratégia comercial da companhia?
Temos ambições de trabalhar com outras formas de chegar até o consumidor, tendo na venda direta nossa centralidade, isso não muda. Entendemos essa rede de relações das consultoras (só no Brasil são 1,4 milhões) como uma das coisas mais poderosas que temos e que, no fundo, é a melhor expressão da marca. O processo de consultoria ativa é muito incrível. É social selling, o mais “muderno” que há (risos)! No fundo é venda por endosso.
Estamos acostumados a pensar em venda direta como coisa do passado, mas ela sempre teve um componente contracultural e educativo, que foi se perdendo ao longo do tempo. Era usada para ensinar às pessoas coisas que elas não entediam direito, usando a força de trabalho das mulheres. Esse é um resgate muito importante que queremos fazer, ao mesmo tempo que entendemos que existem outras formas das pessoas acessarem nosso portfólio, que não precisam estar em conflito com o canal original, que podem ser sinérgicas e ampliar a força da venda direta.
Falo das lojas físicas (até o momento existem quatro, nos shoppings Anália Franco, Morumbi, Pátio Paulista e Villa Lobos, em São Paulo) e da possibilidade das consultoras serem também consultoras digitais, através da Rede Natura.
Todo novo modelo traz enormes aprendizados e cuidados. A Rede trouxe a cultura e a lógica digitais, que são boas e criam dinâmica, pulso e ritmo diferentes
Também mostra quanto o processo de adesão a novas formas de falar, interagir e de fazer negócios tem uma questão cultural, de hábito, e necessita romper uma certa inércia.
A Natura tem uma área científica, de P&D, forte. Inova dentro de casa. Ao mesmo tempo, vivemos tempos em que a Inovação aberta, em rede, é uma ferramenta útil para acelerar os processos de novas soluções. Como resolver esse paradoxo?
Supernaturalmente porque deriva da essência. Fazemos inovação aberta há mais de 10 anos e é a área de P&D que cuida dessa estrutura. O Natura Campus foi criado em 2003, é um programa que já contratou 53 projetos em parceira e tem investimento de 2,8% da receita da empresa. Dez anos depois, em 2013, foi lançado o Cocriando, uma rede de 1 300 pessoas cadastradas na plataforma online e 6 500 na Fanpage, pela qual já foram lançadas mais de 11 jornadas de cocriação.
Além disso, mais recentemente aceleramos a discussão com startups, por meio do Natura Startups. A empresa sempre entendeu que o mundo é muito grande e a capacidade criativa é enorme, então por que desenvolver tudo internamente se é possível trabalhar em conjunto com uma rede que pode acelerar o processo e torná-lo ainda mais rico?
Hoje, a maioria das coisas que fazemos é inovação aberta, seja com a academia, com startups, com consumidores ou com consultoras. Um dos desafios é conectar isso com a agenda estratégica
Outra coisa associada à capacidade de inovar é a retomada da agenda de inovação disruptiva que a Natura já teve mais acentuada – mas que nos últimos anos não levou a cabo na mesma velocidade – mesmo sendo uma empresa grande, que precisa prestar contas de várias coisas. Como nutrir esse potencial e essa veia vanguardista e ousada e criar um ecossistema propício para que essas coisas tenham fruição e venham ao mercado mais rapidamente e de forma contundente e fluida? Esse é o meu grande desafio.
Qual é a principal virtude que você procura em um profissional, para trabalhar com você?
São três: curiosidade, integridade e coragem.
Por quê?
Eu gostaria muito de ser essas três coisas. Para o mundo que vejo hoje são três características necessárias, ainda mais quando se fala em uma agenda de inovação.
Não tem como inovar sem ser curioso sobre a vida, sobre o mundo, sobre as outras pessoas. Não dá para fazer coisas audaciosas sem ter coragem
É preciso ter a capacidade de colocar em risco sua reputação. Você coloca um pouco de você nesse processo, quando se arrisca. Para isso é preciso coragem. E integridade porque se tudo isso não tiver muito amparado por um hall de valores e um jeito de ver e atuar que não seja íntegro, vamos para um lugar errado.
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