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“Não quero pregar para convertidos. É quem não está preocupado com a sustentabilidade que eu tento impactar”

Aline Scherer - 31 mar 2025
Luiz Gustavo Rosa, fundador da Tairú.
Aline Scherer - 31 mar 2025
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Vestindo uma saia cáqui transpassada, camiseta branca pra fora, tênis cáqui e branco, e óculos de grau com armação de madeira, Luiz Gustavo Rosa, 46, pega o microfone. É a sua vez de apresentar o seu negócio.

Ele está ali — num evento de networking do ecossistema de inovação de Florianópolis — para falar sobre a Tairú, marca de moda sustentável que fundou há cerca de um ano.

“Os tênis da Tairú são feitos em uma fábrica de Franca [SP], que só produz itens veganos. As camisetas são feitas de algodão orgânico em uma fábrica em Brusque [SC], que só emprega mulheres”

A fala prossegue, com o empreendedor elencando a procedência de outros itens:

“Os óculos são de colab, com madeira de reaproveitamento; as pulseiras dos relógios são feitas com impressora 3D a partir de filamentos de retalhos de tecido dos tênis.”

Até as etiquetas, explica Luiz Gustavo, são produzidas com papel semente (reciclado e com sementes em sua composição), por uma cooperativa que apoia pessoas com deficiência.

“E as ecobags são da Pano Social, que emprega egressos do sistema prisional.”

CÂNHAMO E “COURO DE MILHO”

As matérias-primas vegetais e inovadoras são talvez o atributo mais marcante da Tairú. No caso dos tênis, por exemplo, o cabedal (parte de cima do calçado) pode ser produzido com cânhamo ou um material que Luiz Gustavo chama de “couro de milho”.

Variedade da Cannabis sativa, o cânhamo se difere da maconha quanto à concentração de tetrahidrocanabinol (THC), o psicoativo responsável pelos efeitos associados ao consumo recreativo. Se a maconha tem de 10% a 30% de THC, no caso do cânhamo esse índice é igual ou inferior a 0,3%.

Segundo o empreendedor, o cânhamo tem impacto ambiental menor do que o algodão: cresce muito mais rápido, ocupa uma área menor de terra, requer menos água e resiste mais às pragas, o que reduz a necessidade de fertilizantes e protege o solo.

O “couro de milho”, por sua vez, é feito a partir de uma combinação de casca de milho, algodão e poliuretano — um derivado de petróleo, portanto parcialmente não-biodegradável (o que significa que pode levar centenas de anos para se decompor no meio ambiente).

Ainda assim, esse “couro de milho”, diz Luiz Gustavo, é uma opção de impacto socioambiental significativamente menor que o couro tradicional, em termos de uso da água, desmatamento, substâncias químicas agressivas e segurança dos trabalhadores. Além, é claro, de não envolver exploração nem sofrimento animal.

AO LONGO DA TRAJETÓRIA, LUIZ GUSTAVO CONCILIOU A CARREIRA CORPORATIVA E O EMPREENDEDORISMO

Criado em Porto Alegre, numa família preta de classe média, filho de uma costureira e de um servidor público de telecomunicações, Luiz Gustavo se mudou para a capital catarinense aos 20 anos de idade, transferido pela empresa de telefonia em que trabalhava como técnico em eletrônica.

Antes, chegara a cursar um ano da faculdade de direito. Em Florianópolis, porém, decidiu ingressar na faculdade de administração, e fez MBA em marketing pela Fundação Getulio Vargas, onde conheceu o dono da Qix, marca de tênis e streetwear, que o convidou para ser gerente de marketing.

Fez carreira de executivo também no Grupo Barriga Verde, de emissoras de rádio e TV afiliadas da Band em Santa Catarina, onde foi diretor e superintendente, e conta que era aconselhado pelo proprietário e presidente Saul Brandalise Jr.

Voltou para a Qix como sócio, por oito anos, e depois trabalhou por mais cinco na Dilly Sports, representante da marca italiana de moda esportiva Diadora no Brasil e da marca brasileira de skate wear Öus. Paralelamente à rotina como executivo, Luiz Gustavo já empreendia:

“Empreender enquanto eu era executivo me dava uma percepção de realidade muito grande, porque eu trabalhava em uma empresa de milhões [de reais de faturamento] e também estava em negócios em que 20 centavos faziam diferença no preço da matéria-prima…”

Nos últimos 15 anos, foi sócio de salão de beleza, de hamburguerias, de fábrica de food trucks, de food park, de pub e pizzaria. Os negócios geralmente surgiam porque algum amigo o convidava para tomar um café, pedia conselhos… e Luiz Gustavo acabava se tornando sócio.

“Eu era investidor, e participava da empresa quase como num Conselho de Administração. Sempre gostei muito de empreender e senti que neste momento da vida, estava na hora de fazer esse voo solo, para ver o que dá.”

DEPOIS DA PANDEMIA, ELE COMEÇOU A MERGULHAR MAIS FUNDO NO ECOSSISTEMA DE INOVAÇÃO

Há cinco anos, no início da pandemia, Luiz Gustavo se inscreveu no Sebrae para mentorar pequenos negócios: barbearias, sorveterias, pet shops.

Gostou tanto que, recentemente, fez duas certificações relacionadas à governança, inovação e responsabilidade socioambiental em conselhos empresariais pela GoNew. E se empolgou com o ecossistema vibrante de empreendedorismo em tecnologia e sustentabilidade de Florianópolis:

“Quando comecei a mentorar, surgiram propostas de startups e eu passei a conhecer e entender melhor esse mundo”

Ele acabou virando investidor-anjo da Yuool, marca de tênis feitos de lã que hoje tem certificação do Sistema B, e da plataforma carioca iFriend, de conexão entre turistas e moradores locais para serviços de guia. Até que um projeto de marca de tênis estampado em que Luiz Gustavo já havia investido acabou não vingando.

No fim de 2023, em Lisboa para o Web Summit, ele aproveitou para fazer uma pesquisa informal de mercado e sondar se haveria espaço para uma nova marca de tênis brasileira, com matérias-primas mais sustentáveis. E estudou o cânhamo como material de confecção, por seus componentes de inovação e sustentabilidade.

Aqui no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a importação e o cultivo de cânhamo só recentemente, em novembro de 2024; a regulamentação para fins industriais não medicinais, como a produção de tecidos, alimentos ou biocombustíveis, ainda está sendo desenvolvida pela Anvisa e a União.

“Às vezes, as minhas importações param na Anvisa e eu tenho que provar que aquilo é cânhamo industrial, e não outro tipo de coisa, porque vem escrito ‘hemp’ [cânhamo, em inglês] na nota fiscal”

O preço também é uma questão. Como o cânhamo é importado da China e do Nepal, o produto pode custar, segundo Luiz Gustavo, cerca de 100 reais mais caro do que um similar feito de algodão orgânico.

O DESAFIO É FURAR A BOLHA E IMPACTAR QUEM NÃO LIGA TANTO PARA A SUSTENTABILIDADE

No e-commerce da Tairú, os tênis (feitos com cânhamo ou outro material) variam entre 379 e 519 reais. A marca também está presente em marketplaces e em cerca de 20 pontos de venda em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Segundo Luiz Gustavo, Tairú significa “companheiro de viagem” em tupi-guarani. Viajar é uma de suas paixões: a carreira de executivo lhe rendeu oportunidades de conhecer outros países e culturas, o que ele continua fazendo.

Quando vai à NRF Retail’s Big Show, a maior feira de varejo do mundo, em Nova York, Luiz Gustavo procura se hospedar em bairros com população predominantemente negra, como Brooklyn, Harlem, Queens e Bronx.

A observação inspira Luiz Gustavo a atualizar seu próprio estilo de se vestir. Passou a usar saias (“saia é mega confortável, todo homem que usar vai abandonar a bermuda”) e meias com chinelos – itens que ele pretende vender na Tairú em breve.

Mesmo com pouco tempo de atividade, o empreendedor conta que já exporta para Portugal e Espanha, e planeja chegar em breve à Alemanha e aos Estados Unidos.

No momento, ele corre atrás para atingir o break-even (até o fim deste ano, espera-se) e gerar lucro suficiente para financiar a redução do impacto ambiental de seus produtos e processos.

“Esses dias, me perguntaram como eu compenso as emissões de carbono do transporte do tênis da fábrica em Franca até as lojas… Primeiro, tenho que manter meu negócio sustentável e saudável. Quando for superavitário e conseguir incluir isso dentro do meu processo, ok. É uma evolução”

A ideia, segundo Luiz Gustavo, é que a Tairú possa ser a opção de segundo ou terceiro par de calçado das pessoas que não necessariamente estejam conectadas com questões de impacto socioambiental.

“Não queremos pregar para convertidos. É quem não está preocupado, resumidamente, com a sustentabilidade que eu tento impactar. Esse é o grande desafio.”

 

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