por Anna de Souza Aranha e Gabriela Bonotti
O último mês de quarentena foi bastante agitado aqui no Quintessa — e, felizmente, tal agitação resultou no reforço das nossas crenças e em um convite para a reflexão e para a ação.
Em um primeiro levantamento, notamos a quantidade e a qualidade das soluções que os negócios de impacto da nossa rede estão trazendo para a superação da crise que vivemos.
Em outro levantamento, também dentro da nossa rede, percebemos que aqueles que oferecem ajuda também precisam de ajuda, seja financeira, para compreender o futuro do seu setor ou para tomarem decisões estratégicas diante da pandemia.
Por outro lado, sentimos um incômodo e uma desconexão com ações de organizações do setor de empreendedorismo: venda de cursos e webinars no tom de “descubra-como-dar-a-volta-por-cima-em-24-horas” ou inúmeros outros tentando prever o futuro pós-crise e a tendência de curvas de previsões.
Nenhum de nós sabe exatamente como dar a volta por cima por nunca termos vivenciado algo parecido antes. Tentar adivinhar o futuro também não nos parece ser o melhor caminho
Dessa soma de informações e percepções, surgiu a vontade de reafirmar o potencial de focar no momento atual e nos comprometer com a mudança que cada um de nós está disposto a fazer hoje sobre o que estamos vivendo.
Não sabemos com precisão como essa crise vai se desenrolar, mas sabemos que não vamos tolerar mais o que nos trouxe até aqui.
Diversos desafios, que sempre estiveram no nosso dia a dia, porém sem visibilidade, estão agora na pauta: falta de acesso à água e a itens básicos de higiene, condições insalubres de moradia, fragilidade da estrutura de apoio aos micro e pequenos empreendedores…
O incômodo com essas práticas já existia no Quintessa e é justamente o que une nosso time, nossos mentores e os empreendedores que apoiamos. Buscamos uma transformação social e ambiental através de uma “nova forma de fazer negócios”, mais consciente e humana.
No entanto, por mais que o incômodo já estivesse presente há dez anos nesse grupo, a pandemia trouxe um senso de urgência que não podíamos deixar passar.
Em vez de ficarmos esperando notícias que indiquem uma perspectiva de quando o mundo irá voltar ao “normal”, decidimos, então, propor uma reflexão e formas de agir agora.
Afinal, para qual normal desejamos voltar após a pandemia?
Diante dessa reflexão nasceu o Movimento #ONovoNormal, um convite para aproveitar este momento e darmos um basta à velha forma de pensar. Leia a seguir um trecho do nosso manifesto:
“Parece normal que 20% da população brasileira não tenha acesso à água para lavar as mãos? Que o acesso à saúde e educação de qualidade seja restrito a poucos? É normal que milhões de pessoas sintam fome, enquanto há tanta comida sendo desperdiçada? Que acompanhemos o aquecimento do planeta e a devastação das florestas sem alterar os meios de produção?”
Não queremos voltar ao antigo entendimento de “normal”, em que era “aceitável” não se importar com o outro e com o planeta, buscar o lucro a qualquer custo, ter atitudes passivas diante dos desafios do nosso país.
Além do manifesto do movimento, trouxemos de forma prática três pilares de ações para podermos co-criar o nosso novo significado de normal: 1) atuar na solução dos desafios ambientais por meio dos negócios; 2) colocar o ser humano no centro das nossas decisões; e 3) garantir a perenidade dos negócios de impacto.
Com base nesse primeiro pilar, mapeamos diversas soluções de negócios de impacto e criamos a Plataforma Negócios pelo Futuro, na qual, junto a organizações parceiras, impulsionaremos as soluções dos negócios de impacto que podem ajudar na superação da crise que estamos vivendo.
São soluções que atuam no combate à Covid-19 (acesso a orientação e tratamento), que ajudam na recuperação socioeconômica (geração de renda) ou na redução de impactos negativos do isolamento social (como saúde mental). As soluções podem ser focadas no público interno das organizações, dando suporte a colaboradores, clientes ou fornecedores, ou externo, com apoio a comunidades com as quais se relaciona.
Exemplo prático é a TNH Health, negócio de impacto acelerado pelo Quintessa, que cria robôs com inteligência artificial e envia mensagens de texto para engajar e monitorar a saúde de populações em larga escala. Semana passada, eles se uniram ao sistema do TeleSUS, do Ministério da Saúde, com um chatbot para tirar dúvidas a respeito da Covid-19 de forma automatizada e rápida.
A lista de exemplos vai longe. Ainda nessa área, há negócios de impacto atuando em saúde mental, na criação de unidades básicas de saúde móveis, no suporte aos municípios e aos profissionais de saúde do setor público, na oferta de tecnologias que ajudem na identificação dos sintomas, triagem, orientação e monitoramento de casos.
Em educação, há negócios de impacto atuando com cursos para geração de renda, além de sistemas de ensino online sendo oferecidos para as escolas públicas. Há negócios orientando o acesso aos benefícios do governo para pessoas em situação de vulnerabilidade social, crédito para pequenos empreendedores, tecnologia para que surdos possam acessar os conteúdos online desde suas casas (em Libras) e suporte para uma alimentação saudável em casa.
Sobre o segundo pilar, além do cuidado com o nosso time, por meio do trabalho em home-office e o compromisso de não realizarmos demissões, estamos apoiando os empreendedores com um olhar humano, acolhendo dúvidas, inseguranças e desafios enfrentados por eles enquanto pessoas. Também mapeamos e conectamos com potenciais financiadores as iniciativas de doações que os empreendedores de impacto estão promovendo com foco em ajudas assistenciais.
Para seguir o terceiro pilar, garantimos a continuidade das mentorias e do suporte próximo aos negócios acelerados de forma remota, refinanciando suas contrapartidas financeiras para que continuem recebendo suporte e preservem seu caixa. Estamos também oferecendo mentorias exclusivas aos Empreendedores Quintessa para adaptação no cenário da crise e para que criem alternativas de receita.
Fizemos conexões com parceiros para apoiarem necessidades específicas dos empreendedores, como consultoria jurídica pro bono, e estamos abertos a novas parcerias.
Por fim, oferecemos uma curadoria de conteúdos e um guia de iniciativas com oferta de capital, além de apoiarmos algumas delas de forma próxima. É importante dizer que ações de empréstimo, doação e investimento continuam relevantes. De novo, por mais que os negócios de impacto estejam ajudando, também estão demandando ajuda.
Para nós, está claro que a decisão individual das pessoas faz toda a diferença para o coletivo. E, estando próximas aos negócios atuantes nesta crise, podemos afirmar que há muito espaço para pessoas e empresas se engajarem em ações
As ações das pessoas e empresas estão mais explícitas — enquanto colocamos máscaras físicas, diversas máscaras invisíveis estão caindo, como bem nos fez recordar a canção de MV Bill.
Está evidente a diferença entre empresas que se planejaram pensando a longo prazo e agora têm condições para lidar com as adversidades e cuidar do seu time e as empresas que, mesmo captando milhões, estavam despreparadas e estão demitindo aos montes.
Por último, vale dizer que por trás da palavra “empreendedores” estão pessoas. Por trás da palavra “negócios” estão pessoas. Se empreender em condições normais de temperatura e pressão já é uma montanha-russa emocional, agora tem sido um desafio ainda maior manter a saúde mental.
Além de conciliar, em casa, as atividades profissionais com as pessoais (limpar, cozinhar, cuidar da família, se exercitar etc.), é preciso agir com rapidez em um cenário de extrema incerteza, conciliando ser fiel ao propósito do negócio e à visão de longo prazo com a pressão da sobrevivência financeira de curto prazo.
No Quintessa, nossa crença é de que as empresas podem e devem ser parte relevante da solução dos nossos desafios sociais e ambientais centrais. Agora, com a crise e o senso de urgência que ela requer, essa crença está se concretizando a cada dia.
Desejamos que tudo isso passe o quanto antes, mas que as ações realizadas e os aprendizados que tivemos fiquem como um eterno legado. O legado de termos construído juntos o novo normal. Convidamos todos a se engajarem conosco no Movimento #ONovoNormal.
Anna de Souza Aranha e Gabriela Bonotti são diretoras do Quintessa, aceleradora de negócios de impacto. Formadas administradoras pela FGV, dedicam-se desde 2012 a estruturar a gestão, impulsionar o crescimento e captar investimento para empresas que resolvem os desafios centrais do nosso país.
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