Recentemente circulou a notícia sobre o estado do Edifício Penthouse, famoso condomínio de luxo em São Paulo que era usado frequentemente para ilustrar a desigualdade social no país, e que hoje está abandonado e decadente; desvalorizado, enfrentando problemas de manutenção e de dívidas acumuladas.
Criado com o espírito de oferecer aos seus compradores um status de diferenciação e sofisticação, foi pouco a pouco engolido pela realidade do Brasil carente e pobre que cresceu no seu entorno. Um retrato que se tornou um presságio.
Há quem ainda culpe a favela pela desvalorização do imóvel, demonstrando a persistente mentalidade dissociada que não quer ver a relação entre essas duas realidades. É a Casa Grande culpando a Senzala
Não existe bilionário no mundo, e particularmente em países como o Brasil, que tenha feito fortuna sem ter sido financiado pelas externalidades socioambientais não precificadas na sua ascensão.
A riqueza acumulada ─ seja por empreendedorismo, seja por herança ─ origina-se na apropriação de recursos naturais e de força de trabalho precarizada pela herança de desigualdade e escravagismo, de forma direta ou indireta.
Todo endinheirado sabe disso: paga-se muito mais por qualquer serviço realizado por outros seres humanos em um país desenvolvido que tenha baixa desigualdade social do que se paga no Brasil.
Paga-se lá o custo da dignidade da vida, aqui paga-se pela sobrevivência do “salva-se quem puder”, de quem aceita o que for por falta de perspectiva
Por isso a riqueza é um privilégio e é por isso que se diz que a desigualdade no Brasil é um projeto.
E com a crescente escassez de recursos naturais e as mudanças climáticas, a conta chega com aumento de preços, epidemias, guerras e eventos climáticos; e para variar, chega primeiro para os mais vulneráveis. Esfregando a desigualdade na nossa cara.
Sabemos que existem muitos ricos no Brasil que praticam a filantropia e que acreditam estar engajados em fazer o bem, que estão “devolvendo para a sociedade”, conforme dizem.
Mas o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, mesmo sendo uma das economias mais poderosas. Deveríamos ser um dos primeiros no ranking de filantropia, e historicamente figuramos entre o 20º e 50º lugar no índice WGI (World Giving Index)
Considerando que filantropia significa “amor pela humanidade”, resta saber o que significam as palavras “amor” e “humanidade” para os nossos filantropos.
O ambientalista indiano Satish Kumar, que esteve recentemente no Brasil para o lançamento do seu livro Amor Radical pode nos inspirar neste cenário.
Ele diz que precisamos sair do estado de separação, para conectarmos por meio do amor com o planeta, um com os outros e consigo mesmos.
Em sua visão integrada da realidade, Satish é enfático em dizer que não é possível termos justiça ambiental sem termos justiça social — e vice-versa
E alerta aos movimentos sociais e ecológicos que é necessário incluirmos valores espirituais nessas causas, “como o amor às pessoas e o amor ao nosso planeta, sustentando e informando a nossa visão do mundo”.
Senão, esses movimentos serão superficiais e pouco efetivos.
Satish é comumente “acusado” de ser um idealista e que seus objetivos são irrealistas:
“Veja o que os realistas fizeram por nós. Eles levaram-nos à guerra e às alterações climáticas, à pobreza numa escala inimaginável e à destruição ecológica em massa. Metade da humanidade vai para a cama com fome por causa de todos os líderes realistas do mundo”.
O idealismo de Satish não nos promete lucros exorbitantes nem viagens ao espaço, muito menos propõe a supremacia de humanos sobre outros humanos.
Suas ideias nos inflamam com coragem e confiança da reconciliação radical com as nossas almas, com a nossa terra e a nossa sociedade
A elite brasileira como um todo, filantropa ou não, precisa beber dessa fonte e reconhecer que o seu papel não deve ser uma fantasia egoica, uma benfeitoria limitada e casual.
Deve ser um compromisso moral radical pela reparação histórica do contexto que permitiu que o acúmulo da sua riqueza fosse possível.
Marcelo Cardoso ocupou posições executivas de alta liderança ao longo dos últimos 25 anos em organizações como Método Engenharia, GP Investimentos, Hopi-Hari, DBM LHH, Natura Cosméticos e Grupo Fleury. É fundador da Chie Integrates, um ecossistema à serviço da consciência de pessoas e organizações.
Diante da tragédia ambiental que vem devastando o Rio Grande do Sul, seria possível paralisar o Campeonato Brasileiro em solidariedade — e, ao mesmo tempo, canalizar a força do futebol em prol das pessoas desabrigadas?
James Marins, presidente do Instituto Legado, defende que a avalanche de sentimentos gerados pela crise, que vão da impotência à necessidade de ajudar o próximo, fortaleça a criação de ações inovadoras individuais, sociais e coletivas.