Jamais pensei que pudesse empreender. Ter um negócio sempre foi algo distante da minha realidade. Eu acreditava que meu sonho era ser professora, pois cresci incentivada a buscar uma carreira que proporcionasse segurança e estabilidade.
Nunca me passou pela cabeça que, quase 15 anos depois, minha vida seguiria outros rumos e que, através dos meus negócios e iniciativas, seria capaz de impactar pessoas do Brasil inteiro.
Cresci em uma família humilde, em Alegrete, no interior do Rio Grande do Sul. Por vezes, minha mãe estava empregada e, meu pai, músico, trabalhava como autônomo. Ambos se virando, como toda a família brasileira.
Naquela época, minha rotina se resumia a estudar para alcançar a sonhada carreira de professora concursada.
Fui fazer cursinho pré-vestibular na cidade vizinha, graças à ajuda de uma professora que me permitiu dormir em sua sala de estar, pois eu não tinha como bancar o aluguel.
Para conseguir uma vaga, ainda precisei bater na porta de todos da cidade, até ganhar uma bolsa integral, pois não teria condições de arcar com as despesas do estudo.
O esforço foi recompensado: um dos cursinhos me ofereceu uma bolsa em troca de realizar pequenas atividades nos intervalos das aulas, como apagar o quadro entre a saída de um professor e a chegada de outro, organizar a sala e os materiais, verificar o som do microfone etc.
Tudo teria sido perfeito se não fosse pelo fato de que, mesmo com todos os meus esforços, ao prestar o vestibular, infelizmente acabei não passando para licenciatura em matemática na Universidade Federal de Santa Maria. Lembro até hoje da frustração que senti naquele momento.
O período de estadia na casa da professora havia se encerrado e a bolsa do curso também.
Estava desmotivada até que uma colega comentou comigo sobre a inauguração da Universidade Federal do Pampa, com campi descentralizados, incluindo um na minha cidade natal.
Os cursos seriam nas áreas de exatas, tecnologias e engenharia, porém o prazo para se inscrever no vestibular era naquele mesmo dia que tinha acabado de ouvir falar da faculdade.
Parecia algo inacreditável, então pensei de forma rápida e minha intuição me levou a escolher o curso de ciência da computação. Posteriormente, eu poderia ingressar em programas de mestrado e doutorado e me tornar uma professora universitária. Isto se transformou em meu novo plano.
Fiz o vestibular e passei! Foram quatro anos de muita resiliência.
Em 2010, dos 40 alunos que ingressaram, quatro se formaram, sendo eu a única mulher. Uma coisa é fato, quem vem de baixo sabe que nada vai ser fácil, quase todos os dias são difíceis, seja por falta de preparo, oportunidades, recursos ou simplesmente por achar que não se encaixa em um perfil…
No fim da faculdade, conheci o meu esposo, Rafael. Em seguida, fui para Porto Alegre morar com ele para iniciar o meu mestrado em ciência da computação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Fui aprovada para um dos principais programas de mestrado da área! Rafael já era formado em análise de sistemas e tinha concluído o mestrado em computação pela PUCRS.
Aprendi com ele que a computação é mais do que só habilidades técnicas. Nesta época, tive a oportunidade de viver diferentes experiências, entre elas, colaborar em projetos de tecnologia e de startups, além de conviver com pessoas maravilhosas. Porém, meu foco seguia em me tornar professora universitária.
Estava vivendo uma nova fase, realizada e feliz. No entanto, dois meses mais tarde, descobri que estava com câncer na tireoide.
Na época, tinha 26 anos e meu mundo caiu! Ninguém pensa em adoecer nessa fase da vida. Eu estava tão focada na ideia de vencer profissionalmente, olhava para trás, de onde eu tinha saído, e estava tão perto de “ser alguém” que não podia acreditar que todo meu esforço terminaria assim
O meu caso estava quase em estágio crítico, com três nódulos identificados, sendo que um deles estava com tamanho “passando do limite para ser de boa progressão”, como os médicos dizem. Não hesitamos e utilizamos todos os nossos recursos e possibilidades para que eu pudesse me curar.
Na minha família, tivemos uma tia que faleceu aos 32 anos do mesmo câncer, então precisávamos agir com pressa, para ter o máximo de segurança.
E foi o que fizemos. Consegui passar pela cirurgia e foram encontrados mais 12 linfonodos, então precisei retirar toda a glândula. Comecei a fazer um tratamento rigoroso, mas a expectativa era que, em pouco tempo, estaria liberada para uma vida normal.
Para nos recuperarmos financeiramente e diminuir o ritmo, resolvemos deixar a capital e trabalhar como professores no interior, em Panambi (RS).
Pela primeira vez, poderia realizar meu sonho de entrar em uma sala de aula para ensinar. Foi uma experiência incrível, mas não durou muito…
Cerca de seis meses mais tarde, meus exames começaram a apresentar alterações. Mesmo fazendo a regulagem hormonal, meu corpo passou a apresentar uma alta produção de células da tireoide.
Logo, foi preciso suspender toda a reposição hormonal e fazer um novo tratamento, para garantir que essas células seriam expelidas do corpo e não se alastrariam para algum órgão específico que pudesse originar a formação de algum nódulo e ocasionar um novo câncer.
Tive que me afastar do trabalho de novo, por nove meses. Confesso que fiquei muito abalada, foi difícil, mas assumi a minha condição.
Não relutei, não lamentei, aceitei que estava vivendo aquilo, me concentrei em fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para ficar bem e vencer novamente
Quando falo sobre aceitar aquilo que não se pode mudar, pode parecer difícil de entender. O comportamento natural é relutar, rejeitar, porém aprendi que todas as vezes que não aceitamos o que a vida nos proporciona, seja isso bom ou ruim, a dor é maior.
Acredito que foi através dessa paz interior, de aceitar que era preciso cuidar novamente da saúde e que estar em uma sala de aula realmente não seria uma opção naquele momento, que nasceu em mim o meu verdadeiro propósito.
Enquanto o Rafael continuava trabalhando como professor, resolvi usar o meu tempo livre em uma cidade nova e sozinha em casa (apenas com meu notebook e minha cachorrinha) para me dar uma nova chance
Sempre acreditei em oportunidades, mas elas só existem se você se permite duas coisas: experimentar e sair da zona de conforto.
Foi no momento de maior dificuldade da minha vida que ousei sonhar mais alto ainda. Comecei a cogitar que talvez eu pudesse empreender de casa, usando a tecnologia para isso. Tinha tempo de sobra e também todo o conhecimento do mundo à minha disposição na internet.
Para validar algumas ideias, acabei entrando em vários grupos de mulheres empreendedoras e foi nesse momento que descobri um novo cenário, um novo caminho.
Nesses grupos, havia centenas de mulheres que desejam empreender a partir de casa, da mesma forma que eu, cada uma partindo de uma motivação diferente.
Elas não possuíam nenhum conhecimento sobre tecnologia ou do mundo digital e foi em meio à segunda etapa do meu tratamento que nascia uma nova missão: criar uma empresa que ajudasse as mulheres a empreenderem utilizando a tecnologia e o meio digital como fonte de independência.
Nascia, em 2014, a Emdime – Empreendedorismo Digital Feminino. Através do site, eu atuava prestando consultorias e desenvolvendo soluções para ajudar mulheres do Brasil inteiro a utilizarem ferramentas online a favor de suas empresas — tudo isso a partir do meu apartamento.
Fui uma das pioneiras nesse cenário, em uma época em que não se falava desses assuntos para mulheres. Conseguiu reconhecimento nacional através de várias mídias na ocasião. Foi algo surpreendente para mim.
Após minha recuperação, além de atuar no digital, a Emdime passou a contar com estrutura física, pois decidi voltar para minha cidade natal e fazer a diferença na região. Foram quatro anos dedicados exclusivamente nessa jornada, desenvolvendo muitas empreendedoras.
Os negócios cresceram, e foi no final de 2018, que outra missão começou a se desenhar. Em contato com as empreendedoras, descobri que havia uma preocupação muito grande com a educação dos filhos, mais especificamente com profissionalização.
Muitas delas relataram como era difícil no interior a questão do primeiro emprego, a indecisão da escolha do vestibular, a falta de orientação nesse quesito….
Foi então que surgiu a Emdime Centro de Formação, uma escola profissionalizante para jovens. Alugamos uma casa no centro de Alegrete, fizemos uma reforma (a essa altura, eu já estava fortalecida e puxei o Rafael para atuar comigo dentro dos meus negócios).
Passamos a oferecer cursos de informática e outros voltados para áreas comerciais. Trabalhávamos o desenvolvimento pessoal em cada um dos módulos, com foco em empregabilidade e carreira profissional
Nos concentramos em ter um negócio tradicional, de base local no interior. Eu precisava aprender sobre isso, afinal minha expertise até então era sobre negócios digitais.
Decidi que iria concentrar as energias nesse foco e manter a Emdime Empreendedorismo Feminino Digital Feminino com parceiros espalhados pelo Brasil.
O modelo deu tão certo que abrimos a segunda unidade da Emdime na cidade vizinha de Uruguaiana, ainda no período da pandemia.
Mais de 1800 jovens já passaram pela nossa escola, sendo que há 18 meses ambas já estão adaptadas com nosso novo modelo do método CAPTA. Ah, sim, eu já explico o que é isso!
Após a pandemia, notamos que nossos alunos não eram mais os mesmos. Os jovens estavam muito tímidos, retraídos, não tinham vontade de interagir.
Tivemos vários casos de pais que decidiram cancelar a mensalidade para poder investir em um tratamento psicológico. Eu, que passei um ano debilitada e sem sair muito de casa, já tinha noção do impacto mental que essa rotina de isolamento causava.
Mas algo que me chamava a atenção: muitos ainda tinham um desejo em comum, que era conseguir sua primeira oportunidade no mercado.
Foi aí que comecei a pensar sobre esse novo cenário que estávamos vivendo, no futuro desse perfil de jovem (a maioria dos nossos alunos é das classes C e D), que com certeza enfrentaria várias barreiras profissionais para conseguir uma oportunidade e também para mantê-la
Com o avanço da tecnologia e da IA, uma série de profissões no futuro estará fadada a deixar de existir. Mas habilidades humanas, que as máquinas não podem replicar — as comportamentais –, estas sim, na minha opinião, farão a diferença.
Então, resolvi apostar em algo um pouco mais específico, criando um modelo de curso (o método CAPTA) em que os alunos teriam em uma semana aulas sobre as principais áreas técnicas de maior demanda para empregabilidade local e, em outra semana, aprendizados sobre as softs kills necessárias para cada uma dessas áreas.
Ao mesmo tempo, por exemplo, que eles estudavam vendas, pois sabiam que tinham oportunidades na cidade nessa área, quando nós fazíamos as aulas de softs kills, percebiam que precisavam trabalhar a comunicação.
Tivemos vários relatos de mães que disseram que, a partir desse novo modelo, a relação em casa melhorou, outra comentou que pôde suspender o tratamento psicológico
Mais de 250 jovens foram impactados por esse novo método e identificamos que professores e outras escolas de todo Brasil poderiam utilizá-lo.
Por isso, resolvemos desenvolver uma plataforma, a Método Capta – Capacitando Talentos, para levar o que fazemos nas nossas escolas presencialmente a outros locais — de forma online. Agora, estamos conversando com grupos maiores de educação. Vamos ver como isso se desenrola.
Foram idas e vindas, altos e baixos. E me descobri como empreendedora no momento mais difícil da minha vida.
Toda vez que tenho uma dificuldade, me inspiro na coragem que tive de encarar a situação e ousar sonhar ainda mais alto, algo que era difícil para uma menina simples e humilde como eu
Entre outras iniciativas com as quais atualmente estou envolvida está a plataforma Vagas na Cidade, que tem como objetivo democratizar o acesso a oportunidades locais para aumentar e facilitar a empregabilidade, pois lá no site o microempreendedor poderá criar seus processos seletivos de forma simplificada e personalizada.
Atualmente o Vagas na Cidade está em processo implantação na sua primeira cidade, Uruguaiana (RS), e já temos com planos para levá-lo a mais quatro cidades do interior do estado até o final de 2024.
Enfim, hoje, sei que empreender é minha vida. Gosto de trabalhar com iniciativas que impactam diretamente as pessoas, sejam empreendedores ou a comunidade em geral.
Tatiana Cartagena é CEO e fundadora das empresas Emdime, Método CAPTA e Vagas na Cidade.
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