A agricultura e a vida na “roça” fizeram parte da vida de Débora Rabelo desde a infância. Mineira da cidade de Itamarandiba, localizada no Vale do Jequitinhonha, ela cresceu em meio à natureza, pois seu pai era um agricultor familiar. Na adolescência foi para Belo Horizonte para estudar, cursou comércio exterior na PUC-MG e por muitos anos levou uma vida essencialmente urbana. “Porém em 2010 o reencontro com a agricultura me trouxe de volta para a terra, me ajudou a rever a vida, as escolhas e me fez compreender que um novo caminho iniciaria. Havia um chamado para a minha atuação mais consciente no mundo”.
Mas esse processo ainda levou alguns anos para amadurecer, até que em 2016 ela fundou o Café Abraço, uma empresa que atua na interconexão do Comércio Justo (Fair Trade), da produção agroecológica ou orgânica, e da agricultura familiar. “Somos parceiros de pequenos produtores de cafés de qualidade que atuam com práticas agrícolas resilientes. Nós ajudamos as pessoas a transformarem o mundo através de uma xícara de café”, explica Débora.
Aqui você confere o bate-papo com essa empreendedora, que compartilhou com a gente os desafios e as conquistas à frente da sua empresa, a Café Abraço.
Como surgiu a ideia de empreender?
O plano de empreender e fundar o Café Abraço surgiu em 2010. Eu trabalhava no SEBRAE/MG e fui trabalhar em um projeto na área da cafeicultura em uma região do estado de MG, conhecida como Matas de Minas. Junto com uma equipe tínhamos por objetivo entender como aquela região poderia se tornar mais reconhecida e competitiva no setor. Em uma das minhas idas à região, visitamos uma pequena Associação de café Fair Trade (comércio justo). Eu fiquei tocada com todos os desafios e obstáculos que os produtores compartilharam conosco. Saí emocionada da reunião, com lágrimas nos olhos e refletindo sobre como eu poderia, de fato, ajudar os pequenos cafeicultores a serem melhor remunerados e reconhecidos para poderem trabalhar de forma digna e saudável em suas propriedades.
“As dores sentidas na agricultura familiar, pelo pequeno agricultor, me motivaram empreender este negócio de impacto. A dor do uso excessivo do veneno e do envenenamento massivo da terra e das pessoas, a dor do pequeno cafeicultor – de ser um agente invisível, remunerado na maioria dos casos injustamente. A dor de não ver a assistência técnica e tecnologia serem acessíveis ao pequeno produtor, na maioria dos casos. A dor de ver a desconexão das pessoas com a origem dos alimentos. A dor de ver a pouca consciência no consumo dos alimentos. A dor de sermos o maior produtor de café do mundo e ainda conhecermos pouco sobre a qualidade e a diversidade de sabores do café que produzimos nessa terra riquíssima que é o Brasil”
Mas foi nesse período que você começou a empreender?
Ainda não, aquela fase foi o início de um período de transformação na minha vida. Resumidamente, 1 ano depois eu saí do SEBRAE/MG, morei por alguns meses em NYC (entre 2011 e 2012), lá trabalhei na cafeteria de um amigo francês, que eu conheci por conta do projeto das Matas de Minas. Voltei para o Brasil em 2012, trabalhei em outras áreas e empresas até que em 2014 encerrei minha atividades e experiência como empregada e comecei a minha jornada empreendedora.
E como foi esse começo na vida de empreendedora?
De início fiz algumas consultorias, escrevi cases sobre negócios com propósito e em um deles, realizado em parceria com a Flourish negócios com propósito, me conectei com o Gustavo Mamão, que viria a ser meu sócio no Café Abraço. Foi somente em 2016 que mergulhei no planejamento para fundar o Café Abraço.
No começo o Gustavo, meu sócio, foi um mentor e investidor anjo do negócio, e foi me ajudando a construir como seria a operação. Naquela fase eu queria uma cafeteria, mas com o tempo, analisando o planejamento, o acesso aos produtores e ao mercado, e estudando os números, vimos que esta não seria a melhor forma de começarmos.
Assim, em janeiro de 2017 nasceu o Café Abraço, com o modelo de venda de pacotes de café para o consumidor degustar em casa, e em 2018 iniciamos com o FoodService. Tudo aconteceu graças à experiência que tive com a cafeicultura na região das Matas de Minas em 2010.
O que te motiva?
A valorização da agricultura familiar (econômica e socialmente e suas práticas agrícolas harmoniosas com o meio ambiente), contar as histórias e revelar quem são esses agricultores que produzem o que consumimos e se dedicam a vida no campo, na produção do café. Outro ponto é ajudar a fortalecer a rede que vem surgindo no mundo sobre a consciência do que consumimos, o reconhecimento da importância do trabalho dessas pessoas que cultivam os nossos alimentos de forma saudável, os cafés que tomamos diariamente.
E como funciona o negócio?
Nossa sede é em Belo Horizonte, e periodicamente eu visito produtores para conhecê-los, ouvir suas histórias, desejos e para degustar seus cafés. Além disso explicamos o funcionamento da Marca e principalmente os escutamos sobre o sentido do Café Abraço para cada um. Ao longo dos anos a cadeia de alimentação foi “comoditizada” e cada alimento deixou de conter a sua origem, a sua história, e passou a ser transacionado baseado em métricas de preço (ou custo), em muitas das vezes, sem considerar as externalidades de sua produção. Com relação ao café, a “comoditização” fez com que ele deixasse de ser percebido como um alimento.
A proposta do Café Abraço é reestabelecer o vínculo entre as pessoas – consumidoras e produtoras, criando uma cadeia produtiva do café mais justa e saudável. O Café Abraço tangibiliza essa visão, dando o devido crédito a cada produtor, pagando o preço justo pela saca, e tendo na sua escolha de compra, critérios que favoreçam o impacto positivo socioambiental – por exemplo, comprando de pequenos produtores, preferencialmente certificados por Fair Trade e que já produzam de forma agroecológica ou orgânica.
Os cafés da nossa marca são todos cafés especiais, e isso quer dizer que eles passaram por um protocolo de avaliação sensorial internacional da SCA – Specialty Coffee Association (Associação internacional de Cafés Especiais), os cafés que possuem entre 80 e 100 pontos conforme os critérios de avaliação são considerados especiais. E para nós no Café Abraço o especial de um café assim como sua qualidade é a forma como foi produzido. E é especial para nós saber se as pessoas estão vivendo bem, comendo bem, se elas no seu ecossistema territorial são saudáveis. Antes do café há um ser humano ali trabalhando de sol a sol, lidando com todos os fenômenos naturais para entregar um produto de qualidade e ser remunerado de forma justa por ele.
Nossos cafés são vendidos em pacotes de 250 gramas, moídos ou em grãos. Cada pacote possui a foto e uma frase do cafeicultor que produziu aquele café. Hoje temos aproximadamente 45 pontos de venda nos estados de MG, SP, RJ e Goiás. De 2017 até 2018 lançamos cafés de 7 produtores.
Como é a sua atuação na empresa?
Sou Diretora Executiva, responsável pela gestão do negócio. Faço a curadoria dos produtores e dos cafés. Provo e escolho os cafés. Visito os produtores para explicar nosso negócio e ouvi-los sobre o sentido do Café Abraço para cada um deles. Acompanho o processo de torrefação dos cafés para que haja uma curva ideal de torra e com isso tenhamos uma bebida agradável ao paladar dos consumidores. Também faço a curadoria comercial, cuido de nutrir as relações com nossos parceiros. Acompanho as nossas ações em mídias sociais. Acompanho também de perto a operação administrativa e financeira.
Qual foi o maior desafio que você enfrentou na vida empreendedora?
Meu maior desafio fui eu mesma. Foi me entender o que era me empoderar, reconhecer e usar a minha coragem para decidir o que eu faria e agir. Acreditar na minha força, nos meus talentos. Superar as crenças e medos que me paralisavam. Venho superando estas coisas através do meu autoconhecimento, quebrando as crenças que me limitavam. Deixando de acreditar no que eu ouvia quando mais jovem e criança sobre mulheres e empresas. Decidi acreditar em outras coisas, decidi acreditar nos meus sonhos e em mim mesma, aproveitar o que tenho de bom para colocar a serviço do mundo. E conseguir isso não foi e não é fácil. É preciso autocuidado, no meu caso fazer terapia, cursos sobre autoconhecimento, e ter mentores me ajudou, e continua ajudando a enfrentar as minhas dificuldades, minhas sombras, reconhecer as minhas desumanidades, chorar as minhas dores, olhar de frente para os meus defeitos, para os meus pontos fracos e meus medos, para então ir me transformando, me tornando um ser melhor para poder beneficiar os outros de alguma forma. E sigo praticando a meditação diariamente.
Quais estratégias têm dado melhor resultado nesta trajetória?
A estratégia do simples, seguir o plano com flexibilidade e observar o ritmo do negócio, ouvir para onde o negócio quer ir. Fortalecer e inovar nas ações que dão certo, manter a essência e visão do surgimento do negócio, ouvir atentamente o mercado e definir ou redefinir os rumos conforme as demandas vão surgindo. Não descolar nunca, jamais, em nenhum dia da VISÃO E MISSÃO do Negócio, é isso que renova as energias diariamente. Por mais louca que seja a rotina é importante parar 5 minutos ao dia e se reconectar com o propósito de negócio e da vida. Comunicar de forma transparente quem nós somos também é muito importante. Estar presente e perto da cadeia que compõe o negócio. Ouvir sempre e constantemente nossos produtores e consumidores. Respeitar quem veio antes e aprender com eles.
Quais os diferenciais do Café Abraço para superar os concorrentes?
Temos a visão de que o café é um alimento e trabalhamos com produtores, da agricultura familiar que possuem manejos agrícolas resilientes/sustentáveis em suas lavouras – agroecologia, orgânicos e fair trade. Garantimos preço justo no pagamento de cada saca comprada. Além disso, valorizamos as mulheres produtoras de Café, dando oportunidades iguais a elas e ajudando-as no protagonismo de suas ações no meio rural. Outro ponto é que o Café Abraço é um produto totalmente conectado com a dinâmica do consumo consciente, da alimentação saudável e está na nossa essência incentivar isso o tempo todo. Informar a origem de cada café, informar as pessoas quem produz aquilo que ela consome.
Na sua opinião, o que o empreendedorismo feminino tem de diferente?
O Empreendedorismo feminino tem sensibilidade, a capacidade de sentir as emoções, sentir o outro. Nós mulheres temos características muito bonitas e que devemos revelar onde trabalhamos e nos empreendimentos que lideramos. São características que nos fortalecem. Somos perseverantes e apaixonadas pelo que fazemos, estamos conectadas umbilicalmente com o propósito do negócio que empreendemos. Mulheres compartilham mais, pedem ajuda, conversam mais com as pessoas, são mais abertas, têm flexibilidade e abertura para compartilhar ideias, mudar rotas, buscam ter mentores com quem possam trocar ideias, pedir ajuda. Os empreendimentos femininos estão conectados com desenvolvimento social, aliados a alguma causa, e de alguma forma vão gerar benefícios para outras pessoas, em sua essência.
Qual a sua maior conquista até aqui?
A maior conquista é ver o sorriso dos produtores quando recebem seus cafés com a fotografia deles no rótulo. Ali não tem dúvida é o café do Sr. Vicente, da dona Aparecida e Sr. Laerte, da dona Daisy, do Lázaro, do Márcio, do Euzébio e do Júlio. Isso é muito bonito é o que me nutre todo dia. Um dia eu ouvi o Sr. Vicente, um de nossos produtores, falar assim: “Esse pacote de café é o meu segundo diploma, eu nunca imaginei que meu conhecimento fosse chegar na cidade e que as pessoas iriam saber que fui eu que produzi aquele café” – o primeiro, segundo ele, foi o prêmio que ganhou de melhor café da cooperativa da qual ele faz parte. Uma das coisas mais bonitas que eu já ouvi na vida. A minha maior conquista, sem dúvida, é a alegria das pessoas, é fazer algo que possa levar alegria para elas, fazê-las felizes, ajuda-las a seguir no caminho de bem, que elas escolheram, sejam elas produtoras, consumidoras, ou time Café abraço, é isso. A minha conquista é a alegria da conquista delas. É claro, temos metas, também. Pretendemos no horizonte de 5 anos ter no mínimo 100 produtores lançados.
Qual é o seu sonho? O que ainda falta realizar?
Que o café Abraço cresça, se torne uma indústria forte de Cafés Saudáveis e que possa ser um agente que atua na regeneração das relações das pessoas com o alimento que consomem. Que seja uma empresa cada vez mais humana, com produtores satisfeitos, com cafés de qualidade e saudáveis, com boas relações com os parceiros, seguir com prosperidade para todos. Ser um empreendimento que possa ajudar a formar jovens profissionalmente também, uma empresa onde as pessoas possam ser elas mesmas de forma genuína, transparente, reconhecendo cada um com sua humanidade e talentos. Uma empresa com pessoas satisfeitas, reconhecidas, acolhidas e valorizando os talentos delas, vê-las voarem, superarem seus desafios e brilharem, esse é um objetivo e um sonho.
Como você se equilibra nesta rotina agitada da vida empreendedora?
Eu medito diariamente, por 24 minutos, isso é muito importante para mim. Meditar dá estabilidade mental para gente ir para o mundo, para não sermos responsivos nem entrarmos em parafuso quando os obstáculos e desafios aparecerem. Nos ajuda a reconhecer as emoções e a nos conhecer de forma mais profunda. Além disso, tenho um poema de cabeceira, o “Role os Dados” de Charles Bukowski, que me energiza e impulsiona.
Role os dados
Se você vai tentar, vá até o fim.
Caso contrário, nem comece.
Se você vai tentar, vá até o fim.
Isso pode significar perder namoradas,
esposas, parentes, empregos
e talvez sua mente.
Vá até o fim.
Isso pode significar ficar sem comer por 3 ou 4 dias.
Pode significar congelar num
banco de praça.
Pode significar cadeia,
Pode significar menosprezo,
insultos,
isolamento.
Isolamento é o presente
todos os outros são um teste da sua
resistência do
quanto você realmente quer
fazer isso.
E você vai fazer
Apesar da rejeição e das piores probabilidades
E isso será melhor do que
qualquer coisa
que você possa imaginar.
Se você vai tentar, vá até o fim.
Não há outro sentimento como
esse.
Você estará sozinho com os deuses
e as noites irão flamejar com fogo.
Faça, Faça, Faça.
Faça.
Até o fim
Até o fim.
Você cavalgará a vida direto até a
gargalhada perfeita essa é
a única boa luta
que existe.
Qual sua dica para quem está querendo empreender?
Acredite, tenha claro porque você vai entrar no negócio. Se for fazer uma transição de carreira para empreender, faça com planejamento e cuidado, procure e peça ajuda. Entenda a raiz do negócio no qual você vai entrar, mas não se agarre aos detalhes. Esteja pronta para colocar um paraquedas e consertar o avião durante o voo, isso pode acontecer. Empreender é uma aventura incrível.
Quais seus planos para o futuro?
Seguir na jornada do Café Abraço, ampliar nosso mercado, ter a nossa própria torrefação em Belo Horizonte, criar e dar oportunidades de trabalho para mais pessoas, me encontrar com mais produtores e ter mais cafés e histórias para compartilhar. Me envolver em mais frentes relacionadas ao consumo consciente e à produção de alimentos de forma responsável e harmoniosa com o planeta. Poder ajudar mais mulheres a se empoderarem de suas sensíveis forças, tão importantes para o mundo. Poder apoiar cada vez mais produtores da agricultura familiar serem reconhecidos, e justamente remunerados. Poder contribuir com o mundo com o que tenho para servi-lo.
Para saber mais:
Café Abraço: Instagram e Facebook: @cafeabraco
O que faz: Atuamos na interconexão do Comércio Justo (Fair Trade), da produção agroecológica ou orgânica, e da agricultura familiar. Somos parceiros de pequenos produtores de cafés de qualidade que atuam com práticas agrícolas resilientes.
Sócios: Débora Rabelo e Gustavo Mamão
Funcionários: 2 sócios, 1 funcionário administrativo.
Sede: Belo Horizonte – MG
Início das atividades: Janeiro de 2017
Investimento inicial: R$ 100.000
Contato: [email protected] / (31) 9 8422-5072
Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!
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