“Você sabe que a Muito Prazer é parte do seu processo de redescoberta, né?”.
Esta é uma frase que já ouvi algumas vezes do meu psicólogo na minha sessão de terapia. E faz todo sentido. Afinal, eu sou uma mulher que, como a maioria, cresceu cheia de tabus, preconceitos e desconhecendo a importância da sexualidade.
Não, nunca fui carola ou supertímida. Pelo contrário, tive vários relacionamentos e sempre fui mais liberada e bem resolvida que a maioria das minhas amigas.
Mas ainda assim, não dava a devida importância ao tema e me condicionava aos modelos de subserviência e aceitação da sociedade patriarcal, o que me levou a um casamento violento e abusivo e a relacionamentos quase sem personalidade após o divórcio.
Quando a pandemia chegou, eu tinha o que todos diziam ser uma vida plena: um relacionamento estável e duradouro, um trabalho com uma remuneração muito acima da média, uma filha saudável e bem desenvolvida, uma casa confortável e o lifestyle das redes sociais: viagens constantes, passeios recorrentes e idas frequentes a bares e restaurantes.
O que ninguém via era que eu estava em uma fase de total anorgasmia — não conseguia chegar ao orgasmo — e não tinha prazer com nada na vida. Vivia para fazer o que esperavam de mim e agradar aos outros
Fechada em casa, retomei a terapia e iniciei o processo de me redescobrir. Lembro que, logo no início, mal sabia dizer o que eu gostava ou os motivos que me levavam a fazer minhas atividades diárias.
Com o tempo, voltei a me reconhecer, a buscar atividades que me gerassem prazer e bem-estar, a me priorizar, a estar com as amigas, a me relacionar de novas maneiras.
Voltei a olhar para o meu corpo, a me descobrir. Comprei um “Satisfyer Pro”, o hit da pandemia e, com a minha cabeça no lugar certo, consegui chegar ao ápice.
Foi aí que percebi como a gente se acostuma a levar a vida no automático — casa, trabalho, contas, relações, responsabilidades, cobranças, expectativas — e, assim como diz Marina Colasanti em um dos meus textos preferidos, como a gente não devia.
Precisamos sair do automático e buscar mais. Mesmo acreditando que eu era uma mulher independente e bem resolvida, sentia que havia algo errado neste querer mais
A princípio, pensei que fosse uma questão minha… mas, em uma conversa com a Rafa, minha amiga e cofundadora — e depois conversando com outras amigas próximas –, percebi que não.
Esta percepção levou a Rafa e eu a criar uma pesquisa que foi respondida por mais de 150 mulheres. Queríamos saber como elas estavam se relacionando com si mesmas, como entendiam o sexo e como estava sua sexualidade.
As respostas confirmaram o que percebíamos: avançamos em direção à igualdade dos gêneros, mas esta evolução ainda não incluía a busca pelo prazer!
Mais de 70% das entrevistadas gostariam de melhorar sua relação com o sexo e a sexualidade e aumentar sua frequência de orgasmos. Todas nós queríamos mais!
A partir destes insights surgiu o conceito da Muito Prazer, em 2021. Quando comecei a estruturá-lo e compartilhar com pessoas próximas, principalmente com homens que trabalhavam comigo ou estavam ao meu redor, ouvi frases, sempre em tom de chacota, como: “Ah, você vai vender consolos? Mandar uma caixa de vibradores?”.
Eu dava um sorriso sem graça e respirava. Sabia que estava juntando dois conceitos novos e que teria que educar o mercado.
O primeiro deles, um clube de assinatura, que apesar de bastante explorado no Brasil para livros, vinhos e cosméticos, ainda engatinha em outros segmentos. Mas que não era novo ou desconhecido para alguém que, como eu, trabalhou na meca das assinaturas, a Editora Abril.
Na prática, trata-se do envio de uma caixa mensal com um determinado número de produtos que estimula, de forma leve e em tom de presente e brincadeira, mulheres a trabalharem sua autoconfiança e investirem no autoconhecimento e na masturbação
O segundo conceito era mais complexo. E mexia com tabus e preconceitos da sociedade: o bem-estar sexual feminino. Algo que começou a ser falado em meados de 2017 e ganhou destaque em 2020 e 2021.
A junção dos dois resultou no que é hoje a empresa, um clube de assinatura de bem-estar sexual. Para quem não conhece o termo, eu diria, de modo bem objetivo, que é a conexão do nosso desejo e do nosso prazer com a nossa saúde física e mental.
Somou-se ao problema duas tendências que vivenciaremos neste pós-pandemia: a volta da libido à cena (inclusive cultural) e a sexualidade como próxima fronteira a ser desbravada no caminho do desenvolvimento pessoal
Como li recentemente, cuidar da sua sexualidade será (ou deveria ser) parte da rotina de qualquer pessoa.
Estávamos diante de um mercado promissor e iniciamos a operação, como grande parte dos negócios no Brasil, mantendo nossas carreiras em outras áreas e investindo o pouco tempo que sobrava após o expediente e os fins de semana para fazer as coisas acontecerem — e elas não acontecem do dia para a noite.
Ainda assim, cuidamos para que nada fosse informal. Desde o início, apesar dos custos maiores, da burocracia e das muitas exigências, tratamos o negócio como empresa, com sistemas, processos, estruturação, registros e alta qualidade em todas as etapas, ainda que este fosse o caminho mais tortuoso.
Com pouco tempo, ficou claro que se quiséssemos realmente crescer e fazer o negócio ser mais do que uma caixa enviada a amigos e conhecidos — sempre os primeiros clientes –, seria necessário maior dedicação
E eu, que já não via sentido em muitas coisas na minha vida nos últimos anos, resolvi fazer mais uma mudança. Encerrei minha carreira corporativa para me dedicar 100% ao empreendedorismo e à MuitoPrazer.Club.
A Rafa, por diversas questões, não poderia fazer o mesmo movimento, então decidiu sair da sociedade.
Completo três meses de transição, convivendo com duas questões constantes.
A primeiro é a solidão, que não é ligada à quantidade de pessoas que estão na equipe, mas sim à divisão de responsabilidades.
Solidão, aliás, não é um sentimento desconhecido para mim, mãe, divorciada e praticamente única responsável pela criação da minha filha, tal qual mais de 11 milhões de mulheres no Brasil
Para aplacá-la, tenho buscado grupos e coletivos de mulheres que, assim como eu, optaram pelo empreendedorismo e estão fazendo seus negócios acontecerem. Nestes grupos, trocamos conhecimento, compartilhamos, cocriamos e nos ajudamos.
A segunda questão é a adaptação. Há muito para se fazer, para conhecer. Muito para resolver. O dia de quem empreende nunca parece suficiente e sem organização e direção é fácil se perder.
Fica perceptível que ninguém sabe tudo. A solução que encontrei foi sempre buscar quem entenda mais do que eu, e não parar de aprender, estudar, me aprofundar.
Tudo isso, misturado com a rotina de trabalho, torna esta nova fase muito mais desafiadora, às vezes até desconfortável, principalmente quando comparada à minha rotina anterior. E, como estou investindo, por enquanto ainda nada rentável…
E você que está lendo este artigo agora pode se perguntar: então, ainda faz sentido? Para mim, a resposta é clara. Faz todo sentido.
Quero tornar a MuitoPrazer.club um dos maiores clubes de assinatura do Brasil. Quero quebrar tabus e preconceitos, e ajudar a tornar a sexualidade algo natural, como deve ser
E, principalmente, quero transformar a vida de milhares de mulheres. Para que elas possam, assim como eu, reencontrar o prazer em suas vidas e reduzir o gap de orgasmo que ainda existe em nossa sociedade.
Tâmara Wink, 40, é mãe da Beatriz e fundadora da Muito Prazer. Formada em Administração, com especialização em Marketing e Planejamento, atuou por mais de 15 anos em empresas de diferentes segmentos atendendo principalmente empresas B2B.
Na infância, Marina Amaral teve de mudar a alimentação e se exercitar para lidar com o ganho de peso devido ao hipotireoidismo. Adulta, ela deu uma guinada na carreira e desenvolveu o Lia, uma plataforma para fortalecer o bem-estar feminino.
A menopausa precoce é uma experiência muito solitária. Renata de Paula conta como encarou esse processo (ao mesmo tempo em que tratava um câncer) e fala sobre o projeto que criou para derrubar tabus e apoiar outras mulheres na mesma situação.
Zélia Peters e a filha, Luana Lumertz, nunca tinham falado entre si sobre sexo. Depois que a mãe superou um relacionamento abusivo e comprou seu primeiro vibrador, as duas decidiram empreender a Egalité Sex Shop, com foco no prazer feminino.