O Ateliê Catarina transforma livros em bolsas enquanto traz um novo propósito à vida de sua fundadora

Marília Marasciulo - 13 jun 2018
Katya Thais Lichthow já foi babá, vendedora de loja e até de camelô antes de descobrir que seu negócio era produzir acessórios de moda usando livros como matéria-prima e criar o Ateliê Catarina.
Marília Marasciulo - 13 jun 2018
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Demorou algum tempo para a designer de interiores Katya Thais Litchnow, 35, encontrar sua verdadeira vocação. Natural de Guaraniaçu, no oeste do Paraná, ela passou muitos anos trabalhando como vendedora em lojas até que, em 2014, teve a ideia que mudaria seu propósito de vida e profissão: criar bolsas e clutches a partir de capas de livros que seriam descartados.

Mantendo a atividade como projeto paralelo, ela produziu sozinha cerca de 240 peças — e faturou aproximadamente 30 mil reais. Porém, decidiu “largar tudo” para tentar transformar o hobby em um negócio rentável e com vida própria. Surgia aí a marca Ateliê Catarina. Para seguir adiante, no entanto, precisou superar alguns de seus preconceitos e, o mais complexo, aprender mais sobre si mesma e sobre como empreender.

Filha de uma professora que trabalhava principalmente como substituta, Katya sempre mudou muito de cidade. Da terra natal, foi para Cascavel, também no Paraná, e de lá para Itajaí (SC). Depois, no mesmo estado, para Itapema, Balneário Camboriú, Florianópolis e até para a Europa, em uma temporada em companhia da mãe, que então cuidava de uma senhora por lá. Nesse vai e vem, sobrou pouco tempo para pensar sobre o que gostava de fazer de fato. Trabalhou como babá, em lojas de celular, em um camelô. Chegou a cursar Administração, mas largou o curso após um ano por perceber que não gostava da área.

Foi na capital catarinense que ela começou a se encontrar, meio que por acaso. Aos 29 anos, ainda trabalhando em uma loja, resolveu buscar uma graduação na Faculdade Cesusc, já que a instituição ficava perto de onde morava. Não sabia ao certo o que cursar, então conta que a escolha aconteceu por eliminação. “Como vendedora, sempre gostei de artes manuais, decoração e moda, mas achava moda meio fútil.” No catálogo de cursos, Design de Interiores era o que mais lhe atraía.

Finalizou os estudos neste curso na UniCesumar, em Maringá, no Paraná, pois se mudou (de novo!) devido a circunstâncias pessoais. No entanto, mesmo já formada, diz que ainda não se sentia pronta para encarar o mercado. “Achava que meu destino seria fazer móveis planejados e não me encontrava nisso.” Em 2014, iniciou uma especialização em sustentabilidade para conhecer alternativas. E foi aí que as coisas começaram a mudar.

QUANDO LIVROS VÃO ALÉM DA LEITURA

Durante o curso, Katya começou a fabricar bolsas usando cartonagem para carregar o material de artes. Suas colegas de classe gostaram da ideia e fizeram tantas encomendas que ela montou um ateliê em casa. E pegou gosto pela coisa. Lembrou-se, então, de uma coleção de bolsas da estilista francesa Olympia Le-Tan, que fazia bordados imitando a capa de livros. Queria fazer algo parecido, mas não sabia costurar nem bordar. Mas para que bordar se, usando as técnicas de cartonagem, seria possível usar as capas originais dos livros para criar os acessórios?

O dicionário que virou uma bolsa nas mãos de Katya custa 128 reais no Ateliê Catarina.

O dicionário que virou uma bolsa nas mãos de Katya custa 128 reais no Ateliê Catarina.

E foi exatamente o que ela fez. As mesmas colegas que gostaram das bolsas para carregar material aprovaram e fizeram mais encomendas. Katya se empolgou, e passou a buscar livros dos quais os sebos estavam se desfazendo para aproveitar as capas mais bonitas ou raras e “estampar” suas criações.

Para tanto, gastou 3 mil reais, um investimento enxuto, mas na medida para produzir mais peças, que custam de 80 a 280 reais (algumas, personalizadas, têm o preço divulgado apenas sob consulta).

Em 2016, ela voltou para Florianópolis, onde passou a se dedicar cada vez mais às bolsas e a sentir que o que fazia era algo realmente especial.

“Comecei a ver várias marcas estrangeiras fazendo bolsas imitando livros, mas nenhuma usando eles como matéria prima”, diz. Começou o ano testando novos materiais, criando novas peças e, talvez o maior desafio, aprendendo mais sobre empreendedorismo e economia criativa, outro fator crucial em sua trajetória rumo à construção do próprio negócio.

PEDIR E ACEITAR AJUDA FAZ PARTE DO CAMINHO PARA O SUCESSO

No ano seguinte, Katya passou a frequentar feiras alternativas em São Paulo, como a itinerante Jardim Secreto, que existe desde 2013 e é conhecida por seu público descolado. “Eu me inscrevia e partia para a cidade com três malas no ônibus, vendia quase tudo e poupava para produzir e vender mais”, conta. Também iniciou um curso no Sebrae de capacitação para empreendedores (que vai até novembro) e, finalmente, assumiu sua vocação: trabalhar com resíduos ou com “transformar as coisas”, em suas próprias palavras:

“É engraçado porque quando eu era criança já gostava de transformar tudo que encontrava em coisas novas”

Em seus estudos sobre empreendedorismo, a designer descobriu a nomenclatura usada para isso: upcycling. A partir dessa descoberta, tomou o próximo passo definitivo em sua carreira de empreendedora, abandonando o emprego para se dedicar totalmente ao negócio.

É claro que foram necessários muitos ajustes no padrão de vida para tudo acontecer. Katya alugou sua casa para poder sublocar um quarto em um apartamento e, com o dinheiro que sobrasse, pagar o restante das contas. Também mudou de escritório. Do ateliê em casa, passou a frequentar um coworking. Isso, na sua visão, fez o negócio fluir. “Você conhece muitas pessoas, é bom ter esse contato”, diz.

Uma bolsa preta - nada básica - do Ateliê catarina que leva cerca de 12 horas para ser confeccionada.

Uma bolsa preta – nada básica – do Ateliê Catarina leva cerca de 12 horas para ser confeccionada.

Por meio desse networking, conheceu o setor 2.5 (de negócios que causam impacto positivo e ao mesmo tempo geral lucro), o que abriu seus olhos para a possibilidade de empreender e ajudar a sociedade ao mesmo tempo. E o mais importante, a fez perceber que aceitar receber ajuda também é fundamental para o sucesso de um projeto. Ela fala mais a respeito:

“A gente aprende muita coisa em cursos e na faculdade, mas não aprende a como se libertar e pedir ajuda”

Como ela aceitou que precisava de um empurrãozinho, ele chegou por meio de mentores, professores de moda e publicidade que toparam auxiliá-la no processo de criar a própria marca.

A DESCOBERTA DA MODA ALÉM DOS ESTEREÓTIPOS

Katya superou o próprio preconceito contra a moda e percebeu que é possível usá-la a seu favor para estimular um consumo com mais consciência ambiental e social. “O consumo sempre vai existir, o problema é o consumismo”, diz. O core do negócio, como conta, é baseado em três pilares: repensar o descarte, mostrar às pessoas que nem tudo é o que parece ser e buscar a parceria com mulheres de baixa renda para proporcionar a elas uma oportunidade de trabalho (algo que ainda está em fase de implantação).

Embora sejam mais delicadas que as de couro ou tecido comuns, as bolsas do Ateliê Catarina são resistentes. As alças são de courino, couro ou corrente.

Embora sejam mais delicadas que as de couro ou tecido comuns, as bolsas do Ateliê Catarina são resistentes. As alças podem ser de courino, couro ou corrente.

A parceria com esse público também é uma forma de ajudá-la a superar o limite de tempo para fazer o negócio girar. Atualmente, ela leva em média 12 horas para fabricar uma bolsa. Embora a ideia seja manter a pegada slow fashion, com produção limitada, ela sabe que uma mãozinha para acelerar o processo o tornaria mais rentável. “Mais pessoas na produção possibilitariam ampliar a rede de produtos.”

No plano bolado por ela e seus mentores, o objetivo é ter seis linhas, com peças que possam servir como brinde corporativo, por exemplo, e outras voltadas para o design de luxo, com a fabricação de bolsas personalizadas, como de um livro raro ou de uma relíquia de infância. “Estou trabalhando para posicionar o Ateliê Catarina como uma marca de design, não de feira de artesanato”, afirma.

Assim como na escolha da vocação e na produção das bolsas, Katya não tem pressa para fazer o negócio “bombar” — até agora, ele não gerou lucro o suficiente para poder voltar a morar sozinha. Ela diz preferir planejar com cuidado suas ações, permitindo-se estudar e compreender bem o que deseja antes de tomar decisões. Mas otimismo é o que não falta:

“Às vezes penso que estou louca, aí vejo mais espaço para iniciativas com a minha, inclusive de grandes empresas e marcas, então penso que pelo menos não estou louca sozinha”

Ela prossegue: “O mundo está entrando em colapso, mas de pouco em pouco podemos mudar muita coisa.” Não importa o tempo que vá levar: o caminho, ao menos para ela, é feito de transformações aparentemente improváveis, mas cheias de sentido.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Ateliê Catarina
  • O que faz: Bolsas e clutches a partir de livros que seriam descartados
  • Sócio(s): Katya Thais Lichthow
  • Funcionários: 1 (a fundadora)
  • Sede: Florianópolis
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 3.000
  • Faturamento: Cerca de R$ 30.000 até o momento
  • Contato: katyaateliecatarina@gmail.com
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