“No futuro os pagamentos serão feitos com prótons e elétrons.” Esta projeção, feita nos anos 1960 por Dee Hock, fundador da Visa, de certa forma se concretizou: hoje os meios de pagamento passam por revolução tão rápida que tornaram o tradicional cartão de plástico algo quase démodé. O mundo agora é tomado pelo e-commerce, pelos pagamentos feitos dentro dos aplicativos e pela Internet das Coisas, que permite aproximar o celular de uma máquina de cartão e ter o valor debitado imediatamente. Sem falar no crescimento das fintechs, que já nascem inovadoras e representam um desafio aos grandes players. A Visa está, portanto, empenhada em se reinventar.
No Brasil, grande parte deste esforço está nas mãos de Erico Fileno, 39, diretor de inovação da companhia para o país desde março do ano passado. Para assumir o desafio, o designer colocou em stand by um efervescente período como consultor de inovação e design para empresas de tecnologia, da área industrial e até mesmo do setor financeiro. Na Visa, ele é o responsável por guiar a busca por processos que ajudem as equipes a encontrar novas soluções e respostas.
“De certa forma, o objetivo desse espaço é exatamente dar esse impulso, tirar as pessoas do lugar, transformar toda a empresa em um centro de inovação”, diz, sobre o Co-criation Center, primeira estrutura de inovação da empresa no Brasil, lançada por Erico em 2016 e onde ele recebeu o Draft. Ali, ele conta, tem tudo o que os times precisam para debater ideias, prototipar e, enfim, romper a barreira que separa o prosaico do que é realmente novo. O esforço maior, ele diz, é mudar a cultura e ensinar ao time de 140 pessoas da Visa no Brasil que “é melhor pedir desculpas do que pedir permissão”.
Na conversa a seguir ele conta os esforços da Visa para enfrentar esse período de transição, fala dos resultados da empresa e diz, ainda, que o ambiente joga a favor da inovação mais humanada e social, guiada por comportamento.
Como está estruturada a área de inovação na Visa?
As coisas são bem recentes. Em fevereiro de 2016 foi lançada a nossa plataforma de APIs (open source para desenvolvedores). Comecei aqui em seguida, em março. A Visa sempre trabalhou a inovação. A questão é que nos últimos anos mudou um pouco o direcionamento, deixou de ser puramente tecnológica para ter foco no ser humano. Internamente este movimento começou há uns quatro anos, quando foi aberto o primeiro Innovation Center, em São Francisco. Depois foram abertas unidades em Singapura, Dubai. Em 2016, em Miami e no Brasil.
O centro de inovação da Visa no Brasil segue o padrão internacional da companhia?
Adotamos uma particularidade. Pela relevância do mercado brasileiro, ganhamos um Innovation Center que pretende ser um espaço de cocriação. Até o nome aqui é diferente, somos o Co-criation Center. O nosso centro tem foco no desenvolvimento de novos produtos e serviços, mas sempre com o olhar mais humano. A base é o design centrado no ser humano.
O Innovation Center daqui é diferente só por causa do tamanho do mercado ou a operação local tem algum tipo de aptidão específica?
O tamanho do mercado, que é o maior da América Latina, é importante. Mas no meu entendimento, existe uma aptidão diferente sim.
A Visa começa muita coisa pelo Brasil. Uma delas é o diálogo com startups e fintechs
Desde a minha chegada estamos estruturando isso. Vim de fora, sou designer e atuava como consultor de inovação para empresas de tecnologia e até para bancos. Nunca tinha trabalhado em grandes empresas de meios de pagamentos. Quando vim para cá senti disposição total da Visa para encarar esse novo olhar para o design. Prova disso é que sugeri que o centro de inovação ficasse na sala que seria inicialmente do presidente e a ideia foi aceita. Criamos um espaço com foco nas pessoas, com estrutura diferente para trabalhar, mais flexível. Temos aqui todo o equipamento para prototipação.
Qual é o tamanho da sua equipe?
Duas pessoas: eu e mais um (risos). A ideia não é que a inovação esteja só na nossa equipe, mas nos 140 funcionários da Visa. Todos têm a obrigação de pensar de forma inovadora, formamos grupo multifuncionais, de vários níveis hierárquicos, para debater problemas e encontrar soluções. Não existe mais aquilo de que só os diretores vão sentar em uma sala e debater uma questão. De certa forma, o objetivo desse espaço é exatamente dar esse impulso, tirar as pessoas do lugar, transformar toda a empresa em um centro de inovação. A ideia é que todo mundo trabalhe a abordagem do design para desenvolver novos produtos e serviços, além de atuar de forma menos hierárquica. O meu papel também é ajudar na mudança cultural da companhia ao trazer novas ferramentas e formas de trabalhar.
Que barreiras internas você enfrenta para trilhar este caminho?
O desafio sempre está nas pessoas. A mudança é difícil para qualquer um. Se você faz uma ação todos os dias da mesma maneira, é difícil quando alguém chega e questiona.
O papel da inovação é justamente questionar o status quo. É natural que as pessoas fiquem na defensiva. Meu papel é provocar
Alguns conseguem entender isso mais rapidamente. Outros têm um processo mais lento, mas o legal é que a companhia inteira entendeu e comprou a mudança.
Existe um orçamento específico para a área de inovação?
Não podemos falar de valores, mas o mais importante para nós não é exatamente a parte financeira. Nosso maior valor é o capital intelectual. Tem gente muito especialista aqui dentro, com anos de experiência. Na hora que trazemos estas pessoas para uma seção de cocriação com clientes e parceiros, adicionamos ao debate a expertise delas, que antes ficava focada apenas em processos internos da Visa. Antes a nossa atuação era orientada pelo slogan Made by Visa, algo feito apenas por nós. Hoje somos Enable by Visa, contando com a colaboração de parceiros, com o desenvolvimento conjunto. Parece simples, mas é uma enorme mudança contextual.
Quais as diferenças entre o modelo antigo e essa nova postura da Visa no mercado?
Não entregamos mais solução pronta. A resposta a um problema pode vir de vários lugares. Um case nessa linha foi o lançamento do chatbot do ShopFácil, que contou com a participação da Visa, do Bradesco e de uma startup. Com inteligência artificial, a ferramenta ajuda o cliente a selecionar o produto para fazer a compra na loja online. É a primeira solução do gênero no varejo brasileiro, lançada em novembro, pouco antes da Black Friday.
Como têm sido essas iniciativas de inovação aberta?
Quando cheguei, desenhamos toda a estrutura de diálogos com startups e fintechs. Fizemos duas parcerias. A primeira, a Ahead Visa, está rodando desde setembro em parceria com a Startup Farm. O Brasil é um grande celeiro de fintechs e percebemos que está crescendo. Algo que nos chamou a atenção foi a quantidade, qualidade e diversidade das que se inscreveram. Tivemos fintechs de vários países, como Estados Unidos, Europa, Israel e toda a América Latina.
A segunda parceria que fizemos, que começa oficialmente agora em janeiro, é com a GSVLabs. Essa sim é uma aceleradora do Vale do Silício, que está chegando no Brasil. Dessa maneira, trabalharemos com dois níveis de startups. Com a Startup Farm chegaremos às entrantes do mercado, que precisam validar suas ideias. Devemos trabalhar em torno de 70 startups por ano em cinco programas frutos desta parceria. Já com a GSVLabs nosso foco é trabalhar anualmente com apenas cinco fintechs, mas que já estejam rodando há um ou dois anos e, eventualmente, até monetizando.
Que frutos vocês já tiram ou pretendem tirar da relação com startups?
Para a Visa o importante é ampliar o olhar e o atendimento para esses novos clientes. Com a velocidade que as coisas vão, a startup de hoje será uma grande empresa em quatro ou cinco anos. A ideia é manter e renovar a relevância que sempre tivemos no mercado. Acabamos aprendendo também essa nova linguagem para desenvolver produtos e serviços, com metodologias ágeis, a possibilidade de errar e entender que isso faz parte do processo.
É engraçado. Quando falamos com um banco sobre marcar uma reunião, é sempre para a próxima semana. Quando falo com startup, o empreendedor já quer no mesmo dia. Uma semana é muito tempo para uma startup e é importante que os colaboradores da Visa entendam essa dinâmica. Em uma semana uma startup já testa e descobre se a solução dá ou não certo.
Você cita a rapidez e a possibilidade de errar. Como é este esforço na Visa?
É um grande paradoxo porque a questão da segurança é muito importante para a Visa. Quando falamos em testar, não podemos colocar nada em risco. Por isso, ao criar a nossa plataforma para desenvolvedores, criamos antes uma sandbox, que é um espaço de simulação para as APIs. É um espelho do nosso sistema que permite testes, erros e acertos. Só depois de passar pelo processo de segurança é que isso entra como produção. Encaramos isso com muita firmeza.
Temos espaço para testar, mas quando é definitivo não há margem para erro. Aí, separamos os adultos das crianças
Em que medida isso dá agilidade para a empresa?
Ao desenvolver uma ideia, no lugar de dedicar muito tempo, geramos um produto rápido e vamos testando. Assim temos várias tentativas em um período curto. Esta é a recomendação da alta gerência global da Visa: tentar, errar e não insistir no erro. É bem naquele espírito de pedir desculpas, mas não pedir permissão. A Visa era uma empresa com toda a tecnologia fechada. A partir do momento em que criamos uma interface de comunicação, o empreendedor tem acesso à plataforma de APIs com um cadastro simples. Qualquer um com conhecimento de programação pode entrar lá e desenvolver um produto ou serviço com as nossas APIs. Hoje temos globalmente mais de 20 mil pessoas cadastradas na plataforma, aproximadamente 7 mil aplicações na sandbox, o que mostra que está todo mundo testando. Algumas dezenas de aplicações já saíram de lá e entraram em produção.
Quais os primeiros resultados deste esforço?
Já temos projetos de desenvolvimento cocriativo andando com mais agilidade. O chatbot do ShopFácil é um deles. Da primeira conversa até o lançamento, não levamos nem quatro meses. Outro caso interessante aconteceu quando decidimos reunir um banco, um adquirente e a equipe da Visa para discutir um problema do setor, uma questão comum. Todos eles reagiram bem, gostaram da iniciativa de sentar para conversar em um ambiente mais informal. É aí que eu consigo contribuir como designer. Para chegar a novas soluções, desenvolvo atividades que misturam ações mais analíticas com outras mais criativas no processo de design, o chamado design thinking.
Os meios de pagamento estão em franca transformação. Recentemente um vídeo da Amazon Go que mostrava isso circulou na internet. Como a Visa encara o momento de mudanças?
A inovação traz questionamento e força a desconstrução daquilo que as empresas fizeram a vida toda. Você começa a ponderar se a fórmula que te trouxe até aqui é a mesma que vai te levar para o futuro. Uma das grandes tendências é essa desconstrução do plástico. Não significa que os meios de pagamento vão acabar. Na verdade, eles estão se tornando algo que ocupa outros lugares. Dessa forma, nosso esforço é para tornar o meio de pagamento imaterial com o objetivo de reduzir a fricção das coisas. O exemplo da Amazon Go é muito bom porque olha para a experiência de uso. As pessoas não querem a ação de pagar, mas elas querem consumir. O objetivo é uma cobrança sem fricção.
As fintechs começaram a ficar poderosas. O caso mais emblemático aqui no Brasil talvez seja o do Nubank. Qual é o papel da Visa nesse novo cenário?
Toda startup e fintech é vista como um possível parceiro nosso. Recebo muitos pedidos de startups desde que assumi a posição na Visa e tento atender todos. Sempre nos propomos a fechar parcerias para o próximo passo de desenvolvimento destas empresas.
Buscamos nos manter relevantes para o ecossistema
O Brasil ainda tem muita coisa para crescer em meios de pagamento digitais, 70% dos pagamentos ainda são feitos com dinheiro.
O Brasil é muito adepto de novas tecnologias. Isso faz do país um bom laboratório para que a Visa desenvolva soluções?
Nosso sistema bancário é bem avançado em relação a muitos outros mercados, afinal as instituições criaram mecanismos para sobreviver aos anos 1980. Na área de segurança de cartões, temos chip já há 20 anos. Os Estados Unidos começaram a implementar isso recentemente, há um ou dois anos.
E qual é a sua análise do ecossistema de inovação do Brasil hoje?
O Brasil é muito avançado para a inovação mais humana, mais social. Vemos isso quando olhamos para o universo digital, para as redes sociais. Temos 200 milhões de habitantes e a estimativa é de que metade disso esteja conectada, algo que faz com que toda startup queira estar no Brasil. Tudo cresce aqui. É um grande lugar para testar. O Brasil é muito importante no contexto global de inovação e muitas vezes não damos muito valor para isso, ficamos esperando a inovação tecnológica, que demanda alto investimento. Nesse aspecto não somos fortes. Vamos muito bem na inovação criativa e social, que depende apenas do capital intelectual.
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