O dia mal amanhece na capital paulista e a engenheira mecânica Raquel Schramm, 35, já está pronta para garantir o funcionamento do serviço de caixa postal inteligente, o CollectSpot, uma spinoff da EntregAli, startup em que é CEO. Não que o serviço automatizado dependa propriamente dela ou de qualquer outra pessoa para funcionar corretamente, mas a motivação gerada pelo negócio que estabeleceu em 2017 resulta em disposição para empreender, como conta:
“Acordo às cinco e meia e venho trabalhar mais contente, achando que estou colaborando para que o usuário final tenha uma vida mais fácil”
A ideia surgiu quando o amigo, hoje sócio e CTO, Thiago Lopes, 34, voltou de uma temporada na Inglaterra, onde conheceu o sistema de entrega de encomendas em pontos de retirada, amplamente difundido por lá. Como a maioria dos prédios residenciais não tem serviço de portaria, foi criado um arranjo para que os produtos adquiridos pela internet pudessem ser entregues, sem a necessidade do cliente estar de plantão para receber. Os pacotes são remetidos a estabelecimentos próximos à casa do comprador, onde são retirados em horários alternativos.
O serviço que os dois decidiram replicar no Brasil teve um piloto em 2017, na cidade de Santos, litoral paulista, após o investimento de 10 mil reais. Mas os resultados foram pouco animadores, dada a falta de cultura necessária ao seu funcionamento. Thiago fala a respeito:
“A gente decidiu que precisava melhorar a jornada do usuário e entregar mais segurança e confiança. Pensamos, então, em um armário automatizado”
Graduado em Engenharia de Controle e Automação pela Universidade Federal de Itajubá (MG), Thiago é paulistano e estagiou na Johnson & Johnson, em São José dos Campos (SP), antes de seguir para Macaé (RJ) para trabalhar em uma empresa do setor de óleo e gás, onde conheceria Raquel, que é natural de Florianópolis (SC) e estagiou em Salvador (BA). “Nos encontramos em um churrasco, na casa dele, onde eu e meu marido fomos de ‘penetras’, convidados por um amigo em comum”, lembra Raquel, que também passou oito anos trabalhando no polo petrolífero do norte fluminense.
Os casais se aproximariam ainda mais no período em que os cônjuges de ambos cursavam uma pós-graduação na mesma faculdade macaense. Raquel e Thiago, por sua vez, já conversavam sobre como criar opções profissionais à desgastante rotina da atividade petrolífera, que os levava a ficar até 25 dias seguidos longe das famílias, várias vezes ao ano, embarcados em plataformas em alto mar. No tempo livre, entre um embarque e outro, o engenheiro começou a fazer experiências, como “algumas gambiarras para automatizar fabricação de cerveja caseira”.
QUANDO A CRISE SUGERE NOVOS CAMINHOS: UM ARMÁRIO INTELIGENTE
Com o passar do tempo, a derrocada da economia do município, antes fortemente ligada à expansão da atividade da Petrobras na região, forçava a busca de alternativas e comprometia a saúde de Raquel:
“Tive uma pequena crise existencial e passei a procurar uma carreira que tivesse mais a ver com meu perfil, algo mais dinâmico e desafiador”
A ideia de empreenderem juntos permanecia, mas Thiago seguia para a Inglaterra, onde acompanharia os estudos da esposa, e Raquel se mudava para Santos, por conta da transferência do posto de trabalho do marido. Mas quando voltou da experiência europeia, onde fez cursos à distância em programação de dispositivos móveis e seguiu como autodidata estudando sobre internet das coisas, Thiago fez, então, a proposta à futura sócia para que desenvolvessem juntos a EntregAli e implantassem o sistema de entregas que o engenheiro havia descoberto na Inglaterra em território brasileiro.
Os contratempos, no entanto, impediram que a versão europeia funcionasse com sucesso na ilha de São Vicente, levando-os a conceber a alternativa batizada de CollectSpot. Em fase de testes em três pontos da cidade de São Paulo, o modelo não demanda a ação de nenhum funcionário no local, já que funciona por meio de um armário automatizado que abre apenas ao comando digital do entregador e do destinatário, garantindo segurança e autonomia. Além disso, o sistema envia notificações ao usuários em tempo real, via app, quando uma encomenda chega garantindo mais privacidade e eficiência.
A solução adaptada à realidade brasileira, desenvolvida totalmente in house, está também se provando útil em condomínios sem portarias e em empresas que possuem fluxo significativo de entregas de correspondências, assim como outros tipos de encomendas, e até para serviços de lavanderias, por exemplo. “A pessoa deixa a roupa suja ali e, no fim do dia, ela está limpa e passada no armário do CollectSpot”, conta Thiago. O “milagre”, é claro, depende da equipe da lavanderia para a retirada, lavagem e devolução do fardo.
A PARCERIA COM OS CORREIOS IMPULSIONOU A STARTUP
O sistema CollectSpot acaba de ser credenciado pelos Correios, que buscam alternativas para conseguir atender a demanda crescente por entregas (e também devoluções) de encomendas, principalmente por conta da expansão da modalidade de compras online. A empresa, que é responsável por cerca de 75% das correspondências do país, não possui a capacidade necessária para cobrir todo o território com o mesmo padrão de qualidade de serviços, possuindo diversas áreas de restrição de entrega, como zonas rurais, de difícil acesso, de risco de segurança ou mesmo cidades inteiras, mais distantes dos maiores centros urbanos.
Segundo Raquel, cerca de 30% dos endereços da cidade de São Paulo e 39% dos da cidade do Rio de Janeiro estão em área de restrição de entrega domiciliar, especialmente as periferias. Como alternativa, as encomendas desses endereços podem ser retiradas em agências dos Correios, resultando, no entanto, em uma logística ineficiente e insatisfatória para todos os elos da cadeia.
Outra alternativa de que a estatal dispõe há décadas são as tradicionais caixas postais, que podem ser alugadas, mas por, no mínimo, um semestre, a pouco mais de 70 reais mensais. O serviço, no entanto, não está disponível em todas as agências, motivo pelo qual os Correios lançaram o edital para credenciamento de caixas de correio inteligentes, sendo o CollectSpot um dos dois únicos prestadores homologados no país até o momento. Além da startup paulistana, uma empresa de Porto Alegre já está oferecendo o serviço, que foi autorizado, inicialmente, a ser implantado para os CEP de 14 municípios, sendo cinco no estado de São Paulo.
Em apenas quatro meses, a EntregAli concebeu o equipamento do CollectSpot, graças ao expertise da dupla de sócios. Enquanto Raquel sempre se interessou pelo desenvolvimento de produtos, desde o tempo em que era uma das três únicas mulheres de sua turma na Universidade Federal de Santa Catarina, Thiago era (e ainda é) aficionado por inovação e tecnologia. Entre as ideias que o engenheiro já desenvolveu estão um produto em microeletrônica para exibir mensagens a espectadores em movimento, como no metrô, e um controlador de eficiência de queimador de plataformas de petróleo, registrado em seu nome pela empresa onde trabalhava.
POR ENQUANTO, O RECURSO DE UM EDITAL MANTÉM A OPERAÇÃO
Em dezembro, o CollectSpot foi aprovado no primeiro ciclo de 2018 do Edital de Inovação para a Indústria, que está destinando recursos para startups, por meio do Sebrae e do Senai. Com o aporte recebido, de 560 mil reais, os sócios pretendem aprimorar o sistema eletrônico e expandir a rede de pontos de coleta em São Paulo para cerca de 50 unidades, em 2019. O investimento permitirá que sejam implantados outros métodos de interação, como QR Code, por exemplo, que agiliza o processo. “Precisamos ter um mínimo de 40 pontos instalados para a consolidação do MVP”, diz Thiago.
É também o recurso do edital de inovação que está permitindo a remuneração dos sócios e as contratações necessárias para o negócio se manter expandindo e alcançar a escala que precisa para seguir em frente. Com as operações iniciadas no final de 2018, a startup adota, por enquanto, o modelo freemium, com a expectativa de um faturamento médio mensal de 40 mil reais, após a expansão da rede este ano.
Até o momento, com 60 caixas postais cadastradas e mais de 300 entregas realizadas, o CollectSpot possui três unidades fabricadas e entregues, sendo uma de uso restrito a moradores de um condomínio no bairro da Saúde (zona sul) e outras duas abertas ao público: uma na rua Bela Cintra, 1425, próximo à avenida Paulista (24 horas por dia), e outra no Centro de Economia Criativa do Sebrae, na avenida Rio Branco, 1268, no centro da capital (das 9h às 18h).
O endereço central é também onde está incubado o escritório da EntregAli, um espaço de fomento ao empreendedorismo mantido pelo Sebrae. A dupla também já participou de vários programas de inovação como o InovAtiva Brasil, SP Stars, Startup SP e o Fab Lab Livre SP (projeto de fomento à fabricação digital da prefeitura de São Paulo, que permitiu que a primeira unidade fosse prototipada gratuitamente).
O custo para ter um armário inteligente CollectSpot, cedido em comodato, depende do número de módulos. Uma unidade com dez portas, que atende um prédio de até 60 apartamentos, tem uma taxa de instalação de 3 mil reais e mensalidade de 590 reais, o equivalente a cerca de 10 reais por apartamento. Os móveis, que buscam harmonia estética com os halls dos prédios, para que não se pareçam com guarda-volumes convencionais, possuem portas em três tamanhos, conforme estipulado pelos Correios.
Resgatando a ideia inspiradora da realidade inglesa, mas com mais segurança, a meta dos sócios é fazer as caixas postais inteligentes serem adotadas por outros estabelecimentos comerciais a partir de parcerias com transportadoras e lojas virtuais interessadas na internet das coisas. O objetivo principal é garantir que as encomendas cheguem às mãos dos destinatários. Afinal, como diz o slogan da empresa: “É sua encomenda que deve ficar te esperando e não o contrário”.
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