por James Marins
Para enfrentar situações sem precedentes como essa, necessitamos de soluções sem precedentes. Precisamos de inovação social, precisamos de empreendedores sociais.
Quando escrevi o livro A Era do Impacto (Editora Voo, 2019), afirmei que devemos ter em conta que vivemos uma era de aceleração. Um período no qual os sistemas socioculturais são impactados de forma muito mais rápida do que tendemos a acreditar.
Em épocas mais remotas, as dificuldades de informação, transporte e comunicação podiam fazer com que ideias, descobertas e tendências disruptivas — ou mesmo doenças como a Covid-19 — levassem várias gerações para gerar algum impacto
Hoje, não. Na era da aceleração, sentimos o “deslocamento” como se entrássemos em um veículo superesportivo que nos leva de 0 a 100 km/h em cinco segundos.
Os ciclos disruptivos são muitíssimo mais rápidos. As descobertas científicas se transformam quase instantaneamente em tecnologia, propostas inovadoras de percepção do mundo rapidamente se convertem em movimentos produtivos, comunicacionais e culturais.
Na web, redes se formam instantaneamente e ideias percorrem o mundo em milésimos de segundo.. E os contágios biológicos, as doenças aterradoras, atravessam o globo em questão de dias, sem respeitar barreiras políticas ou geográficas.
Vivemos em um mundo de intersecção entre nossas lentas percepções orgânicas e lineares e ocorrências disruptivas, exponenciais, velocíssimas. Os empreendedores sociais são necessariamente capazes de assimilar essa percepção. E, mais do que isso, como nos ensina Bill Drayton, criador da Ashoka: empreendedores sociais não apenas sabem o que precisa ser feito, mas sabem para onde o mundo tem que ir.
A experiência que tive ao longo de diversos anos acompanhando o Projeto Legado de Empreendedorismo Social e outros projetos do Instituto Legado, pelo qual já passaram cerca de duas centenas de iniciativas de impacto socioambiental, revelou alguns fatores capazes de despertar o propósito: dor, solidariedade e consciência.
O coronavírus e a Covid-19, que é a doença que ele causa, geram dor, demandam solidariedade e despertam consciências, três fatores que são os catalisadores do propósito do empreendedor social.
A dor frequentemente é um catalisador necessário para a ação. Cria uma percepção antes adormecida, de necessidades talvez ainda desconhecidas. A doença, a solidão, a fome, a morte, o desespero (constantes presentes na pandemia, atuam como necessárias à busca pelo propósito impulsionador da ação do empreendedor social.
O coronavírus é uma dor global, planetária, que insere todos na condição de condôminos da mesma biosfera, da mesma casa, partilhando o mesmo ar e os mesmos desafios. A Covid-19, com seu rastro de dor e morte, impõe solidariedade e desperta consciências.
Hoje, dor, solidariedade e consciência precisam ser convertidas em ações inovadoras
Inovação individual (na medida em que cada um precisa se reinventar), inovação social (que é a utilização de novas soluções para resolver problemas novos) e inovações coletivas (mesmo em ambiente de insulamento social não estamos sozinhos nesse mundo). Em crises imensas como a que vivemos, precisamos inovar persistente e quotidianamente.
Recentemente, em meio ao choque do contágio massificado e global do coronavírus, participei do nascimento de um movimento de empreendedorismo cívico. O Quarentena Solidária convoca pessoas a não se deixarem abater e a participarem do enfrentamento dos danos humanos, sociais e econômicos.
Redes foram formadas e agora redes de redes estão se articulando na busca de ações que possam se tornar sistêmicas. Na nossa plataforma Inova Contra Coronavírus já recebemos dezenas de iniciativas inovadoras que vão de soluções tecnológicas com impressoras 3D, e passam por cursos médicos com design instrucional em ensino à distância, telemedicina, aplicativo para ajudar idosos em suas necessidades, contação de histórias online, financiamentos coletivos para ajudar famílias em vulnerabilidade etc.
Recebemos 59 projetos que se dividiram em diversas áreas de ação. Destes, 31,3% são do setor de saúde e 18,8% se dedicam a problemas decorrentes do isolamento. O Comitê de Curadoria está selecionando e encaminhando diversas ações. De acordo com nosso painel de controle, os dados são os seguintes: 32 iniciativas inscritas, 43% delas consideradas aptas para execução; em 46% dos casos estamos solicitando mais informações; e apenas 3,1% não são viáveis no momento.
As necessidades das ações propostas são as seguintes: 18,8% necessitam de voluntários, 28,1% demandam conexões e 28,1% buscam recursos financeiros. Algumas soluções já foram encaminhadas, como por exemplo, a iniciativa da Academia Médica que necessita de recursos para oferecer um curso técnico de ventilação mecânica para casos graves de pacientes de Covid-19 internados em UTI. Nesse caso, o Instituto Legado viabilizou a possibilidade de investidores sociais realizarem um aporte inicial para que o curso seja ofertado.
Ainda na área médica, conectamos o Portal SIM – Serviços de Inteligência Médica, uma plataforma de médicos voluntários que podem dar aconselhamento profissional via chat, à Academia Médica, que tem mais de 140 mil profissionais, muitos dos quais poderão se voluntariar na iniciativa.
A Bioeng, empresa de especializada em arquitetura hospitalar, criou uma metodologia para oferecer seus conhecimentos por meio eletrônico para reformar e adaptar unidades hospitalares. E duas startups estão oferecendo tecnologia de impressoras 3D para a construção de equipamentos hospitalares. Já a DDN – Tecnologia Têxtil está viabilizando a fabricação de máscaras de proteção reutilizáveis elaboradas com tecido biodegradável e impregnadas com produto antibacteriano.
Há também iniciativas na área jurídica, para a construção de uma plataforma de acompanhamento de todas as mudanças legislativas referentes ao coronavírus e também para facilitar a contratação à distância, inclusive com assinatura digital para que os usuários não deixem de realizar negócios.
No campo da alimentação, a Cooltivando criou um modelo de negócios para vender hortifrutigranjeiros diretamente em condomínios, evitando assim a aglomeração em feiras e mercados. E há muito mais inovação a ser posta em prática.
Os empreendedores sociais e cívicos que fazem parte destas iniciativas e destas redes são sonhadores, obstinados, ousados e práticos. Por isso colocam suas soluções em ação, persistentemente. Precisamos de empreendedorismo social e cívico agora, exponencialmente, mais do que nunca em nossas vidas. Precisamos inovar contra o coronavírus.
James Marins, 53 anos, é autor do livro A Era do Impacto, presidente do Instituto Legado e um dos coordenadores da Rede Quarentena Solidária e do movimento Inova Contra Coronavírus. Dele, o Draft publicou um Lifehackers em 2019 (leia aqui).
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