O mercado fitness, como tantos outros, precisou se adaptar rapidamente à pandemia. Com as academias fechadas, os praticantes passaram a treinar em casa, com suporte de aplicativos de exercícios, lives e vídeos gravados no YouTube.
De olho neste cenário, Marcio Kumruian, fundador e ex-CEO da Netshoes, acaba de empreender a ZiYou, uma plataforma de assinatura de equipamentos de ginástica (esteira, spinning, bicicleta ergométrica etc.) e conteúdo esportivos.
Gestada durante quatro meses de um sabático, após Marcio deixar o comando da Netshoes (adquirida pelo Magazine Luiza em 2019 por 115 milhões de dólares), a startup foi lançada no comecinho de janeiro, com foco em pessoas físicas e condomínios.
Funciona assim: o cliente escolhe online o aparelho que deseja assinar, cria um login, paga e recebe em casa o equipamento, com direito à manutenção e troca de modelo para variar o treino depois de certo tempo.
Por enquanto, a ZiYou atende apenas São Paulo e região metropolitana. As assinaturas custam a partir de 149 reais mensais e ainda dão acesso a aulas para tornar o treino mais eficiente em dois aplicativos de conteúdo fitness.
Marcio não informa o número de assinantes, mas diz que já eram mais de 100 ao fim da primeira semana. A seguir, ele fala da inspiração para criar o negócio, da transição de uma empresa consolidada para uma startup e dos desafios de empreender em meio à pandemia.
Em agosto de 2020, você encerrou um ciclo de 20 anos ao deixar o cargo de CEO da Netshoes. Por que a decisão de vender? E como está sendo essa transição?
A Netshoes era uma empresa pública e dessa forma estava sujeita a qualquer lance. Não foi uma escolha minha entre vender para o Magalu ou para outra empresa. Foi uma escolha do conselho e dos acionistas que ratificaram a venda com mais de 90% na assembleia.
O processo durou mais do que imaginávamos. Tivemos um período muito legal de pós-aquisição junto com o Fred [Trajano, CEO do Magazine Luiza], que me fez alguns pedidos para integrar a Netshoes com o Magalu e o próprio time, porque havia uma preocupação legítima de preservar a equipe e encaixá-la nessa nova estrutura.
Combinamos o prazo de um ano para fazer essa transição — mas veio a pandemia e, de comum acordo, estendemos um pouquinho esse período.
Sempre fica a saudade. Foram 20 anos tocando a Netshoes, mas saí muito bem, sentindo que cumpri a transição entre o “modelo Marcio” e agora o dos Trajano. Por outro lado, não há uma ruptura total, porque sou conselheiro do Magalu, continuo dando suporte ao grupo.
Depois dessa transição, sua ideia era descansar. Por que resolveu interromper o seu sabático?
Fiquei pensando o que iria fazer daqui para frente. Acabei pegando mais um conselho [de administração], o do CNA.
Mas não sou um cara de ficar somente em conselhos ou apenas como investidor, então resolvi que era hora de empreender de novo, começar outro negócio do zero
É isso que me motiva, usar toda a experiência que adquiri ao longo desses anos para encurtar etapas.
E de onde veio a inspiração para empreender a ZiYou?
Foram várias inspirações. Me baseei em tendências e mudanças comportamentais aceleradas pela pandemia.
Primeiro, pensei quais eram as dores do brasileiro relacionadas à prática de exercícios. Descobri que apenas 8% da população pratica ou já praticou atividades físicas em academias. Ou seja, existe uma outra possibilidade a ser explorada com 92% dos brasileiros.
Pensando no modelo de negócio, me inspirei na economia compartilhada, que transforma bens duráveis em serviço. O setor automobilístico está fazendo isso bem, acabamos de ver a FCA anunciar o modelo de aluguel de carros zero da Fiat e da Jeep. Estão pegando algo que era um sonho de consumo e transformando em assinatura
No caso do equipamento fitness, não diria que é um “sonho de consumo”, mas uma necessidade para mantermos a saúde e o bem-estar.
Depois, pensei em empresas que tiveram crescimento na pandemia, como as americanas Peloton e Echelon [de aluguel de equipamentos de exercício], que unem hardware e conteúdo. Quando juntei todos esses insights, visualizei a ZiYou.
De onde vem o nome ZiYou?
Percebi que a nossa proposta traz liberdade para as pessoas, porque elas podem escolher fazer o exercício onde, como e quando desejarem. Aí fui no Google Translator e encontrei a palavra “liberdade” em chinês: Zìyóu. Gostei e foi assim que nasceu o nome.
Quais aprendizados você trouxe da Netshoes para a ZiYou?
O primeiro está relacionado ao foco no cliente. Como entregar uma experiência que atenda minimamente o que ele está esperando? Nos preocupamos em trazer um NPS [Net Promoter Score] alto para, mais do que atender o cliente, surpreendê-lo.
O segundo aprendizado que tirei da Netshoes foi a preocupação com a montagem do time. Com uma equipe trabalhando com o mesmo propósito e o cliente como centro do negócio, temos um bom começo para desenvolver uma companhia de futuro.
Mesmo já tendo experiência, deu um frio na barriga empreender um novo negócio e com um modelo inusitado durante a pandemia?
Sempre dá esse frio na barriga, não importa a situação. Com o tempo, o empreendedor vai ganhando casca grossa, vai ficando mais vivido… Mas obviamente dá medo.
Mesmo com milhões de desempregados no Brasil, não foi fácil recrutar o time no meio de uma crise. Foi preciso convencer a equipe e os parceiros a embarcarem e acreditarem nesse sonho, nesse novo modo de fazer
Na Netshoes foi a mesma coisa, no começo, quando decidimos vender tênis online. O pessoal falava: nem a pau que vai vender assim, as pessoas têm que experimentar o calçado antes de comprar… Passamos três meses até ter o primeiro pedido. Já na ZiYou, atingimos a casa dos três dígitos [de assinantes] na primeira semana.
Quais foram os principais desafios para tirar a startup do papel em apenas quatro meses?
Sem querer “chover no molhado”, o principal desafio foi a burocracia. Um empreendedor não consegue abrir uma empresa rápido aqui no Brasil. Depois, foi a questão da falta de crédito para um negócio novo. Isso tudo toma muita energia do empreendedor e tira o foco da empresa em si.
Claro que pela minha experiência e trajetória, tive muitos atalhos. Mas me colocando no lugar de quem está começando do zero, é impressionante como o empreendedor precisa gastar tempo com coisas minúsculas enquanto poderia estar trabalhando para a companhia vender e gerar receita.
Qual foi o investimento para criar a ZiYou?
Ainda não estou divulgando esse número, mas posso dizer que a maioria do capital é meu e que trouxe como sócia uma empresa estrangeira de tecnologia, a Object Edge, com sede na Califórnia e criada por um grande amigo, o Jags [Krishnamurthy]. Ter uma empresa de tecnologia por trás com certeza ajudou a ZiYou a ter nascido em apenas quatro meses.
A Netshoes nasceu no ambiente físico e migrou para o digital. Você já imagina o caminho inverso para a ZiYou?
Está nos planos ter um espaço de experimentação da ZiYou para que os clientes possam testar os equipamentos antes de assinar. Primeiro, no entanto, vamos esperar passar todo esse período conturbado de pandemia.
Como a ZiYou pretende melhorar a experiência das academias em condomínios?
Hoje é preciso investir muita grana para comprar equipamentos e ainda há o custo com manutenção. Damos a oportunidade de os condomínios apostarem em um modelo em que não precisam mobilizar capital e têm a flexibilidade de escolher o equipamento que precisam pela plataforma, deixando o resto com a gente.
Como funciona a parceria de conteúdo disponibilizada pela ZiYou?
Desde o início, queríamos dar a melhor experiência possível para os nossos clientes. Então simplesmente oferecer um bom equipamento não era o suficiente. Por isso, selecionamos parceiros de conteúdo, plataformas online de bem-estar e saúde.
Estamos trabalhando atualmente com a WeBurn e com a Bflix, mas buscamos novos parceiros para aumentar o número de aplicativos e conteúdos disponíveis. A partir do momento que o cliente assina, ele recebe no e-mail um código para acessar essas plataformas sem pagar nada e aprimorar seu treino.
Na Netshoes, você vendia material esportivo. Na ZiYou, estimula a prática de atividades físicas. Qual sua relação com o mundo do esporte?
Não sou um praticante voraz, mas também não sou sedentário. Já fui corredor de 10 km constantemente, depois migrei para a musculação, aí voltei a correr de novo.
Sou um praticante normal, aquele cara que quer se exercitar três ou quatro dias durante a semana por uma hora, uma hora e meia. Mas, sobretudo, sou um amante de esportes.
No esporte, temos uma palavra muito legal: fã. Essa pessoa tem uma paixão e busca ter uma experiência legal desde a chegada ao estádio, no estacionamento, na compra da pipoca e cerveja etc. Acredito que o esporte vai além do exercício físico
Os Estados Unidos entendem e fazem isso muito bem. É só olhar a final do Super Bowl, com todo aquele show, aquela experiência. O Brasil ainda tem muito a desenvolver nesse sentido.
Você acredita que esse modelo de treino em casa vai continuar em alta mesmo após a pandemia?
Uma das lições que tiramos da pandemia é que muitas das práticas que adotamos já existiam, mas foram aceleradas — e vão permanecer após a vacinação.
Vou dar um exemplo. O e-commerce dobrou de tamanho durante a pandemia. E depois que todas as lojas estiverem abertas, o que vai acontecer? Nada. O e-commerce vai continuar nesse patamar. Ou vai crescer mais, porque as pessoas se acostumaram, perceberam que existe essa possibilidade.
Entendo que estamos criando um mercado novo, uma possibilidade que antes não existia. Antes, a única maneira de fazer exercícios em casa era comprando um equipamento, investindo 7 mil ou 8 mil reais. E depois, se a pessoa desistia da ideia, não sabia o que fazer com aquele equipamento
O quanto será preciso mudar de direção depois que a pandemia, não tem como saber ainda. Mas acredito que muita gente vai gostar desse modelo — e continuará usando.
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