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O delivery online não só matou o disque-pizza. Ele criou novos mercados ao mudar nosso jeito de comer

Rafael Tonon - 24 maio 2016
O novaiorquino Maple (da imagem acima) é um delivery de pratos de chef, com um menu diferente a cada dia e preços mais convidativos do que no restaurante.
Rafael Tonon - 24 maio 2016
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Com um celular na mão e um desejo na cabeça (ou, vá lá, uma baita fome no estômago), os usuários de smartphones estão transformando o setor de alimentação no mundo todo ao validar um novo mercado — que despertou o interesse até de gigantes como Amazon e fez com que investidores por trás de companhias como o Skype e Mercado Livre apostassem ali suas nada modestas moedinhas. Estamos falando do delivery, ou melhor, do delivery digital, online, turbinado por aplicativos que tornaram possível pedir praticamente qualquer tipo de comida a uma velocidade e custo nunca vistos.

De restaurantes estrelados aos supermercados, de pequenos empreendimentos no bairro até serviços especializados em terceirização de processos logísticos, há uma corrida de pequenas e grandes companhias para ver quem vai tocar a sua campainha primeiro. Na carona deles, ainda há os serviços de assinatura que prometem entregar no conforto do seu lar garrafas de bebidas, peixes frescos e até ingredientes já devidamente pesados e porcionados para você botar a mão na massa na hora de preparar o jantar. Depois de alguns cliques, você só precisa abrir a porta…

UM CARDÁPIO COMPLETO NO CELULAR

No Brasil, os serviços de pedido online se tornaram mais populares com a democratização dos smartphones. Graças aos aplicativos, é possível encontrar uma gama variada de restaurantes por tipo de comida e localização, ver as receitas servidas e finalizar o pedido digitalmente. Aliando comodidade e agilidade (além de uma tendência cada vez maior de atendimentos automatizados, sem “interação humana”), serviços como o PedidosJá cresceram ao mostrar que o conceito de delivery podia ir além do disque-pizza.

Os sócios Ariel Burschtin e Álvaro Garcia eram amigos de faculdade (no curso de Engenharia de Sistemas da Universidade ORT, no Uruguai) quando tiveram a ideia de criar a plataforma. No princípio, a ideia era melhorar o servido de entrega das chiviterías (casas especializadas no chivito, sanduíche típico uruguaio), mas logo eles se deram conta do potencial da ferramenta.

Fundada em 2009, a empresa começou em um pequeno apartamento e com 40 restaurantes parceiros no Uruguai. Hoje, são mais de 15 mil estabelecimentos em toda a América Latina, inclusive Brasil (com 6 000 deles em mais de 200 cidades), e mais de 5 milhões de downloads do app em toda a América Latina – nosso país representa 40% desse número. Álvaro fala do crescimento:

“Em 2015, nosso número de pedidos aumentou 400% no Brasil. É um serviço fácil de usar e que apresenta variedade, um dos requisitos mais apreciados pelos nossos usuários”

Ele é hoje o CMO da empresa que, nos últimos cinco anos, conquistou aportes de investidores como a Kazkek Ventures (cofundador do Mercado Livre) e o Atómico Ventures (cofundador do Skype). Em 2014, eles criaram uma aliança com a Delivery Hero – gigante de comida online na Europa, que é hoje acionista majoritário da empresa.

“Não temos dúvida que ainda existe um grande números de usuários e restaurantes que poderemos alcançar, aumentando exponencialmente nossa base”, diz ele. “O mercado de delivery não para de crescer. A vida atual leva as pessoas a otimizarem o máximo de tempo. Tarefas que antes pareciam imprescindíveis como cozinhar, por exemplo, tornam secundárias a partir do momento em são lançadas soluções que te desobrigam a isso”. Segundo Álvaro, no caso do Brasil, a crise econômica acaba sendo um favor que conta a favor desse tipo de serviço. “Ultimamente percebemos que as pessoas pensam duas vezes antes de sair de casa, pois há gastos com gasolina, estacionamento, taxa de serviço etc. Então essa é uma tendência que deve seguir forte nos próximos meses no país”, afirma.

Do brasileiro iFood, mais de 600 cidades atendidas no país.

Felipe Fioravante, CEO do brasileiro iFood: operação em 100 cidades no país e faturamento de 750 milhões de reais no ano passado.

Segundo uma pesquisa realizada em 2015 pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), os aplicativos online movimentaram 10% do mercado de delivery no país, ou cerca de 900 milhões de reais. Outra plataforma que surfou nesses bons indicativos é o brasileiro iFood, lançado em 2011 e que, só no ano passado, faturou 750 milhões de reais, operando em 100 cidades do país — e que pretende triplicar até o final do ano a base atual de um milhão de usuários. “O uso de aplicativos mudou completamente a forma dos brasileiros pedirem comida. Com o dia a dia corrido nas grandes metrópoles, os apps se tornam grandes aliados do consumidor em diversos momentos, principalmente na hora de pedir comida, algo que está transformando o mercado”, afirma Felipe Fioravante, CEO do iFood.

DA AMAZON A DAVID CHANG, TODOS QUEREM UMA FATIA DESSE BOLO

O setor é promissor o bastante para chamar a atenção de gigantes de e-commerce. A Amazon, por exemplo, lançou o serviço Prime Now em setembro do ano passado como um projeto piloto em Seattle, onde mantém sua base nos EUA. O objetivo é operacionalizar o delivery para restaurantes – em parceria com empresas de entrega, a Amazon recebe o pedido e direciona para seus parceiros. Dois meses depois, a empresa expandiu a plataforma para outras cidades, como Los Angeles e São Francisco. A ideia é crescer a atuação em todo o território americano.

Enquanto isso, outras empresas seguem o rastro: recém-lançada em Austin, durante o SXSW, um dos principais congressos de inovação do mundo, a Favor se divulga como um serviço de entrega de restaurantes, inclusive para aqueles que não dispunham de um. A ideia é fazer parceria com chefs e estabelecimentos para adaptar pratos que possam ser entregues, sem que sofram qualquer perda durante o trajeto. “Uma pessoa pode querer jantar um prato feito por um ótimo chef sem ter de ir até o restaurante dele, certo? É para isso que estamos aqui”, disse Jab Bath, o CEO da empresa. A garantia da startup, fundada há quatro anos, é que o prato chegue em menos de 30 minutos. Um diferencial, segundo ele, frente a concorrentes que pululam na cidade – como a própria Amazon, que chegou por lá no início do ano.

O chef David Chang, do grupo de restaurantes Momofuku, também resolveu apostar no delivery online: ele criou a Maple, um serviço lançado há um ano que oferece diariamente três opções de pratos no almoço e três no jantar, criados exclusivamente para serem entregues – com receitas supervisionadas pelo próprio Chang e valores entre 12 e 15 dólares. É o mesmo princípio da Arcade, que mais do que entregar a comida, quer propor fazer uma curadoria dos pratos: além de poder combinar seus pedidos como quiser, utilizando pratos conhecidos de alguns dos melhores restaurantes de Nova York, a empresa ainda oferece uma opção de menu todos os dias. O serviço envia toda manhã SMS para seus usuários que só precisam responder “SIM” para receber o pedido até as 13h.

AVANÇOS E INOVAÇÃO NO BRASIL TAMBÉM

Em São Paulo, o desenvolvedor web Peter Chen criou algo semelhante: o seu Marmotex permite que colegas de escritório peçam o que querem comer até às 10h da manhã e a comida é entregue no horário determinado, garantindo o almoço. A ideia surgiu de uma necessidade própria, quando ele organizava os pedidos de almoço da empresa de tecnologia em que trabalhava. O cardápio do Marmotex (sim, o mascote é uma marmota) varia diariamente, de opções mexicanas a sushi, de culinária vegana a bife a cavalo – a média de preço é de 20 reais por porção.

O Marmotex tem linguagem irreverente e mira no delivery para quem trabalha em escritório: a compra é coletiva e o pagamento é feito mensalmente.

Snacks do Marmotex, que tem linguagem irreverente e mira no delivery para quem trabalha em escritório: a compra é coletiva e o pagamento é feito mensalmente.

A vantagem, por atender grupos, é que o pagamento é “online, individual e só uma vez por mês. Não tem taxa de entrega”, como informa o site. O débito pode acontecer no cartão de crédito ou no vale-refeição. Como os demais serviços, o Marmotex não cobra pelo cadastro – os restaurantes cadastrados na base é que pagam uma taxa, que varia de acordo com as negociações.

A sommelière Daniela Bravin, por sua vez, criou um serviço personalizado de entrega de vinhos por demanda. Num trabalho de curadoria, ela elege todo mês seis garrafas de vinho e cria uma caixa (no valor de 480 reais) com sua seleção pessoal. “Faço ao menos três degustações na semana além de pesquisar vinhos quase todos os dias, por isso tenho um repertório enorme. Isso é o que diferencia o trabalho”, diz ela, que defende que as pessoas querem cada vez mais receber produtos que passaram pelo crivo de alguém em que elas confiam. “Falta tempo para pesquisar, sair e comprar”. Daniela terceiriza as entregas, que na maior parte das vezes são feitas de bicicleta, na região mais central de São Paulo. “Mantenho um cadastro com o histórico do cliente e não repito rótulos”, diz ela. “Assim, conhecendo o gosto das pessoas, acerto em cheio. Quase sempre…”

E O DELIVERY VAI À MÁXIMA POTÊNCIA

Mas não é só a entrega de comidas de restaurantes que despertou o interesse desse mercado. Tecnicamente, o delivery pode ser de qualquer coisa. De olho nisso, a Amazon (mais uma vez ela) lançou, no final de março deste ano, o Dash Button para o segmento. Para quem não está familiarizado, trata-se de uma tecnologia que permite ao usuário ter em casa um dispositivo com um botão que ele aciona assim que percebe que um determinado produto (geralmente os “produtos fidelizados”, como eles chamam, aqueles que você compra da mesma marca todo mês) está acabando na sua despensa: conectado à internet, e linkado à conta do usuário no perfil da Amazon, o Dash Button envia na hora um aviso para a empresa, que providencia a entrega da mercadoria no outro dia na porta de casa.

Os últimos produtos adicionados à plataforma (que inicialmente contava com materiais de limpeza e de higiene pessoal) foram do ramo de alimentos e bebidas, como cafés da Starbucks e Illy, bebidas como água de coco e Gatorade, além de salgadinhos e barras de cereais. É mais um passo que a Amazon dá no ramo de comida, já que a empresa já conta, também, com o serviço de entrega de vegetais frescos na porta de casa.

A aposta na comodidade é um dos principais trunfos dos novos serviços de delivery, que com a internet se tornaram ainda mais fáceis de ser utilizados. A vantagem para o consumidor é essa: facilitar sua rotina em vista de ter mais tempo para outras coisas (algo raro nesse cotidiano cada vez mais corrido).

No Brasil, o HomeRefill segue a mesma lógica dos “buttons” da Amazon, mas de maneira mais indireta. O cliente cadastra seu perfil no sistema, que o ajuda inclusive a determinar quantidades (baseando na quantidade de moradores da casa) e a ver opções de produtos similares. A partir desse perfil, basta programar o pedido de compra, que chega na casa do consumidor no dia do mês agendado. Os produtos dessa espécie de lista de compras fixa podem ser retirados ou incluídos pelo usuário, quando ele quiser.

A HomeRefill ajuda o usuário a partir de uma lista básica de consumo, conforme o tamanho da família, e promete manter os produtos básicos sempre na despensa.

A HomeRefill ajuda o usuário a partir de uma lista básica de consumo, conforme o tamanho da família, e tem como objetivo entregar mensalmente os produtos básicos da despensa.

Guilherme dos Santos, fundador e CEO da empresa, fala de sua proposta de valor: “Queremos livrar nosso cliente de ter que ir ao supermercado para comprar coisas que ele não necessariamente gostaria de comprar. Ao dispensá-lo dessa obrigação, ajudamos que ele tenha mais tempo livre para gastar no que quiser”. Ele se refere às compras tidas como “chatas” pela maioria das pessoas: produtos de limpeza, alimentos básicos, higiene e pessoal – coisas que temos que comprar todo mês para o funcionamento da casa.

Santos também fala sobre a personalização da entrega. “Cada cliente é diferente e suas necessidades de consumo também. Um jornal de supermercado se comunica com todos da mesma forma, sem levar em conta as particularidades de cada um, como eu consigo no HomeRefill”, afirma. E prossegue:

“A internet unir empresas e clientes, vendedores e consumidores, de uma forma inédita e transformadora. É um caminho sem volta, algo que os empreendedores já perceberam, inclusive para brigar com grandes empresas”

Santos teve a ideia de criar a sua empresa depois de ter trabalhado por dois anos em uma produtora que desenvolvia justamente os tabloides de promoção para redes de supermercado. Ele adaptou a lógica para os tempos atuais: os preços da HomeRefill são conferidos semanalmente nas principais redes de supermercado de São Paulo e uma média (excluindo promoções) é estabelecida para garantir o melhor preço para os clientes. O custo das mercadorias fornecidas pelas marcas é o mesmo que sai da fábrica e o frete é grátis. “Em média, o nosso cliente tem uma economia real de 20% em relação ao total da compra”, diz ele.

Com uma base de 2 000 clientes ativos em apenas dois meses de atividade, a empresa está preparando uma campanha de lançamento (que deve entrar no ar nos próximos meses) e espera um crescimento representativo no número de clientes. A expectativa é que o número de cadastros chegue a 40 mil até o final do ano. Até agora, já foram investidos na empresa cerca de 13 milhões de reais e a previsão de faturamento não foi informada. Mas é, certeza, tão grande quanto o potencial deste mercado.

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