Por Claudia Giudice
Plimplimplimplimplimplimplimplimpimplimplimplimplimplimplim.
Era uma quarta-feira de abril, antevéspera do feriado de 1 de maio. Estava muito atarefada, trabalhando na minha pousada, quando achei que o meu celular estava pifando, enlouquecido, tresloucado. Apitava sem parar, como se eu estivesse recebendo centenas de mensagens. Abaixei o som e segui na lida. Estava implantando um sistema de reservas online, não podia parar. Horas mais tarde, recebi uma ligação do jornalista Adriano Silva, criador e dono do projeto Draft.
– O seu post vai bater 150 mil views até o final do dia. Isso é muito bom!
Meu celular não estava pifando. Os apitos eram o sinal de chegada de seis centenas de mensagens no email, Whats’up, Facebook, LinkedIn…
Pessoas do Brasil inteiro, que eu não conhecia, queriam falar comigo. Trocar. Compartilhar. Desabafar. Pedir conselho. Dar conselho.
Meu texto “Ao arrancarem meu crachá, senti como se estivessem arrancando minha pele” estava sendo viralmente compartilhado e lido. Hoje, enquanto escrevo este texto, o placar registra 420768 mil views e 92902 compartilhamentos. É muita gente. É muita responsabilidade.
A minha história de vida sem crachá tinha caído no gosto do povo. Os editores do meu livro ficaram animados com a repercussão. Meus perfis nas redes sociais começaram a receber pedidos de amizade. Fiquei feliz, felicíssima. Mas queria entender o que estava acontecendo. Comecei a navegar no Draft e vi que havia textos ótimos com duas mil, cinco mil, dez mil leituras. Eram poucos os que ultrapassavam a barreira dos 100 mil. Acima de 400 mil, acho que não tem meia dúzia. O que aconteceu comigo? Por que a minha história de dor e reinvenção gerou tanto interesse?
Na época, a explicação que ouvi foi sucinta e em alemão: “Zeitgeist”. O texto viralizou porque tinha conseguido captar o espírito da época, o espírito do tempo. O desemprego ainda não havia atingido a taxa de 8,2% ao mês, mas o fantasma do passaralho já rondava as mesas dos escritórios e o chão das fábricas. Concordo com a leitura, mas acho que houve algo mais para o post ter se tornado um fenômeno nas redes sociais.
Acredito que gentileza gera gentileza, como dizia o profeta José Datrino, o Gentileza. Adriano Silva foi supergentil comigo ao topar dar um depoimento para meu livro A Vida Sem Crachá (editora Agir) sobre a experiência e carreira dele. Quando efusivamente agradeci, ele me chamou para escrever no Draft. Aceitei na hora, para devolver à altura a gentileza dele. Fiz um texto inédito, com emoção e novidade em relação ao blog e ao livro, que a esta altura, já estava no prelo. O título, vale dizer, foi obra deles e fez uma baita diferença.
O prestígio e a audiência do Draft, o título, a troca de gentilezas e o Zeitgeist foram elementos fundamentais para dar relevância ao post. Acho, no entanto, que teve e tem algo mais.
O que quebrou o joelho dos leitores foi a absoluta e desconcertante franqueza com a qual tratei a minha demissão.
Assumi com todas as letras que tinha tomado um pé na bunda, que tinha virado loser e que buscava, depois de sofrer à beça, me reinventar. As pessoas tiveram curiosidade. As pessoas se identificaram e temeram por um destino igual ao meu. O texto também serviu de consolo. Muitos compartilharam com amigos e parentes, que estavam passando por igual situação. Virei porta-voz oficial de um tema saia justa, que poucos têm coragem de tocar.
Na minha caixa de mensagens, chegaram muitos textos. A maioria de pessoas que eu não conhecia. Comecei a ler e a responder. Eram homens e mulheres que haviam lido minha história e queriam contar que tinham passado por semelhante situação. Sentiram as mesmas dores. Haviam, também, perdido a pele. Alguns relatavam as dores dos maridos, mulheres, pais e parentes. Era uma multidão de escalpelados, que precisava pôr para fora, vomitar, aquelas sensações, até então, escondidas no fundo do saco da alma.
Sou muito grata ao Adriano e ao projeto Draft pela oportunidade. Fiquei conhecida como a jornalista que perdeu o crachá. Ganhei atenção especial do time da editora. Até vendi algumas diárias da minha pousada por causa da exposição. O mais incrível de ter virado um viral, o que não tem preço, foi a chance de trocar com pessoas, machucadas como eu.
Poder falar, poder ouvir e poder compartilhar. Desde então, perdi a vergonha de expor as minhas emoções. Perdi o medo de dar a minha opinião. E descobri o encanto de viver em rede, como um viral ou como um simples post de 50 likes.
Claudia Giudice, 49, empresária, jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade São Paulo, ex-executiva. Trabalhou por 23 anos na maior editora de revistas do país. Hoje, administra sua pousada, no litoral Norte de Salvador, e é autora do blog A Vida Sem Crachá.